FMI X Bitcoin: fundo tenta minar experiências de nações que adotam criptomoedas como padrão monetário

A batalha do Fundo Monetário Internacional contra o Bitcoin coloca em jogo o futuro do dinheiro: as nações desenvolvidas e seus bancos centrais continuarão a controlar a emissão e o fluxo monetário global ou sucumbirão à política monetária codificada inventada por Satoshi Nakamoto há 13 anos?

Se as evidências não fossem suficientemente claras, tornou-se óbvio que o FMI (Fundo Monetário Internacional) está travando uma batalha de vida ou morte contra a adoção de criptomoedas por cidadãos de países economicamente subdesenvolvidos quando vazaram detalhes da negociação de um acordo entre o fundo e o governo argentino a respeito da quitação de uma dívida de US$ 45 bilhões. Entre os termos condicionais havia uma cláusula que obrigava o governo do nosso vizinho latino-americano a “desencorajar” à adoção de criptomoedas por parte da população.

Um relatório de Inteligência de Mercado das Américas publicado recentemente revelou que a “penetração das criptomoedas” na Argentina atingiu 12% da população, praticamente o dobro do Brasil e outros países da região. 

A popularização do Bitcoin (BTC) tornou-se um dos instrumentos preferenciais dos argentinos para se proteger contra o descontrole inflacionário e driblar as leis nacionais de controle de capitais que limitam o acesso da população ao dólar.

Institucionalmente, a Argentina está distante da adoção do Bitcoin como uma alternativa ao peso argentino, mas a população parece ter tomado parte nesta guerra. As reações contrárias ao acordo com o fundo acabaram causando o efeito contrário de atrair ainda mais atenção para as criptomoedas entre a população do país.

O exemplo argentino é apenas o mais próximo de nós brasileiros, mas uma reportagem publicada pelo site Politico na semana passada afirma que os embates acerca do futuro do dinheiro estão se espalhando pelo mundo todo e o futuro do dinheiro pode estar em jogo neste exato instante.

À medida que as criptomoedas ganham cada vez mais aceitação entre os investidores de países desenvolvidos como um ativo financeiro alternativo, líderes de países em desenvolvimento ou a própria população se mobilizam para garantir que o Bitcoin e as criptomoedas sejam incorporadas aos seus sistemas financeiros. Se não como moeda oficial – como em El Salvador e na República Centro-Africana – ao menos como uma forma monetária alternativa às suas moedas fiduciárias castigadas pela inflação.

Enquanto isso, autoridades dos EUA e da União Européia, e o FMI e o Banco Mundial e Banco de Compensações Internacionais (BIS), que atuam hoje como os fiadores do sistema financeiro internacional, contra atacam argumentando que as criptomoedas são um instrumento para criminosos, pois facilitam a lavagem de dinheiro e minam os esforços das nações desenvolvidas para exercer controles de capital.

Além disso, expõem a administração pública e os cidadãos a uma severa volatilidade de preços, como a experimentada ao longo de 2022 pelos salvadorenhos, afirmou à reportagem Dong He, vice-diretor do Departamento de Mercados Monetários e de Capitais do FMI:

“O que aconteceria com a receita tributária? O que aconteceria com as obrigações de investimento em serviços sociais? Trata-se de uma proposta muito arriscada.”

Embora o discurso coloque em primeiro plano os riscos à saúde financeira de países economicamente subdesenvolvidos e de seus cidadãos, o que está em jogo aqui é o futuro do dinheiro: as nações desenvolvidas e seus bancos centrais continuarão a controlar a emissão e o fluxo monetário global ou sucumbirão às regras codificadas inventada por Satoshi Nakamoto há 13 anos?

Ativistas de direitos humanos e cidadãos que apoiam esses experimentos defendem que criptomoedas como o Bitcoin oferecem um refúgio para proteção contra desvalorização galopante de moedas fiduciárias de países como a própria Argentina, a Venezuela e o Brasil.

Em tese, as criptomoedas permitem que países subdesenvolvidos explorem alternativas a um sistema financeiro global projetado para beneficiar países ricos, afirmou à reportagem Alex Gladstein, diretor de estratégia da Human Rights Foundation, uma ONG que apoia a adoção do Bitcoin em países cuja maioria da população encontra-se em situação de vulnerabilidade econômica:

“O Bitcoin se opõe a tudo o que o FMI defende. É uma forma monetária externa, que, assim como o ouro, está além do controle dessas organizações de sopa de letrinhas.”

