Especialistas analisam o motivos da guerra entre Rússia e Ucrânia, como isso afeta o Brasil e as criptomoedas

Especialista apontam como a guerra pode impactar o Brasil tanto no cenário econômico como no de investimentos

A guerra entre Ucrânia e Rússia segue tendo impactos sociais, políticos e econômicos. Nesse panorama, a criptoeconomia tem se mostrado essencial para ambos os países envolvidos. Rodrigo Soeiro, fundador da Monnos explica que enquanto a Ucrânia vê crescer a quantidade de transações via cripto, principalmente de doações, a Rússia encontrou no mesmo ambiente financeiro uma forma de tentar sobreviver às sanções internacionais.

“O aumento no volume de transações no mercado cripto de ambos os países está se dando por um motivo central: a criptoeconomia é o ambiente mais seguro para se obter liberdade e certeza de que a gestão é sua e não do Estado. Assim, a fuga aos bancos que está acontecendo tanto na Rússia quanto na Ucrânia fez com que os recursos tirados dessas instituições fossem para as exchanges. Inclusive, essa não é uma postura só do cidadão, mas também das instituições, ou até mesmo de órgãos governamentais”, pontua Soeiro.

Para Rodrigo, tais sanções não serão contornadas de forma simples, mas tendem a acelerar a sedimentação da infraestrutura que envolve cripto, pois é o caminho mais rápido para implementação de um meio alternativo ao dólar, ao Swift (plataforma global de transações financeiras), e à fuga das bandeiras de cartão de crédito (Visa e Mastercard), entre demais ações em andamento. 

“Por conta do cenário de sanções, os CBDCs russo e chinês estarão prestes a demonstrar seu potencial na prática, em função da saída do Swift. No caso da Rússia, isso se daria imediatamente, e da China, possivelmente nos meses subsequentes. Essa alternativa já é ambicionada por tais países há muito tempo e, dada a relevância comercial que têm em nações ao redor do mundo, talvez ocorra sua concretização”.

Uso de criptomoedas cresce 400% na Ucrânia

Desde o começo da guerra, as transações da principal exchange ucraniana, a Kuna, cresceram 400%, segundo dados da plataforma CoinGecko. Rodrigo explica que este comportamento explicita como a população, hoje vulnerável, recorre à cripto para tentar defender e salvar o seu patrimônio. 

“A Ucrânia já vem se mostrando favorável à criptoeconomia há bastante tempo. Um dia após El Savador ter adotado o Bitcoin como moeda oficial, o parlamento ucraniano reconheceu e legalizou as criptomoedas no país. O objetivo do país em favorecer o mercado cripto é exatamente poder se libertar das amarras tanto do dólar quanto do rublo, a moeda da Rússia. É uma nação que certamente já tinha reservas em cripto, e não à toa essas reservas estão sendo utilizadas agora no contexto da guerra”,disse.

Com a criptoeconomia crescendo nesses países, cresce o olhar de outras nações e de reguladores.

“O conflito entre Rússia e Ucrânia, no contexto econômico, será uma catapulta do mercado cripto descentralizado, e vai acelerar todas as inovações que envolvem esse ecossistema, tanto em meios de pagamento, quanto em transações peer-to-peer e, inclusive, a forte entrada de capital institucional. É triste que seja por meio de uma guerra, mas a continuidade desse conflito revelará o real propósito de existência da criptoeconomia – prover liberdade e independência”, conclui Rodrigo.

Para o CEO da BeYou Education, Ricardo Souza, o dólar, bitcoin e a própria moeda russa sofreram queda após o início do conflito. Além disso, a saída da Rússia do Swift reflete em todos os países que possuem relação de importação e exportação com o país.

“O Swift é o meio mais utilizado para efetivar as transações entre as nações. Por meio dele os bancos se comunicam e agilizam operações de compra e venda. Com a medida, os processos podem se tornar mais lentos e burocráticos, prejudicando os russos e todos os países que mantém negócios com eles, incluindo o Brasil. Além da confusão gigantesca que será gerada na bolsa e na cotação cambial”, alerta o especialista.

Por outro lado, a queda na cotação das criptomoedas abre uma possibilidade de investimento.

“As criptos mais fortes estão em queda agora, então é um bom momento para quem quer investir, porque certamente, com o tempo, elas voltarão a valorizar”, afirma.

Putin quer manter o poder

Para o professor de Relações Internacionais da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), Alcides Eduardo dos Reis Peron, porém, a guerra tem com objetivo alçar o presidente russo, Vladimir Putin, e a Rússia de volta à mesa de negociação das grandes potências mundiais.

“O objetivo de longo prazo, na minha visão, parece ser colocar a Rússia de volta nesse possível novo conserto mundial. Mas é importante pensar os objetivos russos de curto prazo: desmilitarização da Ucrânia, e frear o avanço da OTAN, que é entendido como algo ameaçador pelas doutrinas de segurança russas”, opina.

Com a economia da Rússia fragilizada pela pandemia de coronavírus e a política em crise, Putin provavelmente foi instruído que a conjuntura traria riscos a sua popularidade, inclusive internacionalmente.

