ETFs de criptomoedas conquistam investidores no Brasil, mas encontram resistência dos reguladores nos EUA

Brasil foi o terceiro país a oferecer exposição ao Bitcoin através de fundos de índice negociados em bolsa, enquanto a Comissão de Valores Mobiliários segue vetando iniciativas similares nos EUA.

Os ETFs cada vez mais se apresentam como uma alternativa de exposição a criptoativos de forma segura e regulada para investidores do mundo todo. Desde que começaram a ser ofertados na B3 há um ano, os ETFs de criptomoedas vêm conquistando a preferência dos investidores brasileiros.

Atualmente, o HASH11 já é o segundo fundo de índice mais negociado na bolsa brasileira menos de um ano depois do seu lançamento pela gestora Hashdex. O ETF é atrelado ao Nasdaq Crypto Index, um índice elaborado pela Hashdex em parceria com a bolsa norte-americana do setor de tecnologia que busca refletir o movimento do mercado de criptoativos através da exposição a uma cesta variada de ativos digitais.

O sucesso do HASH11 fez com que a Hashdex e a QR Capital oferecessem uma gama variada de ETFs refletindo diferentes setores do mercado de criptomoedas. Dois deles oferecem exposição indireta ao Bitcoin (BTC), a maior criptomoeda do mercado, mas também há ETFs que oferecem exposição ao Ethereum (ETH), a tokens do setor DeFi, a protocolos da Web3 e até a NFTs. Ao todo, há 9 ETFs atrelados a criptoativos em negociação na B3 atualmente.

O Brasil não está na vanguarda apenas por conta da quantidade de opções oferecidas aos investidores. O país foi o terceiro, depois de Canadá e Bermudas, a aprovar um ETF que reflete o preço do Bitcoin no mercado à vista. E não há apenas um, mas dois fundos de índice atrelados a maior criptomoeda do mercado: o QBTC11, da QR Capital, e o BITH11, da Hashdex.

Bruno Sousa, diretor de Expansão Global da Hashdex, afirmou que a CVM e a bolsa entenderam a importância do produto, haja visto que foi verificada uma demanda crescente por investimentos em criptoativos no ano passado no Brasil. No entanto, as negociações para lançamentos de fundos de índice atrelados a criptomoedas na B3 vinham sendo encaminhadas desde 2019, destacou o executivo:

“Foram dois anos e meio de discussão com a CVM e a B3 para conseguir chegar na aprovação em abril do ano passado. O produto foi estruturado de uma maneira que se encaixava nas regras. O regulador não trabalha no vácuo. Ele vai reagindo aos pedidos dos participantes, da bolsa, dos gestores, do público investidor. A partir da demanda ele percebe que precisa se posicionar.”

Resistência nos EUA

Enquanto isso, nos EUA, o maior mercado financeiro do mundo, a Comissão de Valores Mobiliários (SEC) segue negando pedidos de registro de um ETF nos moldes do QBTC11 e do BITH11. Até hoje, a SEC aprovou apenas ETFs atrelados a contratos futuros de Bitcoin. Estes produtos de investimento são considerados valores mobiliários perante a legislação norte-americana, ao contrário das criptomoedas.

Segundo especialistas e operadores de mercado brasileiros ouvidos por uma reportagem do Valor Investe publicada nesta quarta-feira, 20, a resistência da SEC à aprovação de ETFs atrelados ao preço do Bitcoin no mercado à vista se justificam por diversas razões.

Desde a ausência de mecanismos de controle na formação de preços do ativo e na regulação das plataformas de negociação de criptomoedas e de produtos de investimento financeiros atrelados a elas, até o lobby político.

Até hoje, no entanto, a proteção ao consumidor é tida como a principal razão para as negativas da SEC. O que não deixa de ser contraditório, dado que mais de um ETF de contratos futuros foi aprovado recentemente, e que o Bitcoin é negociado em exchanges sediadas no país.

A natureza descentralizada da principal criptomoeda do mercado limita a capacidade de regulação dos agentes financeiros, como apontou Marcos Viriato, presidente da Parfin, à reportagem:

“Um dos principais problemas que a SEC vê é que o ativo subjacente, isto é, o Bitcoin, não é regulado e pode sofrer manipulação de preços, por ser negociado em diversas corretoras do mundo, as quais não têm os controles exigidos pela regulação que visa a proteção do investidor final”.

