Cade pode arquivar de novo inquérito de corretoras de bitcoin contra bancos, diz especialista
O caso no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que envolve a suposta atuação anticoncorrencial do bancos contra as empresas do setor de criptomoedas está longe de ter uma resposta clara. O que ainda se tem são indícios que precisam ser muito bem apurados.
A decisão pelo retorno de o inquérito administrativo por parte dos conselheiros do órgão não é o prenúncio de “causa ganha” para as exchanges. A questão merece análise mais aprofundada.
De acordo com Gustavo Flausino Coelho, advogado no escritório Coelho Vasques e professor de Direito da Concorrência no Ibmec, o Cade não está convicto sobre a existência de ilícito concorrencial por parte das instituições financeiras.
Coelho, que já escreveu sobre o tema envolvendo a concorrência de mercado desde a graduação até o seu doutorado, chamou atenção para alguns detalhes acerca do caso.
Segundo o professor e advogado, o órgão tinha três caminhos a escolher. O Cade poderia arquivar o inquérito administrativo nos termos da Superintendência-Geral; seguir o posicionamento da conselheira Lenisa Rodrigues Prado e converter o inquérito em processo administrativo ou optar pela cautela e apenas retomar o inquérito.
Os conselheiros acabaram seguindo o voto de Maurício Maia, que, de acordo com o professor “teve uma visão salomônica”, e entendeu que valeria a pena continuar com o caso pois era precipitado encerrar a discussão.
“O caso deve retornar a superintendência, que é quem faz essa parte de coleta de provas, verificação para ver se o caso é bom ou não ainda na fase inicial de inquérito administrativo, mas não de processo administrativo”, disse Coelho.
A volta do inquérito no Cade
A atuação da conselheira em decidir contrariamente ao que foi afirmado pela Superintendência-Geral do órgão é algo normal apesar de não ser comum, conforme sinalizou o advogado:
“O rito é previsto no regimento interno. A repercussão e o envolvimento das partes qualificadas nesse caso fez com que provavelmente a conselheira tomasse essa decisão de levar a questão para o Tribunal”.
Isso não significa que há um caso ganho, pois há um novo risco de o inquérito administrativo ser mais uma vez ser arquivado:
“Já no caso do inquérito ele pode morrer ainda no âmbito da superintendência. É isso que pode ainda acontecer porque o Cade não falou que o caso necessariamente vai ser um processo. O Tribunal só falou para o caso retornar para a superintendência para diligências adicionais. Para continuar nessa etapa de inquérito”.
Segundo o regimento interno do Cade, cabe à Superintendência-Geral (SG) promover, em face de indícios de infração da ordem econômica, procedimento preparatório de inquérito administrativo e inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica.
A SG, contudo, tem dois caminhos a seguir: arquivar os autos do inquérito administrativo caso não haja subsistência de indícios de infração à ordem econômica ou, caso contrário, instaurar processo administrativo para análise de ato de concentração econômica.
Inquérito não é processo
Coelho explicou que não se pode confundir o inquérito administrativo com processo administrativo. O inquérito é uma investigação prévia, nela não se discute a condenação dos agentes econômicos, mas sim se busca elementos para “instruir o Cade sobre o tema para depois converter num processo administrativo”.
Ele disse que caso o tribunal acompanhasse a decisão de Lenisa Prado, a situação seria de se ter um julgamento administrativo com o fim de se condenar ou absolver os bancos pelos atos de abuso concorrencial.
“Daí teria todo ritual de processo administrativo completo com ampla defesa, produção de provas pelas partes, pareceres do Ministério Público e da procuradoria especial junto ao Cade. Enfim, todo o ritual pois o fim de um processo administrativo é uma provável condenação ou absolvição pelo Tribunal”.
Uma discussão além da ABCB
O advogado afastou a possibilidade de os escândalos envolvendo a Atlas — empresa que se revelou um esquema ponzi — terem influenciado na decisão. Ele explicou que se trata de uma questão para atender todo o mercado e a concorrência. Não é um caso da Associação Brasileira de Criptoativos e Blockchain (ABCB). “A proposta não é defender alguém mas a concorrência”, declarou Coelho.
Coelho mencionou, portanto, que se trata de uma matéria bastante complexa:
“É difícil saber para onde o caso vai. Segurança institucional, segurança de risco sistêmico, segurança contra lavagem de dinheiro são argumentos que geram uma repercussão social muito grande e que guardam interface com o Banco Central. É um tema sensível e por isso é difícil ter uma visão clara como o Cade vai decidir. Não há convicção de que há um ilícito por parte dos bancos”.
A complicada questão de abuso econômico
Uma outra questão a ser analisada pelo Cade é se houve a conduta unilateral de abuso diante da posição dominante no mercado. Isso, porém, o advogado menciona que somente poderá ser presumido caso a instituição bancária controle 20% ou mais do mercado relevante. Nesse caso, as contas correntes que são insumos essenciais para a atividade econômica das empresas do setor cripto.
“Existem duas formas de haver conduta anticoncorrencial cartel ou de conduta unilateral, ou seja um agente que é grande com 20% ou mais do mercado, um exemplo um banco gigante com 20% ou mais de cotas correntes e ele impede que um outro agente econômico utilize conta corrente que um insumo para ele operar em outro mercado. Se isso é feito de forma a tirar o agente econômico daquele outro mercado que seria de corretagem de criptomoedas isso poderia ser considerado um ilícito competitivo olhando o art. 36 da Lei 12.529/11”.
Nesse ponto, Coelho suscitou que há investigados de todos os tamanhos no inquérito e alguns deles não possuem a posição dominante por não comporem 20% do mercado.
“São vários agentes no mesmo pacote. O Cade seguindo à frente pode recortar e decidir que Inter e Sicredi, por exemplo, não fazem parte e condenar apenas os demais”.
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