A ascensão e o desastre do Terra (LUNA)

Como o projeto da stablecoin algorítmica TerraUSD e do token LUNA atingiu uma capitalização total de mercado de aproximadamente US$ 60 bilhões no começo de abril de 2022 e foi vitimado por uma espiral da morte depois que o USTC perdeu a paridade com o dólar.

Epílogo – Do Kwon e os riscos da falsa descentralização

“Uma economia descentralizada precisa de dinheiro descentralizado”: este era um dos mantras de Do Kwon, o líder do fracassado projeto do Terra. A verdade é que o Terra é um projeto criado em torno das ideias e da personalidade autocentrada e arrogante de seu líder.

Após o lançamento do Terra 2.0, o CEO do Terraform Labs tem se mostrado mais humilde e discreto, mas seus atos não confirmam que ele tenha se tornado um outro homem depois de levar à ruína um projeto que chegou a valer US$ 60 bilhões em seu auge.

“Tenho grande confiança em nossa capacidade de voltar ainda mais forte do que já fomos”, disse Kwon ao The Wall Street Journal em uma reportagem publicada na quinta-feira, 23 de junho.

Em meio a acusações de que teria desviado US$ 2,7 bilhões para carteiras de sua propriedade durante a fase próspera do Terra Classic, Kwon afirma ter perdido quase tudo com o colapso do LUNC e do USTC. Diz levar uma vida simples, lamenta o prejuízo causado aos “lunáticos” que o seguiam como os fanáticos de uma seita religiosa, e diz que jamais agiu de ma fé. Ele realmente acreditava no potencial do projeto e reconhece o seu fracasso pessoal em não tê-lo conseguido levar adiante:

“Eu fiz apostas confiantes e dei declarações confiantes em nome do UST(C) porque acreditava em sua resiliência e em sua proposta de valor. Perdi essas apostas, mas minhas ações correspondem 100% às minhas palavras. Há uma diferença entre falhar e executar uma fraude.”

O erro crucial – e até hoje não reconhecido – foi insistir que o Anchor oferecesse rendimentos anuais fixos em torno de 20%, quando fora projetado para pagar juros de 3,6% ao ano, conforme veio à tona após o colapso do ecossistema. Segundo diversos funcionários do Terraform Labs, tratou-se de uma decisão autocrática e pessoal do CEO do Terraform Labs, que desconsiderou opiniões divergentes e, principalmente, a dinâmica do mercado.

Não há dúvidas de que o fracasso do Terra Classic está vinculado à centralização e ao culto à personalidade do seu fundador. Assim, o eventual sucesso do Terra 2.0 parece pouco provável, pois Kwon já mostrou que não abre mão de ser o protagonista do novo capítulo dessa história:

“O grito de guerra da comunidade Terra sempre foi: ‘uma economia descentralizada precisa de dinheiro descentralizado’. Esta é uma visão empolgante e, embora a UST não tenha sido bem-sucedida, a comunidade Terra encontrará maneiras de reiterar essa ideia em algum momento no futuro.”

Efeitos colaterais

Os efeitos colaterais do colapso do Terra Classic foram muitos e suas consequências ainda estão por ser medidas. Se o mercado de criptomoedas já enfrentava um cenário macroeconômico desfavorável devido à reversão da política monetária do Banco Central dos EUA para conter a inflação, reduzindo a liquidez do mercado através de aumentos recorrentes da taxa de juros e à guerra na Ucrânia, o efeito Terra contribuiu para aprofundar os prejuízos e colocar a indústria sob a mira dos reguladores. Especialmente no que diz respeito às stablecoins.

Afora os investidores do varejo e institucionais diretamente impactados pela pulverização dos US$ 40 bilhões em capitalização de mercado do Terra Classic, o Bitcoin pode ser considerado a primeira vítima involuntária do colapso.

Em 8 de maio, quando teve início a crise de paridade do USTC, o par BTC/USD fechou a semana cotado a US$ 34.038. Desde então, a maior criptomoeda do mercado enfrentou uma desvalorização de 38%.

A crise de confiança do USTC também abalou a credibilidade das stablecoins, e não apenas as algorítmicas, fazendo com que muitas delas perdessem a paridade com o dólar em graus variados. Nem mesmo o Tether (USDT) escapou à flutuação.

