Impostos insanos e recessão econômica: Brasil afasta Ford, grandes empresas e mineração de criptomoedas no país

Ford, Audi e Mercedes são algumas das gigantes automotivas que deixaram o Brasil desde 2019 – quais serão as próximas vítimas da crise?

A crise econômica brasileira ganhou um novo capítulo nesta semana, quando a gigante automotiva Ford anunciou que irá migrar do Brasil para a Argentina depois de 102 anos em solo nacional.

Além dos 5.000 empregos diretos das fábricas de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE), a decisão da montadora também deve afetar uma cadeia produtiva mais ampla de fornecedores de peças automotivas nacionais. Antes dela, Audi e Mercedes também deixaram o país em busca de novos mercados competitivos.

No anúncio oficial da Ford, a empresa dá seus motivos para deixar o país, citando a forte desvalorização do real, a mudança de estratégia global e a alta carga tributária brasileira, já definida por especialistas como “insana”:

“(A Ford vai) encerrar a produção nas unidades de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e da Troller (Horizonte, CE) durante o ano de 2021, à medida em que a pandemia de Covid-19 amplia a persistente capacidade ociosa da indústria e a redução das vendas, resultando em anos de perdas significativas”.

A ideia da Ford é manter apenas um escritório no Brasil como centro administrativo no continente e passar a só vender veículos importados no país, encerrando linhas como o Ford Ka e o Troller.

A economia dolarizada da Argentina e do Uruguai também foram atrativos para a empresa abandonar de vez o Brasil, para além da instabilidade política. Os dois países também antagonizam com o Brasil em outras pautas políticas, como aprovação do aborto e taxação de grandes fortunas.

Além disso, a Ford também quer investir em tecnologias disruptivas e em sustentabilidade, o que também afasta a empresa do Brasil, que acelerou a devastação ambiental e cortou radicalmente os investimentos em pesquisas no país desde que Bolsonaro assumiu.

Até 2023, as transações realizadas através de de “automóveis inteligentes”, que devem ganhar escala nos próximos anos, segundo a consultoria Gartner, devem somar US$ 1 bilhão.

O encerramento é mais um capítulo da debandada de empresas do país, e já preocupa especialistas antes entusiasmados com o neoliberalismo do ministro Paulo Guedes. Depois de transformar o real em “moeda podre” em 2020 e prometer mudanças econômicas radicais com a aprovação de reformas, o ministro bolsonarista não entregou mais do que crise e recessão econômica.

Depois do anúncio da Ford, o governo foi cobrado pela iniciativa privada e pela classe política, reagindo a seu modo: Bolsonaro foi para o confronto, dizendo que a Ford “não falou a verdade” sobre sua saída.

“Lamento os cinco mil empregos perdidos. Mas o que a Ford quer? Faltou a Ford dizer a verdade. Querem subsídios. Vocês querem que continuem dando 20 bilhões para eles, como fizeram nos últimos anos? Dinheiro de vocês, do imposto de vocês.”

Além disso, além de empresas deixando o país, a fuga de investidores também é uma realidade – mesmo que a bolsa de valores tenha recuperado seus níveis de janeiro de 2020. No ano passado, a saída de investidores estrangeiros do país mais do que dobrou com relação a 2019.

Carga tributária insana

Que a economia brasileira vai mal, não é novidade já há alguns anos, mas o plano neoliberalista para sair da crise que se estende desde 2016 também não conseguiu entregar o que prometeu no período. Nos últimos anos, outras grandes empresas e até mineradoras de Bitcoin se desinteressaram pelo país que não consegue voltar ao equilíbrio das décadas anteriores.

Entre as reformas prometidas por Paulo Guedes, a única aprovada até aqui foi a trabalhista, sem efeitos notáveis na economia até aqui – apesar da retórica agressiva a favor dela. As reformas tributária e administrativa seguem como sonhos do ministro, mas sofrendo pela falta de articulação política do governo e escondendo “surpresas” a manutenção de privilégios a militares e judiciário.

Além das reformas, outro problema apontado por especialistas para repelir grandes empresas é o “Risco Brasil”, ou “manicômio”, nas palavras do economista Leonardo Siqueira:

“‘Manicômio’ parece apenas força de expressão, mas não é. O Brasil tem o sistema tributário mais complexo do mundo, o que é comprovado por qualquer medida que se avalie. No Complexity Tax Index, por exemplo — um índice compilado por duas universidades alemãs que mostra a complexidade tributária ao redor do mundo — ocupamos o primeiro lugar entre 100 países analisados.”

Segundo dados do Banco Mundial, uma empresa brasileira leva, em média, 1.500 horas (ou 62 dias por ano) para estar em dia com suas obrigações fiscais.

A estratégia para atrair empresas estrangeiras mais usada passa por generosos subsídios fiscais, como os que a Ford tinha no Brasil desde 1997.

Segundo Siqueira, a culpa pela manutenção dos subsídios – ou privilégios – não é apenas das empresas, mas dos governos e do legislativo brasileiro, que já estão atrasados no tema:

“Por ser um problema que se arrasta há décadas, nosso manicômio tributário deveria ser prioridade do Congresso Nacional. E um Executivo eleito por supostamente acreditar em bandeiras liberais e reformas já deveria ter entregue alguma reforma, por modesta que fosse. Não será do dia pra noite que vamos tornar nosso sistema de impostos competitivo como o dos países desenvolvidos, mas já passou da hora de Brasilia tentar.”

Entre as vozes dissonantes do fechamento da fábrica da Ford, há quem veja a saída com “bons olhos”, como Xico Graziano, ex-secretário de agricultura de São Paulo. Para ele, a saída da Ford “confirma a vocação” do Brasil para o agronegócio, “o melhor negócio do Brasil” – em outras palavras, a vocação brasileira para exportar matéria-prima e importar tecnologia, outra conta que não fecha.

Mineração de Bitcoin torna-se impraticável no Brasil

Além da taxa tributária insana, o governo Bolsonaro também embarcou em guerra política com seu maior parceiro comercial, a China. Entre provocações dos filhos do presidente e dos ministros olavistas, com acusações sem provas e até xenofobia, a relação entre os dois países desandou desde 2019.

Recentemente, o preço do frete entre Brasil e China quintuplicou, tornando a mineração de Bitcoin praticamente impossível no país, que já tem custos de energia elétrica elevados e os equipamentos são em sua maioria importados do gigante asiático.

Segundo especialistas, a alta no frete tem a ver com a retomada econômica chinesa e com o grande volume de remessas de produtos vindos do país asiático, o que pressionou os preços de transporte entre ambos os países.

Em contraste com o Brasil, a China é um dos principais parques de mineração de criptomoedas do mundo, oferecendo subsídios para mineradoras e estimulando a produção de equipamentos avançados de mineração para empresas como Bitmain, Canaan e Ebang. Apesar disso, a China tem uma política rígida contra a negociação de criptomoedas.

Além do alto consumo energético, a mineração cripto também enfrenta outros desafios como sustentabilidade, poluição sonora nos parques de mineração e falta de suprimentos para equipamentos de ponta.

Cada vez mais distante de um mercado competitivo, com uma moeda extremamente desvalorizada, um governo que não consegue se distanciar de embates e polêmicas e uma economia em frangalhos, o Brasil parece cada vez mais distante da promessa de retomada econômica e afundado na crise sanitária que afeta economia, saúde, política e sociedade como um todo.

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