Cubano teve acesso negado a mais de 60 instituições financeiras – Bitcoin foi sua salvação
A história de Erich Garcia Cruz é semelhante a de milhares de vítimas de sanções impostas por governos estrangeiros e mostra que o Bitcoin é uma poderosa arma de inclusão financeira não apenas em tempos de guerra.
As tensões geopolíticas no leste europeu que resultaram na invasão da Ucrânia pelas forças armadas da Rússia despertaram o mundo para o papel do Bitcoin (BTC) como um instrumento de emancipação financeira devido à sua natureza descentralizada, não permissionada e à prova de censura.
A maior criptomoeda do mercado mostrou-se útil tanto para mobilizar doações ao governo e à população da Ucrânia quanto para atuar como ativo de proteção para cidadãos russos que testemunharam sua moeda se desvalorizar vertiginosamente.
Não é apenas em situações de conflito armado que o Bitcoin tem utilidade como refúgio monetário para pessoas deliberadamente excluídas de acesso ao sistema financeiro, como mostra a história de Erich Garcia Cruz. O programador e empresário de 35 anos é natural de Cuba, país que desde 1962 está submetido a um embargo econômico imposto pelos EUA, que impede empresas norte-americanas ou que estejam sob jurisdição da legislação norte-americana de fazer negócios de qualquer natureza com cidadãos ou instituições cubanas.
Em um relato em primeira pessoa publicado no Coindesk, Cruz explica por quê o “dinheiro eletrônico ponto a ponto que permite pagamentos on-line sem a necessidade de aprovação ou chancela de intermediários” idealizada por Satoshi Nakamoto é a única alternativa para que muitos cidadãos cubanos conquistem sua própria soberania financeira e possam transacionar livremente não apenas dentro das fronteiras da ilha, mas também com pessoas do mundo todo.
Abrir uma conta bancária, ter acesso a um cartão de crédito seja da Visa ou da Mastercard, abrir uma conta no Paypal ou utilizar os serviços de fintechs como Venmo, Wise, Stripe ou Revolut é impossível na ilha centroamericana. Qualquer tentativa é imediatamente negada pelo simples fato de tratarem-se de cidadãos cubanos. Não importa que sejam simpatizantes ou opositores do governo comunista instalado no poder desde 1959.
Em 2020, a situação se agravou ainda mais depois que o então presidente dos EUA, Donald Trump, revogou a flexibilização das sanções promovida pela administração democrata de Barack Obama. Cidadãos cubanos exilados foram probidos de enviar dinheiro a suas famílias através do Western Union, único serviço de remessas financeiras internacionais ao qual ainda tinham acesso.
Além dos cidadãos cubanos, a medida teve um impacto altamente negativo para os comerciantes da ilha. Por outro lado, as diferentes formas de restrições financeiras impostas pelo embargo contribuíram para a popularização das criptomoedas no país. Finalmente os cidadãos cubanos encontravam alternativas capazes de romper o embargo, como explica Cruz:
“Os cubanos podem não ter acesso a um cartão da Visa ou da Mastercard, mas têm o PayWithMoon, que os permite financiar um cartão virtual pré-pago com Bitcoin. Não podem usar bancos, mas encontraram no Bitcoin um banco público ponto a ponto. Eles não são aceitos pela Stripe, a onipresente rede de pagamentos da internet, mas podem fazer transferências em segundos através da Lightning Network.”
Mesmo assim, comprar e vender criptoativos em Cuba não é uma operação corriqueira. Não há acesso a exchanges de criptomoedas através das quais se pode comprar Bitcoin com pesos cubanos ou mesmo dólares.
As pessoas recorrem a grupos de aplicativos de mensagens instantâneas como Telegram e WhatsApp para negociar a cotação e definir os valores envolvidos nas transações. Daí por diante, torna-se uma relação de confiança. O comprador precisa ter fé de que o vendedor enviará de fato o valor acertado em criptomoedas ao endereço público fornecido de antemão.
Para os comerciantes locais, é vedado o uso de sistemas de pagamento para automatizar a venda de produtos pela Internet, a menos que o proprietário do negócio tenha um parente, amigo ou sócio no exterior e, assim, consiga escapar das sanções.
Os estabelecimentos comerciais em Cuba precisam ter uma carteira digital pessoal para aceitar e receber pagamentos em Bitcoin, pois plataformas de automação de pagamentos em BTC não estão disponíveis no país.
“Bitcoin conserta isso”
Depois de ter a abertura de contas pessoais rejeitadas em mais de 60 institiuições financeiras, fintechs e aplicativos de pagamento, Cruz criou a QvaPay, uma empresa que permite aos cubanos receber e enviar pagamentos através da rede Bitcoin em alta velocidade e com taxas baixas. Após pouco mais de três anos, o serviço tem mais de 48.000 usuários cadastrados, os quais encontraram na criptomoeda a única maneira de administrar seus próprios recursos com liberdade.
Cruz acredita que o setor privado ainda incipiente da ilha vai mergulhar a fundo em um processo de “hiperbitcoinização” nos próximos meses. O movimento já está encaminhado, afirma, uma vez que a aceitação de Bitcoin por parte de restaurantes, assistências técnicas de aparelhos eletrônicos e pequenos comércios vem crescendo espontaneamente.
Estabelecimentos comerciais que aceitam criptomoedas como forma de pagamento têm vantagens sobre aqueles que ainda não se renderam à adoção. Eles podem guardar reservas em criptomoedas ou realizar transações com fornecedores diretamente através de carteiras digitais, sem necessidade de convertê-los em pesos cubanos.
Também é possível fazer copras nos EUA por meio de plataformas como Bitrefill ou PayWithMoon. De qualquer forma, converter as criptomoedas em pesos cubanos sempre é uma opção caso haja necessidades de adquirir suprimentos ou pagar por serviços com moeda local.
Embora o governo tenha regulamentado transações envolvendo criptoativos na ilha, não existem estatísticas oficiais que deem conta da quantidade de usuários cubanos que utilizam criptoativos no seu dia a dia. Cruz estima que sejam ao menos 20.000 pessoas. Através da QvaPay, ele conta ter enviado criptoativos para mais de 150.000 endereços únicos desde o início das operações da empresa em 2019.
Os números podem parecer modestos, mas, justamente por isso, o programador e empresário acredita que há bastante espaço para que a adoção cresça cada vez mais, uma vez que se trata de um país com 11,3 milhões de habitantes atualmente.
Especialmente porque o Bitcoin não está submetido a nenhuma jurisdição específica: embargos não são capazes de pará-lo.
Recentemente o Cointelegraph Brasil relembrou seis ocasiões em que o Bitcoin foi utilizado como instrumento para burlar restrições financeiras impostas por autoridades governamentais.
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