‘Real Digital deve conviver com stablecoins privadas e habilitar integração com NFTs, Defi e contratos inteligentes’, debate Banco Central do Brasil
Robert Townsend, professor do MIT e que está envolvido com o projeto do dólar digital, disse que o Real Digital brasileiro pode se tornar uma plataforma aberta de integração entre o Banco Central e a economia digital por meio da criação de contratos inteligentes
O Banco Central do Brasil, BC, realizou nesta quinta, 29, o primeiro webinar de uma série de eventos onlines promovidos pela autarquia para debater os rumos do Real Digital, a Moeda Digital do Banco Central, CBDC, que o Brasil deve emitir a partir de 2022.
Durante o evento o BC debate as oportunidades, limites, formas e possibilidades que a emissão de uma versão digital do Real podem trazer para o país e, entre elas, foi destacado a união entre a moeda nacional, emitida pelo Banco Central, e as stablecoins privadas como o USDT da Tether ou o BRZ da Transfero.
Neste sentido, segundo argumentou Robert Townsend, professor do MIT e que está envolvido com o projeto do dólar digital, o Real Digital brasileiro pode se tornar uma plataforma aberta de integração entre o Banco Central e a economia digital por meio da criação de contratos inteligentes.
Assim, tal qual o Ethereum (ETH) o BC poderia criar com o Real Digital uma grande plataforma que permitiria ao setor privado desenvolver aplicações próprias que se conectam a esta rede, porém, diferente da blockchain do ETH, Townsend sugere a criação de uma espécie de layer 2 ou parachains.
Desta forma, a plataforma do BC ficaria responsável somente pela movimentação do Real Digital nestes múltiplos contratos enquanto estes, por sua vez, ficariam responsáveis pelas transações relacionadas ao contrato e com isso evitando um sobrecarregamento da rede do BC.
“Você tem uma plataforma que é do Banco Central mas o setor privado pode construir em cima dela criando contratos inteligentes que não se separam desta plataforma pública, mas que não sobrecarregam ela e com isso você delega ao setor privado uma forma descentralizada para que eles possam inovar e assim atrair clientes e executar arranjos novos para o sistema financeiro”, disse.
Ainda segundo Townsend neste tipo de arranjo, que permite uma maior inovação do sistema econômico, o dinheiro publico e privado podem coexistir e esta união entre um e outro pode ter um grande valor e ser complementar.
“Eu recomendaria um sandbox com Defi no Brasil usando stablecoins e CBDC no qual os CBDC são a moeda de troca para estas moedas privadas. Nele teriamos as vantagens dos contratos inteligentes sem usar uma terceira parte. Isto é uma nova fase do sistema financeiro”, afirmou.
O professor também afirmou que desta forma o BC pode criar uma grande plataforma que permita aos diferentes entes do estado a participação em uma nova economia digital junto com as ferramentas desta nova economia como NFts, Defi, e contratos inteligentes.
“Dinheiro privado e público podem coexistir tranquilamente desde que cada um fique como seu papel e que o Banco Central entenda que os diferentes ativos serão precificados diferentes e o Banco Central precisa atuar nesta regulação”, disse.
Real Digital não é o fim do dinheiro físico
Já o Diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do BC, João Manoel Pinho de Mello, destacou que o Real Digital não será o fim do dinheiro físico, mas uma evolução da moeda e um complemento do sistema financeiro adaptando formas e funções deste para a era digital.
“Não estamos aqui para dizer nem quando ou como o Real Digital irá substituir o dinheiro físico. Este não é um debate de substituição mas de complementaridade em um equilíbrio no qual a adoção de uma CBDC diminui os custos da moeda e no qual vemos as potencialidades do Real Digital na melhora da inclusão financeira”, disse.
Pinho de Mello argumentou que o somatório dos ganhos que a adoção de uma versão digital do Real precisa superar os custos de implantação deste sistema e que a busca por este equilíbrio é um dos grandes papéis do BC.
Além disso, pontuou que é preciso também levar em conta a necessidade de interação entre as demais CBDCs e seus modelos já que ainda não há uma definição de padrões internacionais para este tipo de inovação.
“Na parte de riscos há que se tomar um imenso cuidado a fim de evitar que a CBDC desrespeite a LGPD e que seja vulnerável a ataques cibernéticos. No mais o BC trabalha para que o Real Digital seja uma ferramenta complementar para trazer mais inclusão, promover mais eficiência por meio da inovação se aproveitando de forma segura das novas tecnologias que o futuro do dinheiro apresenta. Ele é mais uma peça desse tabuleiro da agenda BC# ajudando o BC a zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo”, argumentou.
As pessoas não estão preparadas para a inovação
O professor Eduardo Diniz, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) também participou do evento e, respondendo uma pergunta feita pelo diretor do BC, destacou que é normal as pessoas não estarem prontas para a inovação que o Real Digital pode trazer.
“As pessoas estão preparadas para aceitar uma nova tecnologia que elas não conhecem, provavelmente não. Mas quando você usa o sistema pela primeira vez, isso já é suficiente para elas adotarem isso imediatamente. O Pix é um exemplo disso. A partir do momento que você usa a primeira vez muda totalmente a perspectiva porque você percebe o benefício que aquela tecnologia lhe traz.”, disse.
Além disso Diniz também defendeu que o BC adote uma estrutura distribuída e não centralizada para o CBDC para permitir ganhos em eficiência e novos produtos que talvez o BC nem tenha idéia que possam surgir
“A internet mostra que uma infraestrutura distribuída é muito melhor que um sistema centralizado, então você deve incorporar estes elementos de uma lógica de sistema distribuído na construção de um CBDC. Além de muitos outros ganhos como redução de crimes como corrupção , entre outros
Chega de teoria da conspiração
Já Keiji Sakai, Country Manager da R3, destacou que é preciso parar com as teorias de conspiração e desmistificar que um CBDC significa a ascensão de uma espécie de “Grande Irmão” em analogia ao livro de George Orwell, que fiscaliza e vê tudo e todos.
Segundo ele, um CBDC pode ser muitas coisas mas certamente não será um controle totalitário do BC sobre para onde vai cada centavo do dinheiro que as pessoas utilizam.
“No mundo digital começamos a ter mais transações eletrônicas e nós precisamos ter transações mais eficientes para atender a esta nova demanda. A liquidação financeira ainda está em modelos antigos e nesse contexto que o BC começa a pensar o CBDC e não em um contexto de controle extremo de tudo que é movimentado na economia. Precisamos acabar com estas teorias da conspiração”, disse.
Sakai também seguiu a linha dos demais participantes e afirmou que o Real Digital é complementar aos diversos meios de pagamento e embora deva substituir alguns ele não será o único sistema de pagamento existente e tampouco deverá acabar com o dinheiro físico.
Além disso, destacou que a moeda digital nacional terá uma legião de críticos, porém o BC deve avançar em um modelo de integração e distribuído para aproveitar todas as potencialidades desta nova economia digital.
“Vai ter um monte de gente no início até entender como funciona e cabe a nós esclarecer isso ao mercado”, afirmou.
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