No entanto, a reação global foi de ataque justamente ao Putin — não ao governo Russo -, e isso fez com que sua imagem se deteriorasse muito rapidamente, o que dificulta muito sua ação diplomática, e a construção de diálogos. Na opinião de Alcides, porém, a estratégia do presidente russo pode não estar dando tão certo como ele planejou.

“O plano de Putin de longo prazo, de a Rússia ter de volta algum prestígio político mundial, parece estar saindo pela culatra. Há enorme perda de respeito à figura do presidente, o que pode inviabilizar a participação da Rússia entre as potencias mundiais; algo que, a princípio é a análise que se faz do motivo da guerra. Por outro lado, com a China adotando uma postura neutra, o país asiático pode atrair muito mais dividendos nessa disputa do poder global”, opina.

O professor explica que potências como a Rússia, desde o fim da guerra fria, se esfacelaram do ponto de vista militar e econômico. Com a eleição de Putin no início do milênio, a Rússia se reconstrói, tornando-se um player no cenário internacional.

O país também se aliou à Índia, à China e aos BRICS, que nunca contestaram a hegemonia dos Estados Unidos, respaldado pelas doutrinas geopolíticas internas, e inclusive pelos próprios parceiros do Brics.

Mas essas potencias começaram recentemente a produzir atritos aos interesses dos EUA em certas regiões do globo. Na guerra da Síria, por exemplo, de certa maneira, houve embate entre Rússia e EUA. Durante a recente retirada das tropas do Afeganistão pelos EUA, houve crítica da China sobre como as tropas foram retiradas.

“Tudo indica que China e Rússia querem fazer parte do novo concerto mundial. Esse conflito tem como objetivo mostrar o poderia bélico e trazer a Rússia para a mesa das potências mundiais. O modo de agir de Putin deixa evidente que reassumir o controle da Ucrânia era um elemento estratégico do ponto de vista militar e econômico que ajudaria ele a reassumir esse lugar no mundo”, finaliza o especialista.

Como a guerra entre Rússia e Ucrânia pode prejudicar a economia brasileira?

Os Estados Unidos e a União Europeia, já colocaram em prática as sanções contra a Rússia, com a finalidade de frearem os ataques na Ucrânia. As medidas de contenção são instaladas a favor da paz, porém, uma guerra sempre deixa sequelas e as consequências não afetam apenas os russos, e sim diversos países de todo o globo, entre eles o Brasil.

Segundo o professor do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário do Distrito Federal – UDF, Dr. Carlos Henrique Canesin, apenas em 2021, as exportações brasileiras para a Rússia atingiram cerca de USD 1,7 bilhões, concentrando-se em produtos agrícolas como soja, carnes de frango e bovinas, amendoim, café e açúcar.

Já nas importações, no ano passado, o país importou USD 5,6 bilhões da Rússia, dos quais 60% (USD 3,5 bilhões), eram em fertilizantes.

Para o professor, além dos adubos, são de extrema importância para o Brasil as importações de energia, como carvão, e petróleo, que juntos representam 16%, e de insumos industriais, como ligas metálicas.

Portanto, o país sofrerá impactos nos setores agrícolas e energéticos, que por serem básicos na economia, causarão impactos negativos para os consumidores de forma potencialmente ampla.

“Os mercados de commodities globais, já estão sofrendo os efeitos do conflito, tendo em vista que a Rússia é um dos maiores fornecedores de petróleo, gás e fertilizantes para o mercado internacional, dessa forma, o impacto sobre a economia brasileira não é apenas direto e derivado da relação Brasil-Rússia, mas também indireto, em consequência da posição russa nos mercados globais”, explica.

O especialista ressalta que a escalada das sanções à Rússia, pode gerar recordes de preços internacionais de energia e fertilizantes, impactando as cadeias globais de valor e não só o mercado doméstico brasileiro, mas também a competitividade do Brasil nos mercados internacionais.

De acordo com o professor do UDF, no caso dos combustíveis, embora a importação de petróleo responda por apenas 6% do volume total no país, o setor é altamente interdependente com o restante do mundo e o Brasil exportou cerca de 48% de sua produção, principalmente para a China, com isso, a elevação dos preços internacionais pode trazer grandes impactos sobre os preços e o fornecimento doméstico do insumo, sem a possibilidade de descartar problemas de suprimento do mercado interno devido à elevação do preço e da demanda internacional.

Já na questão dos alimentos, a Rússia responde em média por aproximadamente 23% das importações de fertilizantes no Brasil, sendo virtualmente o único fornecedor de nitrogenados.

“Considerando que o país é dependente destas importações para um setor agrícola moderno e altamente intensivo em insumos, seguramente teremos um impacto negativo nos preços finais devido à elevação do custo de produção”, comenta.

O internacionalista ressalta que pode acontecer uma pressão inflacionária sobre o setor, em razão da redução da oferta internacional de alimentos e elevação dos preços, tendo em vista que países europeus já começaram a impor bloqueios de exportação de grãos e principalmente de trigo.

“Este efeito negativo deverá perdurar no curto a médio prazo, mesmo a despeito de estratégias para acalmar o problema, como: a diversificação dos fornecedores internacionais e fomento da produção doméstica, já que os preços no mercado internacional foram igualmente afetados e a produção doméstica é de maior custo, exigindo um nível elevado de investimentos para ser viabilizada”, afirma.

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