Filme reabre guerra de narrativas: Bitcoin é problema ou pode ser parte da solução dos problemas ambientais?
O gasto energético da mineração do Bitcoin o mantém sob constante ataque dos ambientalistas, mas um novo filme pretende reabrir as discussões sobre o protagonismo que o Bitcoin pode vir a ter nos esforços globais para preservação do meio ambiente.
No mesmo dia em que foi divulgado que o gasto energético do Bitcoin neste ano já ultrpassou o total da energia utilizada pela rede em 2020, ocorreu o lançamento do documentário “This Machine Greens – Bitcoin and the future of clean energy” – “Esta Máquina Verde – O Bitcoin e o futuro da energia limpa”, em tradução livre para o português.
Dirigido por Jamie King, pela série de documentários sobre o Bit Torrent “Steal this Film”, o filme foi financiado através de uma campanha de financiamento coletivo encabeçada por entusiastas do Bitcoin e pode ser assistido no Youtube.
Coincidência ou não, o filme tem a pretensão de reabrir a discussão acerca do custo energético do Bitcoin sob o ponto de vista de que, desde os primórdios da humanidade, a emissão e a circulação do dinheiro estão diretamamente vinculadas ao dispêndio de energia. Todas as formas monetárias mais puras e elevadas, como o ouro e, recuando ainda mais na história, os gigantes discos de pedra da Micronésia, exigem diversos estágios de processamento físico e mecânico antes de serem transformadas em dinheiro.
Personalidades eminentes da comunidade cripto como Nic Carter, Lyn Alden, Alex Gladstein apresentam argumentos para validar o princípio de que o Bitcoin é a mais recente encarnação de formas monetárias que incorporaram “trabalho realizado ao longo do tempo como estratégia para assegurar seu valor intrínseco.”
Ao transpor essa relação entre valor e energia para linhas de código simples e eficazes asseguradas por princípios criptográficos, o Bitcoin converteu-se no mais perfeito instrumento monetário que o homem já viu, pelo menos até os dias de hoje.
A diferença, no caso do Bitcoin, é que não se trata de esforço físico, mas de poder computacional, que por sua vez demanda energia para garantir sua emissão. Em última instância foi o poderoso efeito de rede do Bitcoin que gerou o valor que a criptomoeda tem hoje. Por si só, isso justificaria o gasto energético do Bitcoin em termos puramente econômicos.
Porém, a expansão teoricamente ilimitada desta rede demandaria quantidades cada vez maiores de energia para mantê-la operando com total integridade.
Nesse ponto, duas narrativas têm se confrontado de forma até agora inconciliável. De um lado, os detratores do Bitcoin ganharam força com o banimento dos mineradores da China, em grande parte justificado pelo consumo de energia das fazendas de mineração, e principalmente pelo comportamento ambivalente de Elon Musk. Ao mesmo tempo que assume que ele e a sua empresa investem em Bitcoin, o CEO da Tesla faz restrições às fontes de energia utilizada no processo de mineração.
O fato é que há argumentos consistentes que podem ser usados tanto por um lado quanto pelo outro na guerra de narrativas sobre o impacto ambiental do Bitcoin.
De um lado, aqueles que o criticam consideram inaceitável que uma criptomoeda de uso restrito e não regulada anualmente gaste tanta energia quanto países inteiros, como as Filipinas ou a Argentina. Por outro lado, uma pesquisa divulgada em maio deste ano comprovou que o sistema bancário consome o dobro da energia do Bitcoin.
Nesses e em qualquer outros casos o certo ou o errado passam por um julgamento subjetivo. É preciso entender o princípio econômico da mineração do Bitcoin para considerar a possibilidade de que a criptomoeda será capaz de promover também uma revolução ambiental, além da financeira.
A proposta de Satoshi Nakamoto é baseada em um sistema de recompensas no qual o retorno depende da quantidade de energia utilizada para minerar um bloco e receber Bitcoins em troca do trabalho realizado sob a forma de poder computacional.
É fácil deduzir que quanto menor o gasto energético, maiores serão as receitas obtidas no processo de mineração, uma vez que a recompensa em BTC é fixa.
