Evolução do conceito DAO após 8 anos
Depois de mencionarmos o funcionamento de um DAO na NBA, a governança em DAOs e seu papel em projetos DeFi e, como um DAO queria proteger a Constituição dos EUA, hoje veremos como o cenário DAO evoluiu ao longo do tempo e, através do nascimento de DAOs na indústria da música, vamos destacar alguns benefícios trazidos pelas organizações autônomas descentralizadas, que exercem uma função central de interação na Web3.
A evolução do conceito ao longo do tempo
Em 2014, o co-fundador do Ethereum, Vitalik Buterin, apresentou pela primeira vez uma definição de DAO – “automação no centro, humanos nas bordas” –, que na época refletia a natureza altamente centrada no protocolo do ecossistema Web3.
Segundo Buterin, enquanto um DAO certamente ainda precisa de humanos para executar e supervisionar tarefas específicas onde os computadores ficam aquém das expectativas, os protocolos pelos quais os colaboradores são incentivados e recompensados pela coordenação são “especificados em código, e aplicados sobre blockchains”.
Oito anos depois, como está o cenário das DAOs?
Os maiores DAOs (medidos pelo tamanho da tesouraria, número de portadores de tokens de governança e número de propostas) ainda são construídos em torno de protocolos e aplicações blockchain/DeFi, incluindo ENS, Aave, Uniswap, Compound e Olympus.
Também, a maioria das definições de DAOs apresentadas por essas organizações continuam sendo igualmente técnicas:
A definição de DAO no site do Ethereum menciona um registro totalmente público, na cadeia de atividades organizacionais, bem como um sistema de governança que requer a contribuição dos membros para implementar mudanças e as executar automaticamente sem o envolvimento de qualquer intermediário externo.
O DAOstar, uma coletividade que desenvolve um padrão de metadados compartilhado para DAOs, estruturou seu padrão de acordo com três variáveis: membros (um conjunto de endereços de carteira), comportamento (um grupo de possíveis ações de contrato inteligente) e propostas (objetos com os quais os membros interagem, se e quando executados, tornam-se comportamentos).
Já o protocolo de contrato inteligente de múltiplas cadeias Juno define DAOs como “organizações programáveis com estados facilmente inspecionáveis”.
A súbita conscientização das DAOs, e o que está no centro das críticas em torno de sua natureza
No ano passado, a arte, a cultura e o entretenimento trouxeram os DAOs à “boca do povo”.
O PleasrDAO, um DAO fundado pelo artista visual pplpleasr e focado em colecionar valiosas obras de arte digital foi manchete em vários jornais e revistas quando se tornou o proprietário da cópia única do álbum do Clã Wu-Tang “Once Upon A Time in Shaolin”.
O ConstitutionDAO levantou US$ 47 milhões na tentativa de ganhar um leilão da Sotheby’s e obter uma das 13 cópias da primeira Constituição dos EUA. Mesmo não tendo alcançado seu propósito, o feito introduziu muitas pessoas ao conceito de DAO pela primeira vez, e mobilizou com sucesso mais de 15.000 estranhos na internet em torno de um objetivo compartilhado.
Em março de 2022, o The New York Times traçou o perfil da cultura DAO do Friends With Benefits, classificando a organização como um exclusivo “clube social cripto”.
Estes e muitos “DAOs culturais” seguem aproximadamente a mesma jornada: uma comunidade de nativos digitais se une em um servidor Discord, um fórum de debates ou grupo no Telegram em torno de um conjunto de fortes propósitos, valores e interesses colaborativos, sem necessariamente um roteiro claro de como alcançar esse propósito.
Embora esta abordagem emergente do desenvolvimento organizacional via DAOs seja ideal para alcançar a velocidade que a nova camada social de coordenação na internet exige, ela também criou um ambiente onde muitas comunidades se formam e se autodenominam “DAO” sem possuir um token ou uma estrutura de governança descentralizada.
Ora, isto tem levado muitos profissionais com conhecimentos técnicos da Web3 a criticarem quem abraça uma mentalidade descentralizada sem uma infraestrutura adequada.
E no centro deste debate acerca da natureza dos DAOs está “o choque entre as definições sociais, técnicas e financeiras”.
Contudo, é bom lembrar que pessoas, não computadores, iniciam os DAOs – e, portanto, eles e as descrições estão sujeitos aos limites exatos do conhecimento prévio, influência e parcialidade de seus fundadores.
Como o mercado da música enxerga as organizações autônomas descentralizadas
Em contraste com os maiores DAOs de protocolo, a maioria dos DAOs no mercado da música enfatiza aspectos sociais e financeiros na sua formação e não o lado técnico.
Isto é, a palavra “DAO” é mais utilizada como um projeto social, com mensagens externas enfatizando o valor agregado dos DAOs para a construção da comunidade e do financiamento compartilhado, sem focar em tokens ou protocolos blockchains.
Comunidades de música online e criadores de conteúdo estão olhando para as organizações autônomas descentralizadas como uma forma de mobilizar comunidades online.
Por isso, quando ouvimos falar em DAOs na indústria da música, é bom considerar que não necessariamente se cuida de organizações autônomas com uma infraestrutura técnica em um protocolo descentralizado.
Enquanto o conceito de DAO como “sinalização social” tende a destacar o que um grupo de pessoas vai querer fazer, a definição técnica ainda é crucial para definir exatamente como um grupo de pessoas pode agir, e sobre o quê.
Por isso, DAOs que inerentemente se concentram mais no acesso à tecnologia, como um valor agregado crítico para os membros do DAO, têm mais chances de sucesso, por darem a devida importância à infraestrutura técnica que efetivamente tornará aquele mecanismo social ou de financiamento uma realidade.