Em 12 de maio, o USDT chegou a ser negociado a US$ 0,9817 e desde então não tem conseguido manter a paridade com o dólar na proporção de 1:1. Além disso, em pouco mais de um mês, perdeu aproximadamente US$ 15 bilhões em capitalização de mercado.

USDC e DAI, a qual Do Kwon havia prometido exterminar em um de seus ataques de soberba, têm se mostrado resilientes à turbulência do mercado e não tiveram a paridade comprometida.

Recentemente, a plataforma de empréstimos Celsius e o Three Arrows Capital, um dos mais poderosos fundos de capital de risco do mercado, revelaram ter sido abalados pelas perdas sofridas em suas posições de UST mantidas no Anchor. A Celsius chegou a ter US$ 20 bilhões em ativos sob custódia e a Three Arrows Capital, US$ 11 bilhões.

Ambas tornaram-se insolventes, provocando uma onda de liquidações que contribuiu para derrubar os preços de diversos ativos e a capitalização do mercado como um todo. No entanto, é importante ressaltar que não se pode culpar apenas o colapso do Terra por elas terem chegado a este estágio, mas sim estratégias de gestão de risco absolutamente falhas.

Sem dúvida, esses eventos contribuíram para amplificar a crise de confiança que teve início com a espiral da morte do Terra. 

Luna 2.0 – a ressurreição

A espiral da morte do Terra Classic ainda não foi totalmente elucidada – e possivelmente nunca será – mas segue sendo tema de debates, dando margem a teorias da conspiração que envolvem até mesmo uma improvável auto-sabotagem de alguns dos desenvolvedores do projeto.

O fato é que exatos 20 dias depois do evento que desencadeou o colapso do ecossistema, o Terra 2.0 foi ao ar conforme proposta apresentada pelo CEO do Terraform Labs, Do Kwon, e aprovada pela comunidade. 

A nova blockchain foi lançada em 28 de maio após um hard fork. O novo token manteve o nome original – LUNA, também apelidado de LUNA2 – e o antigo foi renomeado Luna Classic (LUNC). O USTC ficou sem substituto. A proposta de Do Kwon prevê o lançamento de uma stablecoin colateralizada, embora não haja uma data prevista para tal. Com o lançamento da nova rede, os detentores de LUNC, USTC e Anchor Protocol UST (aUST) foram elegíveis para receber o novo LUNA via airdrop.

Apesar das críticas e da indignação da comunidade cripto contra Do Kwon – o cofundador e a controladora Terraform Labs estão enfrentando processos e investigações na Coreia do Sul – as principais exchanges de criptomoedas, incluindo Binance, Kucoin, FTX e várias outras anunciaram suporte para o Terra 2.0, valendo-se da justificativa de que estavam protegendo os consumidores prejudicados pelo colapso da antiga rede.

O novo LUNA começou a ser negociado em várias exchanges logo após o lançamento da nova rede. Como esperado, o LUNA2 registrou grande variação de preço logo após o início das negociações. Muitos investidores optaram por se desfazer do ativo assim que o receberam, em uma clara demonstração de falta de confiança no novo ecossistema.

Pouco mais de 24 horas após o lançamento da nova rede do Terra e da nova versão do LUNA, o token nativo do projeto renascido das cinzas registrava perdas de aproximadamente 70%.

De acordo com dados do CoinGecko, o novo LUNA chegou a ser negociado por US$ 18,87 nas primeiras horas da madrugada de sábado, 28 de maio, logo após a nova rede do Terra entrar no ar.

Em menos de uma hora o novo LUNA já havia perdido mais de 50% em relação ao seu preço máximo. Em seguida, gradualmente, mergulhou até a mínima de US$ 4,39, 24 horas após o início das negociações.

Desde então, o LUNA vem gradualmente perdendo valor, uma vez que o Terra 2.0 não oferece grandes atrativos aos investidores. Na quinta-feira, 23 de junho, poucos dias antes de completar um mês, o LUNA está cotado a US$ 1,91, aproximadamente 90% abaixo da máxima histórica registrada nos minutos seguintes ao seu lançamento.