Hoje, principalmente depois da repressão da China às criptomoedas, que obrigou quase a metade dos mineradores a se estabelecerem em outras regiões do planeta, a busca por fontes de energia a custos baixos ou mesmo de energia excedente tornou-se uma forma de maximizar os lucros.
Assim, a suposição de que a rede do Bitcoin estaria “roubando” energia que poderia ser usada para fins mais nobres ou úteis não é exatamente verdadeira, como Caitling Long, CEO do Avanci Financial Group, explica em depoimento no filme:
Dois terços da energia produzida no mundo é energia desperdiçada porque é produzida durante horas do dia quando não há demanda para consumi-la. E também é produzida em lugares onde não há transmissão para movê-la através do espaço e do tempo. E assim essa energia não é usada ou é desperdiçada. É um equívoco pensar que o Bitcoin esteja usando a mesma quantidade de energia que um país como a Suíça, por exemplo. Isso pode ser tecnicamente verdade, mas não é a história real. Perceba que grande parte da energia que o Bitcoin está consumindo é energia desperdiçada que, de outra forma, não estaria disponível para ser consumida.
Isso explica porque o Texas e o Wyoming foram dois estados preferenciais para mineradores expulsos da China se estabelecerem após o êxodo. Os mineradores estão se aproveitando das grandes quantidades de gás natural que são expelidas na atmosfera pelas plataformas de petróleo para convertê-lo em energia para mineração.
Além do benefício econômico, a atividade está começando a contribuir de fato para melhorar a qualidade do ar e do meio ambiente de uma forma mais ampla. Expectativas ambiciosas sugerem que a mineração pode ir além de neutralizar as emissões de carbono, tornando-as negativas em algum ponto futuro.
Avançando um passo adiante na construção da narrtiva de que o Bitcoin pode ser um dos vetores para a preservação da natureza existe a crença de que a busca da indústria da mineração por energia limpa, barata e eficiente pode desencadear o desenvolvimento tecnológico de matrizes alternativas e renováveis. O efeito de rede, nesse caso, pode beneficiar outras atividades econômicas, argumenta a gestora de investimentos Lyn Alden no filme:
Os tipos de energia mais limpos também são os tipos de energia de menor custo porque são o tipo de energia mais eficiente. Se o Bitcoin for capaz de tornar esses tipos de energia ainda mais econômicos, ele pode realmente ajudar a promover o desenvolvimento de fontes de energia renovável. Quer se trate de tipos limpos de energia nuclear, energia hidroelétrica, energia solar. Ao tornar todos esses tipos de energia mais eficientes, ele pode incentivar o crescimento de fontes de energia renováveis de uma forma que nenhuma de nossas tentativas anteriores foi capaz de fazer de forma muito eficaz.
Atualmente, estimativas indicam que 39% da energia consumida pela rede do Bitcoin vem de fontes renováveis, enquanto, a energia consumida em outras atividades conta com apenas 11% de energia limpa, de acordo com informações apresentadas no filme.
Apesar de todos estes argumentos em benefício da conversão verde do Bitcoin apresentada no filme, a batalha está longe do fim. O próprio Satoshi Nakamoto teve que fazer a defesa do Bitcoin contra um questionamento de que “a cunhagem de Bitcoins era teromdinamicamente perversa”. Isso em 2010, época em que o gasto energético da mineração era praticamente insignificante.
Antes que o Bitcoin fosse apelidado de “ouro digital” pelos seus adoradores, Satoshi se valeu dessa analogia para justificar o dispêndio de energia da sua criação.
“O custo marginal da mineração do ouro tende a ficar próximo aos do preço do ouro. “A mineração de ouro é um desperdício, mas esse desperdício é muito menor do que a utilidade de ter ouro disponível como meio de troca. Acho que esse será o mesmo caso do Bitcoin. A utilidade dos intercâmbios possibilitadas pelo Bitcoin excederá em muito o custo da eletricidade usada. Portanto, não ter Bitcoin seria um desperdício da rede.
Nakamoto compreendeu que a emissão de Bitcoins tinha que envolver comprovadamente a queima de energia, pois essa era a única maneira de viabilizar a realização de transações financeiras digitais para o mundo de forma justa e descentralizada. Hoje, exatamente nesse instante, o valor unitário de sua criação está avaliado em aproximadamente R$ 252 mil.
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