É preciso regular o DeFi?
Uma das questões mais desafiadoras para formuladores de políticas no mundo cripto é como regular DeFi. Neste artigo, vamos compreender o porquê.
Regular DEFI é um desafio
A confiança na promessa de cumprir as obrigações são a pedra angular de qualquer transação negocial. Partes substanciais nos negócios são projetadas para resolver problemas de confiança e a assimetria nas transações por meio de uma “infraestrutura de gerenciamento de risco”, que exige altos custos para ser mantida.
As finanças descentralizadas (DeFi) surgem nesse contexto, trazendo plataformas que usam protocolos de código aberto que permitem a criação de produtos financeiros robustos com blockchain – usando não só a rede Ethereum como Terra (LUNA), THORChain (RUNE) e Solana (SOL).
As plataformas DeFi, tais como as exchanges descentralizados (DEXs), por sua natureza, parecem ser contrárias aos princípios fundamentais da regulamentação.
Primeiro, porque as DEXs e outras plataformas DeFi não possuem controladores ou proprietários únicos, e são gerenciados por mecanismos de governança distribuída, com decisões sobre atividades de rede tomadas por uma base comunitária.
Segundo, porque suas operações não são conduzidas por um órgão central ou mesa de operações, mas são executadas através de contratos inteligentes – protocolos de software autoexecutáveis.
Neste mercado, nenhuma parte tem a capacidade de controlar ou intermediar negócios, e os participantes podem acessar os mercados 24 horas por dia, 7 dias por semana, sem precisar fornecer informações sobre seu cliente (KYC) a fim de acessar serviços financeiros.
Eis o motivo de reguladores estarem surpresos com as implicações práticas das finanças descentralizadas, e preocupados se estão diante de uma ameaça aos objetivos do atual regime regulatório.
É realmente necessário regular a nova indústria DeFi desde já?
O DeFi oferece novas soluções, de stablecoins a empréstimos, seguros, mercados de previsão, negociação de margem, derivativos, pagamentos e outros serviços financeiros.
Não à toa, o crescimento do ecossistema DeFi foi impressionante aos longos dos últimos dois anos. Hohe, ele representa uma rede expansiva de protocolos integrados e instrumentos financeiros cujo valor total bloqueado (VTL), segundo o DeFi Llama, cresceu de US$ 18,65 bilhões em janeiro de 2021 para US$ 232,86 bilhões registrados no dia 17 de dezembro do mesmo ano.
Cada vez mais aumenta o interesse dos investidores e empresas, ansiosos por embarcar nas oportunidades oferecidas pelas finanças descentralizadas.
Mas é realmente necessário regular o setor logo nos primeiros anos de seu surgimento?
Quem já defende uma regulação para finanças descentralizadas diz que grande parte dos potenciais investidores só mergulharão em protocolos descentralizados se estiverem convencidos de que podem fazê-lo de uma maneira que evitem, por exemplo, riscos à reputação e problemas com reguladores que ainda estão compreendendo a real natureza das atividades da indústria de DEFI.
Outro motivo apontado é a necessidade da proteção dos consumidores, e de mecanismos para que o ecossistema DeFi não se torne um refúgio para os atores ilícitos, crimes financeiros, manipulação de mercado, fraude e outros riscos que a sociedade tem interesse em prevenir.
Contudo, vale a pena destacar que, até agora, as plataformas DeFi têm menos exposição à atividades ilícitas do que o ecossistema cripto como um todo.
Segundo o relatório The Chainalysis 2021 Crypto Crime Report, confirmado pelo estudo da Cipher Trace, de todo o volume de transações de criptomoedas, apenas 1,1% foi recebido ou enviado por um endereço associado a atividades ilícitas; e apenas 0,05% de todos os fundos recebidos pelas plataformas DeFi vieram de endereços associados a atividades criminosas, e 0,07% de todos os fundos enviados pelas plataformas DeFi foram para esses endereços.
A sugestão do BIS para regular DeFi
Em sua avaliação trimestral, o Banco de Pagamentos Internacionais (BIS) incluiu várias páginas sobre Finanças Descentralizadas (DeFi) como parte de um “artigo especial”.
De modo geral, o texto do BIS, também conhecido como o “banco central dos bancos centrais”, não fornece novas percepções e apresenta o tópico e as diferentes aplicações de DeFi atuais.
No entanto, é relevante o fato do BIS ter incluído esse tópico em sua revisão trimestral, destacando a importância do tema para legisladores e formuladores de políticas globais.
Além disso, o texto menciona considerações e conclusões, entre elas o risco para a estabilidade financeira, a necessidade de princípios regulatórios adequados, o papel das stablecoins e a dificuldade de legislar sobre o DeFi devido à sua natureza.
Adicionalmente, merece destaque seu entendimento de que as finanças descentralizadas (DeFi) têm um problema de centralização e os políticos deveriam usá-lo para regular o setor. Para o BIS, desafiando a essência da governança em blockchain, DeFi teria uma “necessidade inevitável” de “centralização”.
Particularmente quanto a este último entendimento, vale a pena observar que o lançamento de qualquer protocolo de rede de código aberto “descentralizado” começa de um ponto central.
E assim, as redes DeFi, com o tempo (e especificamente as redes descentralizadas de modo geral), nascem centralizadas e, pouco a pouco, ganham corpo e aumentam sua descentralização através da multiplicação dos nodes (participantes em uma rede distribuída).