A história do Terra e Terra 2.0 ainda está se desenrolando, mas os tempos áureos parecem definitivamente ter ficado para trás. Do Kwon e alguns funcionários do Terraform Labs estão atualmente sob investigação por várias acusações, incluindo evasão fiscal, manipulação de mercado, entre outros crimes.

A espiral da morte

Na sexta-feira, 6 de maio, havia US$ 14 bilhões em USTC depositados no Anchor gozando da generosa política de juros do protocolo. Embora o valor total bloqueado no protocolo já viesse decaindo nos últimos dias, depois o anúncio da redução dos rendimentos pagos aos stakers da stablecoin, em apenas dois houve uma fuga de US$ 2,3 bilhões depois que o USTC perdeu levemente a paridade com o dólar no domingo, 8, quando fechou a semana cotado a US$ 0,98.

Tudo começou quando US$ 285 milhões em USTC foram despejados em um pool na exchange descentralizada Curve Finance (CRV) e na Binance, dando início a uma “corrida bancária” em que os detentores do USTC foram ao mercado em busca de liquidez, desfazendo-se de suas moedas a qualquer custo.

Basicamente, eles tinham três opções: a primeira e mais óbvia, desfazerem-se de suas posições em exchanges descentralizadas, trocando o USTC por outras moedas. A segunda, utilizando o mecanismo de emissão e queima do Terra Station; ou seja, queimando USTCs e emitindo LUNCs. A terceira, em pools de liquidez de exchanges descentralizadas.

Os grandes volumes de negociação das DEX são impulsionados por transações de grandes entidades do mercado. Assim, quando o USTC começou a ser trocado em largas quantidades por USDC e USDT, as duas maiores stablecoins em termos de capitalização de mercado, houve um grande desequilíbrio proporcional entre as três moedas no pool.

Em uma situação como essa, o pool automaticamente passa a oferecer a moeda excedente, no caso o USTC, com desconto, para que a proporção entre as moedas volte a ficar equilibrada. O problema é que àquela altura a demanda por USTC era praticamente inexistente, ainda que Do Kwon tenha ido ao Twitter dando mostras de suas habituais empáfia e soberba para minimizar o desconto com que a stablecoin do Terra Classic vinha sendo negociada no mercado.

Enquanto isso, a outra válvula de escape do USTC promovia a emissão desenfreada de LUNC no mercado, gerando pressão negativa sobre o preço do ativo, que começou igualmente a se desvalorizar.

Em 9 de maio, o USTC recuara para US$ 0,94 e a LFG decidiu utilizar as reservas acumuladas em Bitcoin em uma tentativa desesperada de restabelecer a paridade do USTC com o dólar. No entanto, à medida que a notícia se espalhou no Crypto Twitter, o pânico tomou conta do mercado, derrubando inclusive o preço do BTC. Negociado abaixo de US$ 31.000, a maior criptomoeda do mercado registrou a sua mínima até então em 2022 naquela segunda-feira.

Quando as posições em Bitcoin da LFG foram liquidadas, a espiral da morte do ecossistema Terra Classic entrou em sua fase final. Dali em diante, a desvalorização do LUNC e do USTC se acelerou de forma inesperada e até então nunca vista na história do mercado de criptomoedas.

Mesmo depois de perder a paridade com o dólar no domingo, 8, o USTC ainda se mantinha como a terceira maior stablecoin em capitalização do mercado, com US$ 18,6 bilhões – e a sua contraparte, o LUNC, uma das raras moedas do top 10 a alcançar novas máximas históricas em 2022, registrava um desempenho recente superior à média de um mercado em evidente tendência de queda.

No fechamento semanal, ambas estavam entre as 10 maiores criptomoedas em termos de capitalização de mercado. O LUNC na nona posição e o USTC na décima. Menos de três dias depois, na manhã da quarta-feira, 11, o LUNC era negociado a US$ 0,69, 99% abaixo da máxima histórica de US$ 119,18, alcançada pouco mais de um mês atrás.

Por sua vez, o USTC alcançou graus de instabilidade raros mesmo para o sombrio histórico das stablecoins algorítmicas. O TerraUSD despencou a US$ 0,22 – uma variação negativa de 78% em relação ao seu preço alvo.

