Como o mercado de tokenização evolui no Brasil

Fábio Jungles, sócio-fundador da OnePercent, escreve sobre a evolução do emergente mercado de tokenização no Brasil, com a participação de players importantes.

Por Fábio Jungles*

No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) recebeu 34 projetos no edital do SandBox em 2021, sendo que negou ou rejeitou 30, e dos 4 aprovados, 3 são de tokenização e de blockchain. Esse fato é um dos indícios de que estamos diante de um momento de transição na economia. E, sem dúvidas, que em 2022 será o ano em que projetos de blockchain e tokenização ganharão muita tração, avançando em áreas antes “tradicionais” da economia, a exemplo do que observamos no Brasil em 2021 com os projetos na área ambiental, cujo expoente é a Moss, e o avanço na tokenização do mercado imobiliário, onde a Netspaces está mostrando o caminho para as demais inovadoras nesse mercado.

Tokenização virou um buzzword muito forte no Brasil, e em todo o mundo, especialmente nos últimos 2 anos, justamente o período em que a pandemia se mostrou presente e a digitalização acelerou muito em toda a economia. Há quem atribua esse crescimento ao amadurecimento da tecnologia blockchain. Outros dizem que o mercado está se flexibilizando ao conceito, ou ainda que a legislação está criando caminhos para permitir que a inovação se aproprie da blockchain e da tokenização em seus negócios.

Embora todos estes argumentos sejam válidos, a verdade é que representam um conjunto de elementos de uma transformação muito mais ampla que está em curso e que terá impactos profundos em todos os aspectos da economia.

Atenção aos sinais dos tempos

Estamos vivendo um período semelhante à década de 1990 com o surgimento da internet. Um momento de descoberta e de muitas possibilidades. Aquela época ficou conhecida como a web 1.0, cuja característica básica era uma estrutura que nos permitia consumir conteúdo por meio de navegadores de forma passiva, interagir por alguns meios como chats e email, mas com pouca ou quase nada de interação. Éramos agentes passivos.

Entre os anos 2000 e 2020 vivemos um período que hoje definimos como web 2.0, que ampliou significativamente a interação e o consumo via internet. Vimos a digitalização se acelerar acentuadamente, o e-commerce, as redes sociais, as plataformas double-side-market, a “uberização” da economia em vários aspectos, dispositivos móveis assumiram o protagonismo, e uma infinidade de plataformas e serviços digitais com o objetivo de criar aplicações que chamem a atenção de um público cada vez maior.

Nos tornamos agentes de interação, as redes sociais nos permitiram não apenas consumir, mas produzir conteúdos, nos caracterizando como agentes ativos em um mundo cada vez mais digital e conectado. Esse movimento acelerou a consolidação das grandes empresas de tecnologia, vimos as empresas com valor de mercado de USD 1 trilhão de dólares surgirem, que logo viraram empresas de quase USD 3 trilhões, e essa consolidação começou a gerar desconforto em termos de privacidade e discussões sobre a propriedade de todo esse conteúdo que estava (ainda está) sendo gerado cada vez em volumes maiores a cada segundo.

E então entramos em uma nova década, ano 2020, que marca a transição para o que vem sendo definido como web 3.0. Nesse novo contexto as premissas mudam e a tecnologia que serve como propulsora dessa nova época é a blockchain. Se na web 1.0 os usuários utilizavam a internet para consumir conteúdo (somente leitura), e na web 2.0 as aplicações nos permitiam consumir e criar conteúdo (leitura e escrita), na web 3.0 efetivamente podem ser criadas aplicações descentralizadas, que viabilizam a propriedade sobre o conteúdo, que estimulam a participação dos indivíduos de forma mais ativa, e dão ênfase ao poder das comunidades que definem quais aplicações devem ganhar tração no mercado.

Transformação em curso

Nos últimos dois anos vários sinais de que essa transformação está acontecendo: adoção acelerada das criptomoedas, surgimentos de inúmeras plataformas de NFT’s, soluções de protocolos de DeFi (Finanças Decentralizadas), exchanges decentralizadas (DEX), entre tantos outros negócios novos que se apropriam das características da web 3.0 (descentralização, propriedade, participação/engajamento da comunidade).

