‘Revoluções tecnológicas como as criptomoedas criam bolhas financeiras mas também aceleram a inovação’, diz André Portilho, do BTG Pactual

“Acredito que agora a gente vai ter não só uma uma aceleração do desenvolvimento nos próximos 1 ou 2 anos, assim como uma maturação de uma série de desenvolvimentos que já estavam em andamento”, disse o head de ativos digitais do BTG Pactual em entrevista exclusiva ao Cointelegraph Brasil.

O head de ativos digitais do banco de investimentos BTG Pactual André Portilho reconheceu que o mercado de criptomoedas estimula o surgimento de bolhas financeiras, mas ao mesmo tempo afirmou que o excesso de capital contribui para a aceleração do desenvolvimento de produtos e soluções inovadoras e realmente úteis para os usuários. A declaração foi dada durante entrevista exclusiva publicada nesta segunda-feira, 25, no canal do YouTube do Cointelegraph Brasil.

Segundo Portilho, quando as tecnologias são boas e úteis, eventuais bolhas financeiras não impedem o seu desenvolvimento. Ao contrário, as bolhas são responsáveis por uma injeção muito grande de capital que apostam no desenvolvimento de diferentes produtos e soluções baseados naquela tecnologia.

Ao mesmo tempo que possibilitam o surgimento de projetos econômica e tecnologicamente insustentáveis, também fomentam a inovação que impulsiona a evolução da indústria bem como sua adoção pelos usuários.

Como exemplo, Portilho cita o estouro da bolha ponto com no início dos anos 2000, que hoje é tido como um marco da primeira etapa de desenvolvimento da internet. Google, Amazon e Facebook, por exemplo, surgiram neste contexto e prosperaram devido à qualidade de seus produtos e serviços, afirma.

No entanto, a analogia com outros momentos da história não necessariamente se limita a acontecimentos mais recentes ou mesmo diretamente vinculados às tecnologias digitais. Com a experiência de quem atuou durante anos na mesa de operação de grandes bancos de investimento no passado, Portilho afirmou que as crises que grandes empresas e fundos de criptomoedas estão atravessando durante o atual ciclo de baixa replicam o colapso de grandes instituições financeiras do mercado tradicional. Em comum, o excesso de alavancagem:

“A grande maioria dessas coisas que acontecem em cripto, Three Arrows Capital, Luna, não são nada diferentes de situações que a gente já vivenciou no mercado tradicional. Eu falo assim, a 3AC é o LTCM  do mercado cripto. Para quem não lembra, o LTCM era o Long Term Capital Management, um fundo que existia no final dos anos 1990, que quebrou logo depois do default da Rússia em 1998. Quebrou, e quebrou por quê? Porque operava com um nível de alavancagem absurdo. Quando se opera com um nível de alavancagem absurdo e o mercado vem contra, não tem jeito. Quebra!”

Embora o colapso do Terra (LUNA) e a crise de insolvência da Three Arrows Capital tenham contribuído para aprofundar as perdas do mercado de criptomoedas, Portilho enxerga como um movimento saudável e natural de mercados extremamente alavancados e, principalmente, baseados em fundamentos econômicos insustentáveis:

“Todo o processo de correção de preço, você limpa os modelos de negócios que não tinham sustentação, as pessoas e entidades que abusaram de alavancagem, e aí prospera no desenvolvimento da indústria os modelos de negócios que são mais sustentáveis de fato e as empresas que de fato têm alguma solução para oferecer. O processo da internet foi exatamente a mesma coisa. Geralmente, novas tecnologias vêm acompanhadas de bolhas financeiras. A indústria de ferrovias no início do século passado foi assim. Cripto não é uma exceção.”

Inverno cripto

Portilho afirmou ainda que embora as crises de liquidez e insolvência desencadeados pelo colapso do Terra que afetaram diversas entidades centralizadas do mercado tenham contribuído para a queda do preço dos ativos digitais, o cenário macroeconômico desempenhou um papel fundamental para a consolidação do atual ciclo de baixa.

À medida que o ciclo de alta de 2021 atraiu investidores institucionais para o mercado cripto, é inevitável que fatores macroeconômicos passem a influenciar de forma direta a precificação dos criptoativos, afirmou Portilho:

“Você tinha problemas em cripto, mas o gatilho [do inverno cripto] foi um movimento do Fed [Banco Central dos EUA] subindo juros, o mercado tradicional caindo, e um mercado cripto muito correlacionado. Não tem jeito, quando o Fed sobe os juros, afeta todo mundo né? Bem vindo ao mundo real, entendeu? Então, enquanto cripto era um ativo de nicho, tudo bem, mas não dá para ter as duas coisas ao mesmo tempo. Não dá para vir para o mainstream e ser adotado e não participar da economia como um todo. Então, eu acho que esse movimento [de baixa] foi diferente de todos os outros porque foi provocado pela situação dos mercados tradicionais. E aí, sim, veio também o impulso do excesso de alavancagem prórios da indústria cripto.”