Em retrospectiva, o despejo do Bitcoin no mercado aprofundou as perdas tanto do LUNC quanto do USTC e provocaram um efeito sistêmico que desequilibrou ainda mais um mercado já fragilizado pelo cenário macroeconômico.

Em 12 de maio, a blockchain do Terra Classic foi oficialmente suspensa pelos desenvolvedores diante de um potencial ataque de governança facilitado pela emissão irrestrita de LUNC no últimos quatro dias.

Reservas em Bitcoin

Em março deste ano, Do Kwon revelou em uma postagem no Twitter que a Luna Foundation Guard (LFG) criaria uma reserva em Bitcoin para oferecer garantias adicionais para manutenção da a paridade do USTC com o dólar:

“$UST com $10B de reservas em $BTC abrirá uma nova era monetária do padrão Bitcoin. Dinheiro eletrônico P2P mais fácil de gastar e mais atraente para manter #btc.”

Alguns dias depois, novamente através do Twitter, o CEO do Terraform Labs informou que a LFG já levantara US$ 2,2 bilhões para o fundo de reservas em Bitcoin, e acrescentou que no curto prazo, a meta era que as reservas da LFG atingissem US$ 3 bilhões em BTC.

Àquela altura, o LUNC acumulava ganhos de 90% em 30 dias, e o USTC somava US$ 15,2 bilhões em capitalização de mercado. E o ecossistema DeFi do Terra Classic registrava o maior crescimento do setor em 2022.

Na ocasião, a notícia dividiu a comunidade cripto. De um lado, foi saudada como um movimento salutar para o próprio Bitcoin, adequado aos seus propósitos fundamentais de descentralização.

Por outro lado, levantou questionamentos à sustentabilidade do crescimento do LUNC e do USTC, que começavam a ser cada vez mais abertamente questionados. Um artigo científico vinha ganhando bastante ressonância na comunidade cripto, questionando o modelo econômico do Terra por conta da ausência de que respaldassem o USTC. 

Assim, ao mesmo tempo que a criação de uma reserva em Bitcoin para lastrear o UST revelou uma disposição dos desenvolvedores do Terra para redesenhar o tokenomics da stablecoin de forma a dirimir a desconfiança que ainda cercava o ativo, ela também evidenciou que o modelo original poderia, de fato, falhar.

As compras maciças de Bitcoin da LFG tiveram efeitos pontuais sobre o preço do BTC, desencadeando breves ralis de alta da maior criptomoeda do mercado.

Em 5 de maio, às vésperas do evento que desencadeou a espiral da morte do ecossistema Terra Classic, a LFG anunciou a compra adicional de US$ 1,5 bilhão em BTC. Após a nova aquisição, a LFG entrou para o grupo das dez maiores baleias de Bitcoin, com o equivalente a US$ 3,5 bilhões em BTC.

Como seria provado em breve, o valor não era suficiente para garantir a estabilidade do USTC. E, pior, poderia desencadear uma capitulação geral do mercado, como previam alguns analistas. Pois foi exatamente isso que aconteceu.

A ascensão artificial do USTC

O USTC foi lançado oficialmente em setembro de 2020, mas antes de completar um ano seu mecanismo de estabilização de preços foi colocado à prova – e falhou.

Durante a forte correção do mercado em maio de 2021, em parte causada pelo banimento da mineração e da comercialização de criptomoedas por parte do governo chinês, o USTC perdeu a paridade com o dólar pela primeira vez.

Por dois dias, a stablecoin foi negociada com desconto de 5%, a US$ 0,95. Na ocasião, os impactos para o mercado e para o próprio ecossistema do Terra Classic foram mínimos, dado que a capitalização de mercado dos USTC e do LUNC ainda eram pequenas para gerar efeitos colaterais substanciais.

O ecossistema Terra Classic conquistou uma fatia considerável do valor total bloqueado em protocolos DeFi por conta do protocolo de empréstimos Anchor (ANC), que fora lançado dois meses antes do USTC.