Estas aplicações desafiam o modelo anterior, centralizado, controlado por grandes empresas em que a máxima talvez seja descrita por “trust in companies” (acredite nas empresas), sinalizando uma migração para modelos em que a confiança está distribuída, agora não precisamos apenas acreditar, agora podemos verificar na rede (“verify in the network”).

Isso muda completamente as regras do jogo. Blockchain é a tecnologia fundamental para que essa transformação ocorra e, portanto, para que as empresas possam capturar o valor que a web 3.0 vai destravar (e/ou criar) a nova economia. É justamente nesse contexto que a tokenização assume o protagonismo e merece uma atenção especial.

O que é a tokenização?

A tokenização de ativos é a representação na forma digital de ativos que existem na forma tradicional, físicos ou não. Estes ativos tokenizados podem ser fungíveis ou não fungíveis.

Ativos fungíveis são aqueles que podem ser trocados entre si sem a perda de valor, como por exemplo os tokens de créditos de carbono da Moss (MCO2), e os tokens não fungíveis são aqueles que representam ativos únicos que têm características específicas, tais como os NFT’s de obras de arte ou os famosos CryptoPunks.

Tokenizar um ativo permite potencialmente aumentar a liquidez para esse ativo, alcançar novos mercados, estabelecer regras de remuneração e uma nova dinâmica para esse token, aumentar a transparência das transações, implementar mecanismos de governança mais claros, entre tantos outros benefícios. Definitivamente estamos diante de uma transição que vai permitir criar uma economia totalmente diferente, mais democrática, descentralizada e global. A mudança está em curso e estamos apenas no início dessa transformação, vide o rápido avanço nas propostas de DeFi que já começam a definir novos paradigmas no mercado financeiro.

É esperado para 2022 uma acelerada adoção de blockchain para projetos de tokenização de ativos, fungíveis ou não. Projetos que adotam NFT’s para representar experiências, mais do que apenas um ativo físico, uma maior integração de NFT’s em projetos com esportes de uma forma geral, música, galerias de arte, bares e restaurantes, indústrias ao trabalhar a rastreabilidade e unicidade dos seus produtos, empresas que têm acervos valiosos que hoje não são monetizados, enfim, uma infinidade de aplicações possíveis no universo dos NFT’s.

Inspiração que vem dos games

Uma vertical do mercado que entendeu e está adotando de forma intensa blockchain são os games. A interação entre os jogadores em uma comunidade em torno de um jogo e a possibilidade de criar uma economia baseada em tokens para representar posse de objetos e ativos dentro do jogo cria uma miríade de possibilidades tanto no mercado primário como no mercado secundário, indicando uma área em que veremos fortemente uso de blockchain e tokenização.

Naturalmente vamos ver uma adoção cada vez mais rápida de mercados tradicionais como a saúde, indústrias, mercado imobiliário, mercado financeiro, e até mesmo do governo. Imagine-se no início dos anos 2000 e a infinidade de possibilidades que a internet representava na época. Estamos vivendo novamente esse momento, com a possibilidade de sermos protagonistas nessa transformação.

Tokenização, NFT’s, DeFi, descentralização, tokenomics, ativos digitais, blockchain e comunidades tendem a ser expressões que estarão cada vez mais presentes nas discussões estratégias para as empresas tradicionais permanecerem vivas, enquanto as nativas digitais tendem a incorporar esse discurso em praticamente todos os seus produtos e serviços, ou você conhece algum negócio que efetivamente conseguiu sobreviver no período da web 2.0 sem ter se transformado?

Para sobreviver aos próximos anos será necessário compreender que blockchain será potencialmente a tecnologia core dos negócios vencedores daqui para frente.

*Fábio Jungles é um dos sócios-fundadores da OnePercent

As informações contidas neste texto são de responsabilidade do autor e não necessariamente refletem as posições do Cointelegraph Brasil.

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