Rede Brasileira de Blockchain: realizando o potencial da tecnologia para o setor público
A estratégia de uso da tecnologia blockchain no setor público começa com a definição dos cenários onde o estado irá usar a tecnologia.
Você já deve ter ouvido falar sobre a tecnologia blockchain, certo?
Vou começar com uma breve conceituação para garantir que estamos na mesma página.
A tecnologia Blockchain é uma nova maneira de viabilizar transações de ativos e armazenar os dados gerados de forma distribuída, sem a necessidade de um intermediário confiável para gerenciar as informações.
Um ativo pode ser dinheiro, um valor mobiliário, um quadro, uma identidade, uma informação… Os dados são armazenados de forma distribuída em computadores que fazem parte de uma rede ponto a ponto, em geral chamada de rede blockchain.
Por conta dessas características, a blockchain é um tecnologia para construir confiança entre as partes.
É importante esclarecer que existem diferentes tipos de rede blockchain e que esses diferentes tipos estão sendo usados em cenários que vão desde transferências de valor até a construção de identidades auto-soberanas.
Os principais tipos até o momento são as redes blockchain públicas, as permissionadas e as híbridas. A blockchain pública – ou não permissionada – é aquela que permite a qualquer um juntar-se à rede para escrever e ler informações.
Nesse tipo de blockchain, todos os envolvidos têm uma cópia dos dados armazenados. Os casos mais conhecidos de blockchain pública são as redes Bitcoin e Ethereum.
A blockchain híbrida – ou permissionada pública – permite que apenas alguns participantes da rede escrevam, mas que qualquer um junte-se a rede para leitura.
Um cenário de uso adequado para esse tipo de blockchain são as redes de governo, onde apenas algumas instituições podem escrever, mas onde todas as transações podem ser verificadas pelo público.
O terceiro tipo de blockchain é a permissionada – ou privada – onde apenas instituições autorizadas podem escrever e ler os dados armazenados na rede.
A maior parte dos projetos que envolvem empresas tradicionais utilizam uma rede blockchain permissionada.
Se a regulação dos cenários de uso da tecnologia for favorável à sua adoção, o mercado se encarregará de construir redes privadas e redes públicas.
Nesse sentido, as notícias são boas, pois instituições como a ONU e a OCDE estão engajadas em analisar o potencial da tecnologia e gerar recomendações para reguladores.
Um exemplo desse movimento é a criação do OCDE blockchain Expert Advisory Board (BEPAP), do qual tenho a honra de fazer parte, em dezembro de 2019.
Quarenta e cinco governos da OCDE e de países não membros da OCDE estão representados na BEPAB ao lado de representantes da Comissão Europeia, setor privado, órgãos da indústria e grupos da sociedade civil.
O objetivo do grupo é desenvolver princípios e recomendações para adoção de blockchain em diversos setores. Os próximos meses vão nos trazer os resultados desse trabalho e seus impactos.
Mas como será a evolução das redes híbridas, especialmente aquelas focadas em serviços de interesse público?
Nessas redes, o estado pode desempenhar o papel de usuário da tecnologia, utilizando serviços como notarização de documentos públicos, identidades digitais estatais, rastreio da dívida e do gasto público de forma mais eficiente do que os serviços prestados hoje.
No caso das redes híbridas para serviços de interesse público, acredito que só será possível colher mais rápido os benefícios esperados através da construção de uma estratégia clara e de parcerias trans-setoriais.
A estratégia de uso da tecnologia blockchain no setor público começa com a definição dos cenários onde o estado irá usar a tecnologia.
Quais são os serviços prestados pelo estado de forma direta ou indireta que requerem mais confiança? Podemos definir requisitos para esses serviços ou criar soluções comuns para serem reusadas?
Uma proposta prática para fomentar o avanço do uso de blockchain nos serviços públicos no Brasil é a construção de uma rede híbrida, onde sejam disponibilizados serviços básicos para que o setor privado possa, a partir daí, construir novas aplicações.
Nesse cenário, o Estado atua como provedor da infraestrutura e deixa o setor privado atuar na construção de soluções. Essa necessidade foi apontada no workshop blockchainGov, que contou com participantes de diversas instituições públicas e pesquisadores do tema, realizado no BNDES no dia 2 de dezembro de 2019.
Mas como seria essa rede? Quais serviços seriam disponibilizados? Bom, depois de viver projetos de TI por mais de 20 anos, eu acredito na estratégia “comece pequeno, sonhe alto e escale rápido”.
Dessa forma, acho que um ponto de partida seria construir uma rede com aproximadamente 10 instituições que representem os três poderes (legislativo, judiciário, executivo) e o setor privado.
Observe que, ao montar a rede dessa forma, ela será capaz de reproduzir os “checks and balances” de uma democracia constitucional. Essa rede seria o embrião de uma rede maior, mas no primeiro momento já seria capaz de garantir confiança.
O primeiro caso de uso disponibilizado seria o caso de uso de notarização. Um uso simples e consagrado da tecnologia que pode aumentar a confiança em diversos processos de interesse público, como as licitações.
Como fazer isso? Sozinho? A melhor forma de implementar o piloto dessa rede seria em parceria do setor público com o privado, onde o setor privado proveria soluções de acordo com os requisitos definidos pelo setor público e onde um ator público assumisse o papel de articulação e coordenação entre os diversos órgãos.
A rede precisa ser aberta para que bigtechs e startups possam criar soluções a partir dos serviços básicos disponibilizados.
Precisamos abrir os caminhos para que o estado deixe de ser um provedor ineficiente de serviços para se tornar uma plataforma eficiente, a partir da qual o mercado privado em ampla concorrência poderá criar serviços mais eficiente e aderentes a regras que garantam o que o interesse público está sendo respeitado.
Nesse caminho, a tecnologia blockchain, em seus diversos nuances, terá papel fundamental!
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