Apresentado como o “padrão ouro para obtenção de renda passiva em redes blockchain”, o Anchor criou uma demanda artificial pelo USTC oferecendo rendimentos percentuais anuais de quase 20% aos usuários que mantivessem a stablecoin em staking em sua plataforma. No auge do ecossistema do Terra Classic, o Anchor chegou a concentrar 70% do valor total bloqueado (TVL) no no protoclo, o equivalente a aproximandamente US$ 17 bilhões. 

Em dezembro do ano passado, o USTC ultrapassou o DAI e se tornou a maior stablecoin descentralizada do mercado. Em 18 de abril, o USTC superou o Binance USD (BUSD) e se tornou a terceira maior stablecoin em termos de capitalização de mercado, com US$ 17,5 bilhões, a partir de um crescimento de 525% iniciado em novembro do ano passado.

No entanto, os casos de uso do USTC continuavam majoritariamente limitados ao Anchor. No final de abril, aproximadamente 72% do suprimento da stablecoin estava depositado no protocolo de empréstimos.

Os rendimentos fixos em torno de 20% já haviam se mostrado insustentáveis e vinham sendo financiados pela Luna Foundation Guard (LFG), uma fundação sem fins lucrativos que fora criada para administrar e garantir a paridade do USTC, mas em maio foi colocada em votação uma proposta para reduzi-los.

A partir daí, o TVL do Anchor começou a declinar, e a utilidade do USTC também. No fim de semana em que a stablecoin perdeu a paridade com o dólar, US$ 3 bilhões haviam sido sacados do Anchor. Possivelmente, grande parte foi imediatamente convertida em LUNC, que há apenas um mês havia registrado a máxima histórica de US$ 119,18 em meio a um mercado que vinha operando em queda acentuada desde o final de 2021.

Ainda assim, apesar de um número crescente de alertas sobre os riscos inerentes ao protocolo, ninguém esperava que uma sequência fulminante de eventos fosse capaz de pulverizar os mais de US$ 40 bilhões em capitalização de mercado que o LUNC e o UST somavam em 8 de maio, quando a espiral da morte foi disparada com movimentações suspeitas em um pool do Curve Finance (CRV).

O mecanismo de arbitragem do Terra Classic

Atualmente, existem três tipos de stablecoins algorítmicas:

  • Reblanceamento: o modelo utilizado pelo Ampleforth garante a estabilidade do valor alterando a oferta de tokens em circulação. Se o preço do token aumentar, ele aumentará a oferta e vice-versa.
  • Arbitragem: o modelo no qual o USTC se baseava funciona através da exploração de um mecanismo de compra e venda de mercado para manter a paridade com o ativo subjacente. O problema deste modelo é que, em última análise, ele depende de sempre haver compradores do outro lado do balcão. Porém, quando o mercado perde a confiança em um ativo, isso geralmente resulta em uma espiral de morte.
  • Fracionária: este é um modelo híbrido que combina reservas em moedas fiduciárias a mecanismos de arbitragem baseados em um sistema dual de tokens, como do Terra Classic.

O sistema implantado pelo Terra Classic previa a criação de uma moeda atrelada ao dólar na proporção de 1:1 sem colateralização ou reservas em moedas fiduciárias. A manutenção da estabilidade do USTC baseava-se em um sistema que utilizava o LUNC como contrapeso.

Assim, deve-se levar em consideração o seguinte: o LUNC é o token de governança do ecossistema Terra, e o USTC é a stablecoin algorítmica, cuja garantia são única e exclusivamente os tokens LUNC em circulação.

A manutenção da paridade baseava-se no seguinte mecanismo:

Se 1 USTC = US$ 1,01, então o USTC está supervalorizado em relação ao seu ativo subjacente. Nesta situação, o protocolo permite que os detentores de LUNC troquem US$ 1 de LUNC por 1 USTC. O LUNC é queimado, o que significa que ele é retirado de circulação, ao passo que o USTC é emitido e posto em circulação. O mecanismo de arbitragem de mercado permite que os traders obtenham um lucro de US$ 0,01 USD. Na teoria, o sistema deveria gerar um efeito positivo sobre o preço do LUNC porque sua oferta diminui nesse processo.

Ao contrário, se 1 UST = US$ 0,99 USD, então o UST está subvalorizado em relação ao seu ativo subjacente. Nesta situação, o protocolo permite que os titulares de UST troquem 1 UST por US$ 1 USD em LUNC. Sendo que é possível comprar 1 UST por US$ 0,99 USD e em seguida trocá-lo por US$ 1 do LUNC, o arbitrador lucra US$ 0,01 USD.