Adoção cresce apesar da queda

Ao longo de 2022, o campo de batalha pelo futuro do dinheiro se ampliou, mesmo que a queda acentuada do preço do BTC tenha evidenciado os riscos inerentes a tais experimentos.

Em abril, a República Centro-Africana aprovou uma lei tornando-se o segundo país do mundo a adotar o Bitcoin como moeda legal, atraindo a oposição do FMI e do Banco Mundial. O banco central regional africano que coordena a política monetária referente ao franco CFA até então utilizado no país também se levantou em defesa da manutenção da antiga moeda, que está atrelado ao euro como parte de um sistema que tem a França como fiadora.

O Banco dos Estados da África Central pediu à República Centro-Africana que revogue sua lei Bitcoin. Adicionalmente, instituiu medidas para reprimir o uso de criptomoedas, determinando que instituições financeiras que atuam dentro de sua competência não atendam a exchanges e plataformas de pagamentos que viabilizam transações de criptoativos.

O governo do pequeno país africano dobrou a aposta e anunciou uma série de iniciativas para tornar-se uma “ilha cripto” no continente africano, capaz de atrair o capital de investidores interessados em financiar o experimento.

Enquanto isso, em El Salvador, o primeiro país a adotar o Bitcoin como moeda oficial, o presidente Nayib Bukele mantém sua retórica em desafio às potências ocidentais, especialmente os EUA, e às instituições  que atuam como alicerces do sistema financeiro internacional.

A reportagem do Politico procurou o Departamento de Estado dos EUA para comentar a postura de Bukele e a adoção do Bitcoin como moeda de curso legal do país. Sem fazer menção direta ao pequeno país centro-americano, o órgão emitiu uma declaração formal em que avaliza a posição do FMI e do Banco Mundial a respeito do caso:

“Compartilhamos as preocupações expressas publicamente pelo FMI, pelo Banco Mundial e outras instituições de que a adoção de uma criptomoeda como moeda legal gera uma série de complicações potenciais, afrouxando os mecanismos de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento de grupos e atos terroristas.”

O investimento total do governo de Bukele em Bitcoin acumula um prejuízo de 53%, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil recentemente. Diante da situação financeira precária do país, a recente queda do mercado de criptomoedas contribuiu para reforçar os argumentos de todos aqueles que se opõem ao experimento.

No entanto, o governo respondeu aos críticos informando que o Bitcoin representa apenas uma pequena parte das reservas do país. Portanto, a desvalorização da maior criptomoeda do mercado não teve um impacto efetivo sobre a economia do país.

Bukele, por sua vez, manteve uma perspectiva otimista a respeito da valorização do Bitcoin no longo prazo, e, consequentemente, sobre os impactos positivos que a medida poderá vir a ter para contribuir com o crescimento da economia de El Salvador.

Tecnologia blockchain e o futuro do dinheiro

Embora mantenha-se firme no combate a iniciativas como a de El Salvador e tente minar qualquer movimento no sentido da ampliação da adoção das criptomoedas de forma mais recorrente como na Argentina, o FMI defende que a tecnologia blockchain pode ser utilizada para implantação das moedas digitais de bancos centrais (CBDCs). 

O Brasil é um dos países que vem desenvolvendo sua versão digital do real e promete testá-la publicamente a partir do ano que vem.

Embora as CBDCs venham ganhando tração em diversos países de economia forte, como a China, elas não resolvem o problema de países de moedas fracas. Nesse caso, o Bitcoin, em tese, segue sendo uma opção mais atraente por sua capacidade de atuação como reserva de valor.

Em antecipação a futuros movimentos semelhantes ao de El Salvador e da República Centro-Africana, o BIS publicou um reatório afirmando que a fragmentação inerente ao mercado de criptomoedas, com seus mais de 19.000 ativos diferentes, é um impeditivo para que elas cumpram a “função social do dinheiro”. A batalha pelo futuro do dinheiro segue em aberto.

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