Como a Receita Federal contabilizou R$ 14 bilhões em transações com criptomoedas e bitcoins
A notícia de que a Receita Federal contabilizou um movimento de cerca de R$ 14 bilhões em transações em 2,49 milhões de declarações com bitcoin e outras criptomoedas entre os meses de agosto e setembro, levantou dúvidas no mercado acerca desse montante.
Ana Paula Rabello, contadora, perita judicial e autora no blog Declarando Bitcoin, disse ao Portal do Bitcoin que os R$ 14 bilhões não refletem o número de criptomoedas transacionadas, mas tão somente o que foi movimentado a partir de operações com esses ativos nos meses de agosto e setembro deste ano.
“Foi mero somatório do que foi informado. É volume fiscal. Há uma nova transação a cada vez que o mesmo bitcoin é operado”, disse.
Para o advogado tributarista especializado em criptomoedas, Rafael Steinfeld, a questão não estaria nos números em si, mas sim naquilo que eles representam. Ele comenta que “diversas operações podem estar duplicadas”, uma vez que “a metodologia utilizada pela Receita Federal leva em consideração a soma de todas as operações declaradas”.
Steinfeld usa como exemplo uma transação de compra e venda de uma determinada criptomoeda no mercado de OTC em que se terá duas declarações sobre a mesma operação.
“Numa operação de R$ 100 mil, a ponta vendedora declarou sua venda e a outra ponta declarou o mesmo valor como compra. O número divulgado pela Receita Federal leva em consideração as duas declarações, aumentando o valor da operação para R$ 200 mil”.
A perita judicial Rabello, no entanto, afirma que a autarquia apenas tem buscado saber se as pessoas estão declarando as transações com criptomoedas. As cifras apontadas como o que foi movimentado não tem a ver com o volume das criptomoedas transacionadas. Conforme aponta a contadora, a Receita apenas somou todas as operações.
“O objetivo da Receita e verificar se as pessoas estão declarando o que está se informando, isso é um ponto. A divulgação do número informado em reais ao total das transações é meramente a soma aritmética das operações informadas”.
Base da Receita Federal
Steinfeld chama a atenção para as operações com bots, as quais poderiam ter ajudado a Receita chegar a esse valor de R$ 14 bilhões em movimentações, uma vez que os robôs fazem milhares de operações dentro de um curto espaço de tempo.
“O investidor que opera em exchange no exterior, que pode usar um bot para fazer milhares de operação no mesmo mês. O valor inicial aportado pode ser o mesmo (por exemplo 10 mil reais), mas após 1000 operações, a soma do valor reportado poderá chegar a 10 milhões de reais”.
Rabello, contudo, diz que isso ocorre porque a cada transação é gerada uma operação fiscal.
“A conta não é entrou 1 btc e saiu 1,5 btc. A conta é bitcoin entrou e foi operado diversas vezes e cada operação é somada nas transações.Toda a declaração de quem faz trade ou arbitra o volume é gigante”.
A perita judicial, em complemento, afirma que “as operações informadas serão cruzadas com as declarações de Imposto de Renda bem como os impostos recolhidos”.
Maior controle
Antonio Gil Franco, sócio de Tributos da EY, diz que a Receita Federal, com o advento da IN 1.888/2019, possui mais uma ferramenta para rastrear as transações com criptomoedas.
“Uma declaração adicional para que as transações com criptomoedas sejam obrigatoriamente declaradas quando acima de R$ 30 mil por mês, já é uma forma de a Receita ter mais e melhores informações para poder auditar as transações e verificar se os contribuintes estão declarando o que possuem.”
Franco diz que qualquer declaração de movimentação financeira facilita o trabalho da Receita Federal poder fazer seu rastreamento e isso se torna mais eficaz quando se fala em criptomoedas, que ao seu ver seria de difícil controle por meio apenas da declaração de imposto de renda.
“A Receita equipara a criptomoedas com um ativo financeiro que precisa declarado desde o estoque que a pessoa tem criptomoedas bem como as operações e se houve ganho de capital”.
Incógnita
Márcio Ávila, professor de Direito Tributário Internacional da Universidade Federal Fluminense (Uff), entende que a Receita Federal não tem como saber como isso poderá acarretar em tributação.
O fato de o órgão apenas trazer sobre as transações pouco importando se houve lucro ou prejuízo não deixa claro o perfil do mercado de criptomoedas.
“Entendo que esse é o volume transacionado total. Agora, quanto isso representará de Ganho de Capital, é uma incógnita mesmo porque não há como saber se houve lucro e de quanto foi esse lucro”.
Steinfeld concorda:
“Apenas com esses números absolutos não é possível verificar eventual recolhimento de imposto, pois qualquer tipo de operação deve ser reportada, inclusive as que eventualmente tiveram prejuízos.”
Sob o ponto de vista de Ávila, a Receita poderia refinar a informação para que os operadores possam entender melhor o mercado.
“Os operadores precisam saber quantas transações são efetuadas, qual a margem média de lucro/prejuízo nas operações. Se a Receita Federal tem como obter os dados macroeconômicos através das declarações, deveria contribuir para a transparência e evolução desse mercado”.
A intenção da autarquia parece ser outra na visão do sócio da EY: “Quando se tem mais uma obrigação acessória, a Receita está deixando claro que o rastreamento vai acontecer”.
Resposta da Receita Federal
A reportagem entrou em contato Receita Federal. A autarquia, no entanto, não explicou a metodologia aplicada para chegar aos R$ 14 bilhões e se limitou a enviar dois links com a divulgação da norma que estabeleceu a obrigatoriedade das declarações e com as orientações sobre o preenchimento e leiaute.
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