Nesse caso, o USTC é queimado e LUNC é emitido. Esse processo gera pressão negativa sobre o preço do LUNC, visto que  porque sua oferta circulante aumenta. Diante deste cenário, o grande problema é que os investidores que acabaram de emitir o LUNC optarão por vendê-lo imediatamente, antes que o preço do token caia mais. É por isso que haverá uma pressão de venda constante sobre o LUNC quando o USTC é negociado com desconto em relação ao seu ativo subjacente. E a pressão tende a se tornar cada vez maior quanto mais distante a stablecoin se mantiver do seu preço alvo.

Em resumo, o mecanismo de emissão e queima funcionou bem e contribuiu para a expansão do ecossistema em momentos de alta do LUNC combinados à expansão da capitalização de mercado do USTC. No momento em que o USTC perdeu a paridade com o dólar foi disparada a espiral da morte que destruiu ambos os tokens, pois houve uma emissão desenfreada de LUNC para fazer com que o USTC conseguisse restabelecer seu preço alvo. A inflação do LUNC acabou sendo responsável pela diluição do preço do token até que ele tivesse perdido quase integralmente o seu valor de mercado.

Breve história das stablecoins algorítmicas

Stablecoins algorítmicas foram criadas para tentar solucionar problemas de escalabilidade e sobrecolateralização, além, é claro, de garantirem a manutenção da paridade com o ativo subjacente.

Ou seja, stablecoins algorítmicas dispensam a necessidade de que os emissores mantenham capital travado como garantia, seja sob a forma de reservas ou de ativos colaterais. Em tese, stablecoins algorítmicas seriam mais eficientes, favorecendo sua adoção.

O USTC não foi a primeira nem terá sido a última stablecoin algorítmica a tentar resolver este problema e falhar miseravelmente. “Aqueles que não aprendem história estão condenados a repeti-la”, diz um ditado popular de autoria desconhecida.

No caso do mercado de criptomoedas, esta história começa em 2017, no auge do penúltimo ciclo de alta do mercado.

Basis

Criado originalmente como Basecoin, o Basis foi um dos primeiros experimentos no campo das stablecoins algorítmicas. O projeto nasceu em agosto de 2017 e contou com financiamento de fundos de capital de risco eminentes do mercado de criptomoedas, como o a16z.

O modelo econômico do Basis baseava-se na emissão de títulos e ações tokenizadas que seriam usados para controlar a emissão e o suprimento do token. Investidores seriam incentivados a comprar ou queimar BAC para manter a paridade do token com o dólar.

Antes do lançamento, os reguladores entraram em ação e classificaram os tokens como títulos, exigindo que o projeto implantasse políticas de identificação dos usuários (KYC), coletando informações detalhadas de antemão para posteriormente emitir os tokens aos investidores credenciados.

A intervenção inviabilizou o lançamento do projeto e os fundos levantados pelo projeto foram devolvidos aos investidores.

O Empty Set Dollar nasceu em 2020 durante na esteira do verão DeFi, apresentando-se como uma stablecoin algorítmica cuja função seria atuar como uma moeda de reserva para instrumentos de finanças descentralizadas.

O design econômico do protocolo foi inspirado no Basis e foi lançado por uma equipe que optou por se manter anônima, supostamente para evitar o mesmo destino do projeto que lhe serviu de inspiração.

Empty Set Dollar (ESD)

O ESD mantinha a paridade com o dólar emitindo tokens adicionais quando seu preço subia acima de US$ 1 para aumentar a oferta e diluir o valor do suprimento circulante. Em contrapartida, incentivava os usuários a queimar seus tokens em troca de títulos de dívida quando o preço caísse abaixo de US$ 1, gerando escassez no mercado e, consequentemente, reequilibrando a indexação com o dólar. Por sua vez, os títulos poderiam ser resgatados quando o ESD apresentasse variação positiva.