Bitcoin

Apesar dos reveses da indústria de criptomoedas, Portilho acredita que existe a probabilidade de que o Bitcoin (BTC) assuma um papel central do mercado financeiro internacional, possivelmente como uma alternativa ao dólar enquanto moeda de reserva e opção preferencial para liquidação de pagamentos no comércio internacional:

“Eu acho que o Bitcoin tem o potencial de ser uma peça muito importante no sistema monetário internacional. Eu acho que vai haver cada vez mais essa demanda em um mundo onde você tem o país emissor da moeda dominante, que é o dólar. Os EUA têm 6%, 7% da população mundial, 20% do PIB, e emitem a moeda que é responsável por 70% a 75% de todas as transações e é a moeda de reserva do mundo. Faz sentido isso?”

A transformação do dólar em arma de guerra através das sanções impostas à Rússia são um fator adicional para que governos e cidadãos deem preferência a um sistema financeiro global baseado em uma moeda politicamente neutra, acredita o head de ativos digitais do BTG Pactual.

O Brasil e as criptomoedas

Portilho destaca três razões para o crescimento da adoção dos criptoativos no Brasil. Primeiramente, os brasileiros são amplamente abertos a adoção de inovações tecnológicas. A popularidade das redes sociais no país e a rapidez com que o Pix foi adotado pelos brasileiros para a realização de transações financeiras são apenas os dois exemplos mais evidentes de tal característica, cita Portilho.

Em segundo lugar, o mercado financeiro brasileiro é altamente sofisticado. No que diz respeito exclusivamente às criptomoedas, a B3 oferece hoje mais de 10 opções de ETFs vinculados a diferentes setores do mercado de criptomoedas, desde produtos vinculados a moedas específicas, como o Bitcoin e o Ethereum (ETH), até nichos específicos como DeFi(finanças descentralizadas), NFTs (tokens não fungíveis) e o metaverso, entre outros.

Por fim, o teor altamente especulativo das criptomoedas seriam um fator adicional de atração para os investidores brasileiros. A título de comparação, Portilho cita os principais vetores de adoção de criptoativos em outros países da América Latina:

“É até engraçado, porque se você compara como é que se usa cripto em vários países da América Latina, a mesma tecnologia, a mesma classe de ativos, é usada de formas diferentes. No México, as pessoas usam para remessas internacionais. Um cidadão mexicano morando nos EUA manda o dinheiro para os familiares no México através de criptomoedas porque é mais barato. Na Argentina e na Venezuela, é uma opção à moeda soberana diante de um processo hiper-inflacionário. No Brasil, é fundamentalmente usada como investimento, como especulação.”

A utilização de criptomoedas para outros fins, como meio de pagamento, por exemplo, ainda é pouco desenvolvida no país, diz Portilho. Possivelmente, devido ao vácuo regulatório nesta área específica.

Portilho saúda o marco regulatório brasileiro como um provável impulsionador do mercado de criptomoedas local, uma vez que vai ajudar a estabelecer parâmetros de proteção aos consumidores, delimitando a atuação das entidades que realizam a intermediação das transações, sem sufocar a inovação.

O head de ativos digitais do BTG Pactual apenas lamenta que a aprovação do projeto tenha sido postergada na Câmara dos Deputados, pois segundo ele a aprovação do marco regulatório brasileiro para as criptomoedas pode colocar o país em vantagem competitiva diante de outros países, inclusive os próprios EUA:

“Eu acho que a gente tem um potencial muito grande, vamos torcer para que a gente possa aprovar esse projeto depois do recesso ainda neste ano. Porque, trazendo esse marco regulatório para o Brasil, ainda mais em um momento em que em outros lugares o marco regulatório está tão atrasado e a briga lá está tão grande, a gente pode se consolidar como um pólo de criptomoedas pelo menos na América Latina.”

Segundo o executivo, o país não pode perder a oportunidade de consolidar o ecossistema cripto do país no cenário internacional, a despeito do que ocorreu no passado com outras indústrias cuja inovação foi sufocada por questões fiscais ou incompreensão dos órgãos reguladores. Segundo ele, é pouco provável que isso volte a ocorrer no que diz respeito à indústria cripto, pois tanto o Banco Central quanto a CVM possuem um corpo técnico qualificado para lidar com o tema, bem como entendem o potencial deste mercado para a sociedade brasileira.

A íntegra da entrevista de André Portilho pode ser conferida abaixo.

Conforme noticiou o Cointelegraph Brasil recentemente, o BTG Pactual tem planos para lançar sua própria plataforma para negociação de criptomoedas para os clientes da instituição.

LEIA MAIS

Você pode gostar...