Como exemplo disto, podemos citar Julian Mudd, fundador do Mudd DAO, que pretende construir uma infraestrutura aberta para que os músicos criem suas próprias obras de arte generativas on-chain, e que define DAO como uma estrutura e um meio onde a tomada de decisões está nas mãos de mais de uma pessoa e é facilitada pela tecnologia.
Por que DAOs são bem vindos no mercado da música?
DAOs trazem vantagens às atividades de filiação, investimento e governança, mediados por tokens que podem ser vistos com transparência em um blockchain pelo público em geral.
Eles viabilizam uma governança mais democrática com uma estrutura hierárquica plana, e são uma força social poderosa para que as comunidades se mobilizem contra os atuais problemas da indústria musical com a Web2, relacionados à falta de transparência e igualdade, a práticas de coleta de dados.
Notícias recentes, como a aquisição da Bandcamp pela Epic Games, levantaram temores dentro das comunidades musicais independentes sobre a consolidação atual da indústria e os mecanismos de gatekeeping que excluem vozes emergentes ou as marginalizam.
Isto sem falar nos complexos e opacos fluxos de dinheiro na música gravada, e nas margens de transferência que continuam incrivelmente baixas para 99% dos artistas.
Em contraste à realidade atual, o modelo de contribuição de muitos DAOs tem um canal direto com muitas culturas de fãs, pois permitem que qualquer pessoa se torne um participante significativo em um DAO através de sua contribuição (ao invés de aportar uma certa quantidade de capital).
Na mesma linha, a forma como tokens não fungíveis (NFTs) de musica continuam a polarizar audiências em todo o mundo, com a associação negativa com esquemas get-rich-quick (fique rico rápido) levou parte da indústria musical a perceber que o caminho para a construção de comunidades e cultura da música na Web3 deve ir em direção diametralmente oposta: colaboração e importância ao que realmente agrega valor à vida das pessoas.
Neste contexto, a adesão de comunidades de música online e criadores de conteúdo a DAOs (que vou chamar aqui de DAO musical), é bem-vinda.
Mas como uma organização autônoma descentralizada pode ser utilizada no setor musical?
Categorias e exemplos
O uso de DAOs pela indústria da música possuem abordagens variadas; e sua motivação vai desde a ampliação de novos mercados e produtos musicais via tokenização de ativos, ao desejo de fazer parte de uma rede comum a muitos DAOs, centrados em protocolos que vieram antes deles.
Para facilitar o entendimento, a seguir vamos classificar o uso de DAOs pelas comunidades de música online e criadores de conteúdo em categorias.
1) DAOs de investimento focados em apoiar artistas nativos da Web3 e NFTs de música
Aqui, podemos citar o projeto NoiseDAO que busca reunir interessados em apoiar a interseção entre música e tecnologia. Seu objetivo é apoiar os músicos, comprar NFTs, arquivar, coletar e investir no ecossistema da música digital. Cada membro inicial do NoiseDAO pode adquirir 10.000 unidades de NoiseDAO por 2 ETH (até 100.000 unidades por 20 ETH). E o intuito aqui é destinar este capital inicial para fazer investimentos.
2) DAOs para indústria que buscam melhorar ferramentas e dados referentes à musica
O MODA DAO é um projeto de rede descentralizada e comunidade DAO, cujo objetivo é se posicionar na era do metaverso e P2E, se dedicando à adoção da Web3 na indústria musical via NFTs, micro-licenciamento, governança DAO e DeFi.
Já o CreateDAO tem como missão o apoio aos artistas, desde dar poder a suas vozes até o negócio que lhes permite continuar criando.
3) DAOs de copropriedade ou cogestão em torno da Propriedade Intelectual de um artista
Como exemplo dessa categoria temos a Holly+, um projeto de DAO construído em torno da ferramenta de machine learning eponymous que permite a qualquer um clonar a voz da artista eletrônica experimental Holly Herndon, e cujo foco está, portanto, na cogestão e copropriedade intelectual da referida artista.
Basicamente, o DAO da Holly+ consiste em uma comunidade fechada de amigos, colaboradores e apoiadores de NFTs que estão encarregados de administrar coletivamente o futuro da imagem digital da Holly, ou seja, supervisionar a cunhagem, certificação e licenciamento de novos trabalhos criados com o modelo de voz Holly+.
Os lucros do DAO serão compartilhados entre seus membros, e serão usados para financiar o desenvolvimento futuro da Holly+ e ferramentas adjacentes como a experimentação de representações machine-learning da voz humana, e encontrar soluções para as questões éticas que surgem através desta nova tecnologia; permitir que a comunidade utilize esta tecnologia de voz sintetizada para controlar o ecossistema de suas composições circundantes.
Possibilidades
No curto prazo, DAOs tendem a surgir da cultura e construção de determinada comunidade, como um caminho esperançoso para o lucro e a sustentabilidade de determinado objetivo no longo prazo.
E talvez, ainda seja cedo tentar impor uma definição rígida de DAO, principalmente a essas comunidades emergentes de música.
Todavia, estruturas padronizadas são indiscutivelmente necessárias para tornar DAOs acessíveis a um público mais amplo, e efetivamente concretizar o propósito para as quais foram criados.
E você? Se surpreendeu com a evolução dos DAOs em apenas 8 anos? Acha que apenas organizações ou comunidades com infraestrutura técnica e uma economia de tokens podem ser classificados como um DAO?
Conhecimento é poder! Nos vemos em breve!
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