O mecanismo nunca funcionou exatamente como o planejado e em sua curta história, a volatilidade foi a principal característica do ESD. De novembro a dezembro de 2020, a stablecoin flutuou livremente em um intervalo entre US$ 0,89 e US$ 1,63. Na virada do ano o ESD estava cotado a US$ 0,85, já no movimento descendente de uma espiral de morte que o derrubou abaixo de US$ 0,03 antes da metade do ano.

Basis Cash (BAC)

Como é comum na indústria, o lançamento do Empty Set Dollar inspirou um projeto semelhante, idealizado por uma dupla de desenvolvedores pseudônimos identificados como Rick & Morty.

O Basis Cash previa a distribuição de BAC para usuários que bloqueassem stablecoins como DAI e USDC no protocolo. Em contrapartida, títulos e ações tokenizadas eram emitidas como instrumento para controlar o suprimento e estimular a queima de tokens para manter a paridade do BAC com o dólar.

Ou seja, assim o TerraUSD (UST), o BAC era uma stablecoin cuja paridade com a moeda norte-americana dependia de um mecanismo de arbitragem de mercado programada em contratos inteligentes – e não de reservas em dólar ou outros ativos.

O BAC nunca chegou a ser realmente estável e chegou a disparar até US$ 154,97 até perder 90% do seu valor de face ao longo do primeiro semestre de 2021.

Após o colapso do Terra Classic, descobriu-se que Do Kwon, um dos fundadores e CEO do Terraform Labs, respondia pelo Rick da dupla de idealizadores do projeto.

Novos projetos surgiram depois. Ainda em circulação nos dias de hoje, o Ampleforth (AMPL), uma criptomoeda algorítmica cujo valor é imune à oferta inflacionária, mantendo-se descorrelacionado da ação de preço de outras criptomoedas – e do Bitcoin em particular. 

Os detentores do AMPL possuem uma fração fixa do fornecimento total de AMPL em circulação, e não um número fixo de tokens. Quando o algoritmo detecta que o preço da AMPL está muito alto, ele aumenta a oferta circulante, ao passo que a oferta é reprimida quando o preço está muito baixo.

Introdução

O Terraform Labs foi fundado em janeiro de 2018, tendo Do Kwon e Daniel Shin como parceiros à frente do ousado projeto de criar uma stablecoin algorítmica verdadeiramente descentralizada para impulsionar a adoção das criptomoedas através de casos de uso conectados à economia real.

Anteriormente, Shin fora o fundador do gigante sul-coreano de comércio virtual TMON e um dos objetivos primários da dupla de empreendedores era criar um sistema de pagamentos capaz de rivalizar com gigantes do setor como o PayPal e o AliPay, uma subsidiária da chinesa Alibaba.

Após registrar o Terraform Labs como uma sociedade anônima privada em Cingapura, Kwon e Shin conseguiram levantar um financiamento de US$ 32 milhões para impulsionar o projeto. Entre as empresas que participaram desta primeira rodada de investimentos, estavam as exchanges de criptomoedas globais Binance, Huobi e OKX.

Pouco mais de um ano depois da fundação do Terraform Labs, o LUNC foi lançado através de um ICO (oferta inicial de moeda). O token de governança do protocolo Terra Classic foi vendido na ocasião por US$ 0,80 a unidade, e levantou inicialmente US$ 62 milhões.

Já na ocasião, o LUNC foi apresentado como parte de um sistema dual de tokens ao lado da stablecoin TerraUSD (USTC). O material de divulgação do ICO apresentava o Terra Classic com a seguinte definição:

“O Terra (Classic) é um protocolo que garante a estabilidade de preço através de um algoritmo que determina a contração ou a expansão da oferta monetária. A Reserva de Estabilidade do Terra oferece uma garantia descentralizada de solvência, protegendo o ativo de riscos especulativos e regulatórios a que outras moedas estão expostas.”

Mais do que apenas uma stablecoin, o Terra Classic prometia se tornar uma plataforma para aplicativos descentralizados (DApps) financeiros disruptivos que iria contribuir para o crescimento da economia baseada na tecnologia blockchain.

A rede do Terra foi lançada oficialmente em 24 de abril de 2019, contendo então um explorador de blocos, uma ferramenta de staking e um canal para que os investidores que participaram do ICO pudessem criar carteiras e gerenciar seus tokens LUNC.

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