Portanto, as redes DeFi não possuem um “problema de centralização”, mas, assim como qualquer rede de código aberto, as redes DeFi ainda estão no nascedouro de seu desenvolvimento e, portanto, não podem ser objeto de uma legislação cujo paradigma seja concebido para instituições centralizadas.
Dar tratamento regulatório para uma indústria ainda em sua infância, com o mesmo regime paradigma das normas e estruturas regulatórias concebidas para instituições centralizadas, possui limitações significativas e pode se mostrar impraticável de implementar em muitos casos.
A abordagem regulatória atual
Para saber se é realmente necessária uma nova abordagem regulatória para as finanças descentralizadas, é preciso compreender a abordagem atual.
Para tal, vamos ver como o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) recomenda que os países disciplinem as finanças descentralizadas em seus respectivos territórios.
Segundo o GAFI, os países devem monitorar os “Virtual Assets Service Providers” (VASPs), ou seja, os legisladores devem regular aquelas “pessoas que mantêm controle e influência suficiente sobre um arranjo DeFi”.
Para isto, ele cita na última atualização de suas diretrizes, exemplos de atividades que podem constituir “controle e influência”:
- Influência sobre os ativos que são oferecidos ou negociados;
- Influência sobre o protocolo subjacente;
- A existência de relações comerciais contínuas entre um desenvolvedor de um protocolo DeFi e aqueles que o utilizam.
Aqui, vale observar que essas diretrizes sugerem que qualquer propriedade ou influência sobre as atividades de um mercado ou plataforma DeFi deve ser genuína. Isto é, os detentores individuais de tokens de governança DeFi não devem ser considerados VASPs, se não exercerem um controle ou influência mais amplo sobre as atividades do mercado.
E esta ressalva é importante, dado que retrata uma preocupação de longa data do setor cripto como um todo com o excesso de regulamentação.
De todo modo, a mensagem do GAFI é clara e segue a mesma linha do BIS: muitos protocolos DeFi que afirmam não ter nenhum órgão controlador em suas operações são sim passíveis de se enquadrar no escopo da regulamentação AML/CFT.
Embora a abordagem do GAFI possa parecer lógica, e seja melhor que o rascunho apresentado no começo do ano, na prática o espaço DeFi é preenchido com uma ampla e diversificada gama de mercados e modelos operacionais.
As orientação do GAFI não consideram a diversidade desses arranjos e suas potenciais implicações para implementação de controles contra lavagem de dinheiro e combate ao terrorismo (AML/CFT).
Por exemplo, não está claro como medidas AML/CFT devem ser aplicadas no contexto dos arranjos DeFi com tecnologias de fabricação automatizada de mercado (AMM) e livros de pedidos totalmente descentralizados.
As diretrizes sugerem que os desenvolvedores e outras partes por trás dos protocolos DeFi que apresentam AMM podem ser considerados VASPs, se:
- Estiverem envolvidos em atividades como o fornecimento de um domínio que permita aos usuários acesso contínuo a um protocolo;
- Forem capazes de impedir que os usuários negociem certos tokens através de uma interface que hospeda;
- Ou de outra forma realizem atividades que reflitam um ator centralizado. No entanto, não está claro como isso se aplica a outros componentes da orientação do GAFI.
Ainda, o GAFI descreve as atividades de um VASP como aquelas que facilitam o controle ou a transferência de ativos virtuais entre as partes.
Ora, como as DEXs com arranjos AMM não mantêm a custódia dos fundos dos usuários, nem sempre está claro como elas devem ser enquadradas – como serviço de câmbio ou serviço de transferência.
Este tipo de incerteza pode levar os países a divergirem na interpretação das diretrizes atuais, o que prejudicaria muitos mecanismos de AML/CFT.
Perspectivas
Os legisladores precisam pensar as finanças descentralizadas sob uma perspectiva mais ampla e de acordo com os novos tempos.
Saber, por exemplo, quando um projeto pode se enquadrar em uma ou outra estrutura regulatória é essencial para que os inovadores do setor compreendam suas obrigações, e os reguladores em todo o mundo possam aplicar padrões regulatórios consistentes.
Achar que o quadro regulatório vigente (destinado a players centralizados) poderá ser aplicado a indústria DeFi, estruturadas sobre uma tecnologia de natureza transfronteiriça como blockchain, é como tapar o sol com a peneira, ignorando desafios e consequências que inevitavelmente virão.
Ora, ao invés de depender apenas de antigas estruturas regulatórias, por que reguladores não aproveitam as características da própria tecnologia subjacente para alcançar certos resultados de forma mais eficaz?
A transparência dos blockchains, por exemplo, já é usada no combate de ciberataques aos protocolos DeFi.
Isto pode parecer contrário à ideia de privacidade que motivou os pioneiros do mundo cripto, mas é essencial reconhecer que novas tecnologias requerem novas formas de abordagem de riscos, principalmente aos que realmente desejam proteger consumidores e evitar fraudes e outros riscos que a sociedade tem interesse em prevenir.
E você? Acha que a abordagem atual é adequada para regular novas indústrias como DeFi? Acha que reguladores deveriam explorar uma perspectiva mais ampla, partindo de novos padrões?
Pense nisto até nosso próximo encontro. Até breve!
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