Plano de previdência em Bitcoin ganha força nos EUA, mas falta de normatização pode emperrar adoção no Brasil

Maior administradora dos Estados Unidos incluiu a criptomoeda em seu plano de aposentadoria; no Brasil, Fenaprevi disse que os planos de previdência não podem aderir aos criptoativos.

As criptomoedas estão no olho do furação em mais um debate acalorado nos Estados Unidos, polêmica que começou em março, quando o Departamento do Trabalho dos EUA (DOL) divulgou orientações regulatórias para tentar barrar as administradoras de incorporarem o Bitcoin (BTC) e outras criptomoedas na opção dos planos de aposentadoria 401 (k), criado em 1978 pelo congresso do país da América do Norte autorizando um plano previdenciário com menos impostos para funcionários de empresas privadas, nome que ficou popularmente conhecido por estar contido na seção 401 e no parágrafo “k” do Código de Receita Interna (Internal Revenue Code). 

No Brasil, a eventual adoção do Bitcoin por administradoras de planos de previdência privada ainda deverá esbarrar na falta de normatização, uma vez que as resoluções existentes, uma delas editada em março deste ano, não preveem alocação de criptomoedas para os planos de previdência complementar, segundo a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi). 

“Em um plano de contribuição definida, como um plano 401(k), o valor final da aposentadoria de um participante depende do desempenho do investimento realizado por meio das contribuições do empregado e do empregador… os fiduciários responsáveis têm a obrigação de garantir a prudência das opções [de investimento] de forma contínua. Neste estágio inicial da história das criptomoedas, o Departamento tem sérias preocupações com a prudência da decisão de um fiduciário de expor os participantes de um plano 401(k) a investimentos diretos em criptomoedas, advertiu o DOL por meio de um comunicado.

Em artigo publicado no início de maio, o senador republicano Tommy Tuberville disparou contra o que qualificou como uma orientação exagerada do governo do presidente Joe Biden em relação à adoção de criptomoedas nos planos 401 (k) e que o Departamento do Trabalho busca “impor uma nova carga regulatória maciça aos fiduciários do plano 401(k).” 

“É por isso que hoje estou apresentando a Lei de Liberdade Financeira.
Meu projeto de lei proibiria o Departamento do Trabalho de emitir um regulamento ou orientação que limitasse o tipo de investimento que os investidores autônomos da conta 401(k) podem escolher por meio de uma janela de corretagem. Além disso, o ato tornaria inofensivos os tomadores de decisão de um plano 401(k) que autorizam os poupadores de aposentadoria individuais a autodirigir suas escolhas de investimento usando uma janela de corretagem”, disse o parlamentar em um artigo publicado pelo CNBC. 

A ação do órgão do governo e a reação do senador acontecem na esteira  da inclusão do Bitcoin nos planos de aposentadoria 401 (k) da maior administradora de planos de previdência dos Estados Unidos, a Fidelity Investments, no limite de 20% dos aportes. 

“As criptomoedas são promovidas como investimentos inovadores que oferecem aos investidores um potencial único para lucros enormes, o que pode atrair participantes inexperientes com grandes expectativas de altos retornos e pouca apreciação dos riscos… a nova oferta permitirá que os funcionários que estejam confortáveis com os riscos e a volatilidade da criptomoeda invistam em bitcoin por meio de uma conta de ativos digitais dentro da linha principal de seu plano 401(k)… para garantir segurança em nível institucional”, argumentou a administradora em comunicado.

De quebra, a Fidelity antecipou que a maior companhia de análise e inteligência de mercado, a MicroStrategy, empresa de capital aberto listada na Nasdaq e famosa como “a maior acumuladora de Bitcoins”, planeja oferecer a opção aos seus funcionários ainda este ano. Informação que foi confirmada em um comunicado da  MicroStrategy assinado pelo presidente da empresa,  Michael Saylor:

“A MicroStrategy espera trabalhar com a Fidelity para se tornar a primeira empresa de capital aberto a oferecer aos seus funcionários a opção de investir em Bitcoin como parte de nosso plano de previdência. A parceria com empresas como a Fidelity, que estão inovando em Bitcoin para corporações é importante para nós, assim como promover o desenvolvimento do ecossistema bitcoin para investidores institucionais.”

Ao  jornal USA Today,  o consultor de investimentos e fundador da Bridgeriver Advisors,  Dan Casey, desdenhou do otimismo da  MicroStrategy dizendo que “acho difícil de acreditar,  muitos empresários que conheço não querem [o Bitcoin] porque são responsáveis.”

Ainda que possa ganhar força com a possibilidade da regulamentação do marco regulatório das criptomoedas, a possibilidade de planos de aposentadoria complementar adotarem o Bitcoin e outros criptoativos ainda não demonstra força no Brasil.

Ao Valor, o advogado especialista em Direito Tributário Samuel Gaudêncio,  sócio do Gaudêncio Advogados, com atuação no Brasil e nos EUA, disse que a polêmica envolvendo a regulamentação ou falta de regulamentação, assim como a volatilidade do Bitcoin, é algo sem sentido, porque fundos de pensão dos Estados Unidos com US$ 495 bilhões sob sua gestão várias vezes perdem investimentos e até a renda fixa tem risco, porque é afetada pela inflação. 

O diretor financeiro e de investimentos da BB Previdência  Edson Chini acrescentou que ainda não vê possibilidade da utilização de criptoativos para planos de aposentadoria ao frisar a questão da volatilidade e falta de lastro convencional. 

Edson Chini disse também que a resolução a nº 4994 do Conselho Monetário Nacional (CMN), referente a aplicação dos recursos garantidores dos planos geridos pelas Empresas Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) não trata diretamente de alocação de criptoativos e que, embora haja a possibilidade de um eventual entendimento da entidade favorável aos ETFs (Exchange Traded Funds), fundos negociados em bolsa, seria necessária uma discussão mais ampla sobre o tema.

A  Fenaprevi, porém, descartou a possibilidade argumentando que as seguradoras seguem a resolução 4993 do CMN, do final de março deste ano, que não permite esta aplicação. Isso porque a norma é omissa em relação às criptomoedas, uma vez a normativa delimita as modalidades para aplicação de recursos em planos de previdência, elencadas no artigo 7º, que diz: 

“Art. 7º Observadas as limitações e as demais condições estabelecidas neste Regulamento, os recursos somente poderão ser alocados nas seguintes modalidades: I – renda fixa; II – renda variável; III – imóveis; IV – investimentos sujeitos à variação cambial; e V – outros.”

Ainda na resolução, as especificações de ativos de renda variável e de “outros” não são mencionados qualquer espécie de criptoativo, tampouco o Bitcoin.

Na Câmara dos Deputados, o relator do marco regulatório das criptomoedas, pautado em regime de urgência, sinalizou que vai rejeitar os destaques apresentados pelo Senado ao Projeto de Lei 4401/2021, que busca regulamentar o setor. Enquanto a indefinição permanece no Congresso Nacional, uma plataforma de investimentos anunciou que vai tokenizar um prédio em São Paulo e negociar os criptoativos no exterior, em um país com legislação “favorável às criptomoedas”, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil

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