Confira o que pensam especialistas sobre novo imposto de 15% para brasileiros com Bitcoin na Binance, Bitget, Coinbase e outras

“A moral da história é que mais uma vez a população pagará pelo ônus de um Estado inchado e ineficiente”, argumenta especialista

A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (25) o Projeto de Lei 4173/23 que antecipa a cobrança de Imposto de Renda de fundos exclusivos e passa a taxar aplicações em offshores, empresas no exterior que abrigam investimentos.

O projeto incluiu também um novo imposto para as criptomoedas que estão armazendas em empresas no exterior, como é o caso de exchanges como Binance, Coinbase, Bitget, Bybit, Gate.io, Crypto.com, Bitfinex, OKX e tantas outras utilizadas por brasileiros mas que não tem sede oficial no país.

Thiago Barbosa Wanderley, advogado e doutorando em tributação de criptomoedas pela USP, argumenta que existem inúmeras razões pelas quais os criptoativos (denominados no PL sob a nomenclatura de Ativos Virtuais) não devem ser submetidos a tributação.

Segundo ele, o principal deles se deve ao fato de que os “Ativos Virtuais” compreendem uma gama de ativos dos mais variados tipos, sendo inviável admitir a incidência de tributação uniforme sobre ativos que possuem características e naturezas jurídicas notadamente diferentes.

“No tocante a versão do PL 4173/2023, aprovada ontem pela Câmara dos Deputados, dois pontos nos chamam a atenção. O primeiro deles caso a norma seja aprovada sem alterações no Senado, a variação positiva constante em exchanges estrangeiras será considerada como um rendimento, vindo a ser tributada em 15% independentemente de sua conversão em moeda fiat.

Referida sistemática certamente será alvo de judicialização, uma vez que busca tributar um acréscimo patrimonial apenas potencial da pessoa física, antes mesmo da efetiva realização deste acréscimo”, disse.

Além disso, ele aponta que o segundo diz respeito a inclusão, no art. 44, da obrigação para que as empresas que operem com ativos virtuais no Brasil forneçam informações periódicas à RFB e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), independentemente de seu domicílio.

“Apesar da norma obrigar até mesmo aqueles que não possuem domicílio no Brasil, não se sabe qual será o grau de enforcement deste dispositivo em relação as exchanges estrangeiras. Por fim, é preciso destacar que, para aqueles que desejarem se antecipar e atualizar o valor dos seus criptoativos custodiados no exterior em 31.12.2023, poderão tributar o seu ganho de capital (potencial) sob a alíquota de 8%, prevista no art. 14”, apontou.

Governo não quer cortar gastos e aumenta impostos

Já Jorge Souto, gerente de portfólio do TC Pandhora, destaca que temos um governo que não visa cortar gastos e diminuir o pesado Estado brasileiro. Diante disso, ele aponta que para contrabalancear sua incapacidade de cortar gastos precisa aumentar a carga tributária e está fazendo de forma pouco inteligente, não apenas em relação aos criptoativos, mas em outros pontos do PL.

“Estão tratando a criptoativos como uma classe de ativos separada com regras diferentes, o mercado se ajusta, muitos usuários irão deixar de declarar ou irão utilizar produtos financeiros que tenham uma tributação mais racional, mas que dê exposição aos criptoativos. No fim, o aumento de arrecadação não deve chegar nos níveis previstos pelo governo. Nos países em que cripto vem obtendo mais crescimento vemos uma tributação pari-passo com ativos de renda variável, não vemos isto na proposta”, disse.

Souto declara que o risco maior é desacelerar a adoção dessa classe de ativos no Brasil, apesar de ter uma legislação construtiva. Se temos menos adoção, menos impostos serão pagos, logo o efeito real da lei perde-se.

“A moral da história é que mais uma vez a população pagará pelo ônus de um Estado inchado e ineficiente”, argumenta.

Renato Nobile, gestor e analista da Buena Vista Capital, destaca que esse é um projeto que tende a ser modificado e ajustado pelo Senado, já que esse projeto de lei está ligado à questão da tributação das offshores em investimento no exterior, que acabou classificando criptoativos na mesma linha, ficando uma questão aberta nesse sentido de interpretação.

“Acho que toda regulação, principalmente quando fala de novas tecnologias, como blockchain e criptoativos, é muito bem-vinda desde que não esmague o seu crescimento ou possa evitar o crescimento de usuários. E o Brasil é uma referência muito grande nesse sentido, tanto em regulação quanto em crescimento de adoção de usuários e até de projetos voltado para o mundo real. Dessa forma, caminhar no aspecto desse projeto de lei é bom”, afirma Renato Nobile, gestor e analista da Buena Vista Capital

Por outro lado, Cristiano Maschio, CEO da Qesh IP, aponta que a nova legislação pode ser vista como um desafio e uma oportunidade. A tributação das criptomoedas pode afetar a atratividade desses ativos como investimentos, mas, ao mesmo tempo, traz legitimidade e regulamentação ao mercado. Isso pode atrair investidores institucionais e aumentar a confiança dos consumidores. 