Alexandre Ludof, diretor de investimentos da QR Capital, gestora do QBTC11, aponta outra incongruência da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA traçando um paralelo com o GBTC, o ETP (exchange traded product) da Grayscale que possui mais de US$ 30 bilhões em ativos sob gestão:

“Esse instrumento é pior que ETFs. Um ETP não pode ser vendido em menos de 3 meses, por exemplo, e não tem liquidez no mercado secundário como ETFs. Então é preciso negociá-lo com desconto, o preço do GBTC costuma ser inferior ao do Bitcoin [no mercado à vista] por essa questão de liquidez.”

A própria Grayscale já reiterou diversas vezes sua intenção de converter o GBTC em um ETF assim que a SEC a autorize a negociá-lo no mercado como um fundo de índice.

O primeiro pedido de registro de um ETF vinculado ao preço do Bitcoin no mercado à vista foi feito ainda em 2013 pelos irmãos Winklevoss, fundadores da exchange Gemini. Em 2018 houve um novo pedido, o qual também foi negado.

Quando Gary Gensler assumiu a presidência da SEC em fevereiro de 2021, criou-se a expectativa de que finalmente o ETF de Bitcoin pudesse ser aprovado. Gensler ministrara um curso sobre criptomoedas no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusets) e em tese seria um dirigente mais amigável à indústria.

No entanto, mais uma vez as expectativas da comunidade cripto foram frustradas. Em suas últimas declarações, Gensler tem defendido que as mesmas regras que se aplicam a instrumentos financeiros do mercado tradicional devem ser utilizadas para avaliação e autorização de produtos de investimento vinculados a ativos digitais.

“Não há razão para tratar o mercado de criptomoedas de maneira diferente apenas porque uma tecnologia diferente é usada”, disse o presidente da SEC durante a Conferência Anual da Penn Law Capital Markets Association no começo deste mês.

Ordem executiva e investidores institucionais podem contribuir para aprovação

Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem do Valor Investe, dois fatores podem contribuir para que a SEC aprove o primeiro ETF atrelado ao preço à vista do Bitcoin: a ordem executiva sobre criptoativos do presidente Joe Biden apresentada em março deste ano e a adesão de investidores institucionais de peso e relevância no mercado norte-americano, como a Goldman Sachs, a Bridgewater Associates e a BlackRock.

Para Ludof, da QR Capital, a ordem executiva foi bastante positiva para a indústria com sua disposição de “preservar a ideia do espírito americano, de liberdade econômica e de inovação”.

O texto contradiz aqueles que ainda insistem em apontar a falta de lastro como um defeito fatal da principal criptomoeda do mercado ao afirmar que “o lastro do Bitcoin é a confiança, a rede, a tecnologia e o protocolo; a regra definida em código matemático que não pode ser alterado.”

Ainda de acordo com o texto da ordem executiva, as criptomoedas exigem um “novo paradigma mental” para que possam ser aceitas, entendidas e incorporadas ao mundo contemporâneo.

Recentemente a SEC aprovou o quarto ETF atrelado a contratos futuros de Bitcoin. Dessa vez, porém, o processo aprobatório baseou-se no “Securities Act de 1933”, cuja aprovação depende da comprovação de que o ativo subjacente ao produto financeiro oferece garantias contra manipulação de preços.

Os ETFs aprovados anteriormente foram aprovados a partir das determinações do “Investment Company Act de 1940”, que não exigem tal comprovação. Segundo Michael Sonnenshein, CEO da Grayscale, a aprovação do novo ETF sob os parâmetros da lei de 1933 abre caminho para aprovação do aguardado ETF de Bitcoin à vista:

“Se a SEC estiver confortável com um #ETF de futuros de #Bitcoin, ela também deve estar confortável com um ETF de Bitcoin à vista. E não podem mais citar a Lei de 1940 como um fator diferenciador.”

O analista da Bloomberg, Eric Balchunas, referendou a opinião de Sonnenshein, porém fez a ressalva de que a ausência de regulação das exchanges de cripotmoedas ainda é um entrave para o ETF de Bitcoin à vista:

“SEC aprova ETF Teucrium Bitcoin Futures. Notável porque foi registrado sob a Lei de 33, que Genz disse não ter proteções suficientes contra a Lei de 40. Então, possivelmente, isso é um bom sinal para o spot, embora ainda pensemos que as exchanges precisam de regulamentações antes de dar a luz verde.”

Conforme noticiou o Cointelegraph Brasil, o primeiro ETF de Bitcoin aprovado na Austrália começará a ser negociado na semana que vem. Estimativas indicam que o produto de investimento possa atrair US$ 1 bilhão.

LEIA MAIS

Você pode gostar...