“No entanto, a imposição de uma alíquota de 15% pode desencorajar investidores e empresas a entrarem no mercado de criptomoedas, o que prejudicaria a inovação e o crescimento econômico. Portanto, é fundamental que o Senado leve em consideração os impactos econômicos e a necessidade de equilibrar a arrecadação de impostos com a promoção da inovação no setor financeiro”, declarou.

Projeto, disse, disse… e não disse nada

Felipe Escudeiro, fundador do Bitnotícias, destacou que a pauta protecionista de algumas exchanges nacionais é contraditória com a situação do mercado e com o que as próprias empresas dizem para seus clientes.

“Muitas empresas de cripto no Brasil dizem que prezam pela liberdade e por uma pauta neoliberal, mas correm para os reguladores pedir proteção contra empresas de criptomoedas estrangeiras. Quem acompanha o mercado cripto no Brasil lembra que antes das exchanges internacionais entrarem no mercado nacional, as exchanges nacionais cobravam até taxa de depósito, ou seja, você mandava R$ 100 reais para a exchange e recebia R$ 90. Não adianta pregar liberdade e trabalhar para impedir ela”, afirma.

Paulo Aragão – co fundador do CriptoFácil e fundador do Cripto na Real, destacou que o PL colocou os criptoativos em um tema do qual ele não fazia parte e ignorou completamente as particularidades do mercado.

“Há inúmeras questões em aberto no PL que foi votado em urgência por ser uma proposição do poder executivo. O Senado deve alterar pontos do PL, inclusive pode remover os criptoativos dele, já que o PL original, proposto inicialmente como uma MP, não tratava de cripto e focava somente nas offshores. O Senado deve manter esse entendimento”, disse.

Na mesma linha, Rafael Steinfeld, advogado e empresário do mercado de criptoativos, destaca que A atual sistemática de tributação já engloba as operações realizadas tanto em empresas domiciliadas no Brasil quanto no exterior.

“Atualmente, independentemente de se usar uma exchange nacional ou estrangeira, já há a obrigatoriedade de declarar as operações, conforme estabelecido pela IN RFB 1888/2019, e de calcular o ganho de capital nas alienações. Assim, introduzir distinções geográficas para criptoativos, que são, por definição, descentralizados e globais, parece desalinhado com a realidade e a prática do mercado.”, argumentou.

Rocelo Lopes, CEO da SmartPay, afirma que essa é mais uma oportunidade para os brasileiros mostrarem sua indignação com o país e com suas regras. Ele defende que o governo tem suas razões para criar um novo imposto, mas a população tem o direito de dizer não.

“Cedo ou tarde o governo ia querer entrar nesse mercado e tirar a fatia dele deste setor tão crescente como o de cripto. Eu defendo a liberdade. O governo tem o direito de fazer isso, mas o brasileiro tem o direito de se defender também e tem o dirieito de ir embora. Ganhar dinheiro aqui e gastar em outras nações mais crypto friendlys como El Salvador”, aponta.

Aumento da carga tributária

Guilherme Peloso Araújo, advogado tributarista sócio do Carvalho Borges Araújo Advogados, destaca que atualmente, brasileiros que possuam criptoativos, independentemente de onde custodiados (no Brasil ou exterior, em exchange ou não), devem pagar imposto sobre os ganhos auferidos em suas operações pela sistemática do ganho de capital, com alíquota base de 15% para ganhos de até R$ 5.000.000,00; há isenção do imposto caso as alienações em um mesmo mês não ultrapasse R$ 30.000,00.

“O Projeto de Lei 4173/2023 pretende a mudança dessa sistemática para equiparar a posse de criptoativos a investimentos financeiros, impondo-lhe alíquotas de 15% para rendimentos anuais entre R$ 6.000,00 e R$ 50.000,00 e 22,5% para valores acima disso. Nominalmente, portanto, haverá intenso aumento de carga”, afirma.

Andrey Nousi, fundador da Nousi Finance, afirma que a realidade de muitos brasileiros investindo em criptomoedas vai mudar logo logo. A isenção de R$ 35 mil reais por mês não existirá mais. Praticamente todo brasileiro que investir em criptomoedas via corretoras estrangeiras será impactado.

“Por isso, estamos vendo uma procura grande de nossos clientes para ter eficiência fiscal nos investimentos de ativos no exterior (incluindo criptomoedas). Estamos atualmente criando um fundo de investimento de ativos digitais com gestão ativa. Dessa maneira, como os ganhos realizados são do fundo e não do investidor, há portanto um deferimento e benefício fiscal para o investidor”, destacou.

Marina Perelló, COO do Yaak Ventures, destaca que o texto do PL 4.173/23 aprovado pela Câmara dos deputados, apresenta vários furos, entre um dos pontos mais sensíveis, destaca-se que muitas definições não harmonizam com as normas já estabelecidas tanto pela Receita Federal quanto pela CVM, e não existe diferenciação clara entre os tipos de tokens. 

“Outra falta importante é que o PL não deixa claro o fator gerador para a incidência de imposto, o que poderia deixar o contribuinte num limbo tributário: recolhendo mais do que deveria ou sonegando, ainda que sem má-fé. O projeto segue para o Senado, e a expectativa é que passe por adequações antes de ser sancionado”, afirmou.

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