‘Importante primeiro passo’: advogados comentam aprovação do Marco Legal das Criptomoedas
Ausência de segregação é lacuna que deixa investidor vulnerável, mas segurança jurídica para investidores institucionais é ponto forte
O Projeto de Lei 4401/2021, que prevê a regulamentação do mercado de criptomoedas no Brasil, foi aprovado ontem (29), na Câmara dos Deputados. A segregação entre o patrimônio das exchanges e de seus clientes, tida como questão importante, ficou de fora da versão aprovada. Agora, a proposta segue para veto ou sanção do presidente.
A criação de regras para o mercado cripto tem dois importantes objetivos: criar segurança jurídica para a entrada de capital estrangeiro; e a proteção do investidor deste mercado. O Cointelegraph Brasil ouviu advogados, que falaram sobre a versão aprovada atender, ou não, essas demandas.
“Primeiro passo importante”
O advogado José Domingues da Fonseca, sócio do escritório Firmo, Cardozo Moreira Advogados, avalia que o mercado cripto, como um todo, sai mais fortalecido com a definição legislativa de criptoativos. A definição de conceitos e diretrizes básicas para a regulação do mercado torna o ambiente mais seguro para os investidores institucionais, que prezam por maior segurança jurídica.
“Logicamente, o ingresso de mais investidores, sejam eles do varejo ou institucionais, é sempre um ponto positivo”, acrescenta o advogado.
Tatiana Guazzelli, do escritório Pinheiro Neto Advogados, classifica o texto aprovado como “um primeiro passo importante” para dar mais segurança ao mercado cripto. “Ele traz, principalmente, conceitos, princípios e diretrizes que deverão nortear o mercado de criptoativos”, diz Guazzelli.
Quem também acredita que o texto aprovado torna o mercado cripto brasileiro mais seguro para investidores internacionais é Daniel de Paiva Gomes, sócio do escritório Vieira, Drigo e Vasconcellos. Para as instituições que desejam constituir negócios envolvendo criptoativos no Brasil, o texto aprovado pela Câmara traz normas claras para o estabelecimento de “Provedores de Serviços com Ativos Virtuais” (VASPs, na sigla em inglês).
“Na perspectiva do usuário-consumidor, as exigências que serão aplicadas sobre corretoras de criptoativos, por exemplo, contribuem para também passar maior segurança jurídica aos usuários”, completa Gomes. Ele ressalta, contudo, que a proposta não possui eficácia completa, já que normas deverão ser editadas pelo Banco Central (BC) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Tudo depende do Banco Central
O PL 4401/2021 continua prevendo que as regras para o mercado cripto deverão ser criadas por órgão a ser definido pelo Poder Executivo. O BC é a autarquia com maior probabilidade de ocupar este espaço, com uma possível participação da CVM.
Tatiana Guazzelli, do Pinheiro Neto Advogados, avalia como positiva a escolha de delegar ao Banco Central o estabelecimento de regras para o mercado cripto. “Vale também notar que esse PL não trata dos criptoativos que sejam valores mobiliários. A respeito desses cabe à CVM regulamentar.” Essa regulamentação, chamada de infralegal, é capaz de dar maior segurança jurídica e proteção aos investidores, na visão de Guazzelli.
A complexidade técnica do tema das criptomoedas faz com que Daniel de Paiva Gomes, do Vieira, Drigo e Vasconcellos, concorde com a definição do BC na posição de criador de normas infralegais. Ele acredita que, através do time de especialistas da autarquia, serão criadas normas mais “aderentes à realidade do mercado cripto”.
Já José Domingues da Fonseca, do Firmo, Cardozo Moreira Advogados, vê com cautela o texto e acha preocupante a delegação do BC como entidade criadora de normas.
“Qual será a postura do órgão regulador? Presumindo que o BC seja o órgão regulador, a regulação proposta será mais parecida com a regulação do mercado de adquirência dos anos 2010 até 2016, onde as empresas tinham mais flexibilidade conforme o número de transações ou o volume que processavam? Ou o BC vai propor uma regulação mais parecida com o mercado de adquirência atual, onde o capital social mínimo para uma Instituição de Pagamento é de 1 milhão de reais?”, indaga.
Dependendo da linha de atuação escolhida pelo Banco Central, a inovação do mercado de criptomoedas pode ser prejudicada, diz Fonseca. Ele menciona como exemplo a BitLicense, licença obrigatória a empresas que desejam oferecer serviços com criptoativos no estado de Nova York, que não é bem vista pela comunidade cripto. “Se a regulação apresentada pelo BC tiver um espírito restritivo, teremos um conjunto de regras mal feito.”
E a segregação?
Um ponto importante que foi deixado de fora do PL 4401/21 é a segregação patrimonial. Os recentes acontecimentos envolvendo a FTX ressaltaram a importância deste dispositivo para resguardar os criptoativos de usuários de exchanges.
No dia 17 de novembro, o Cointelegraph Brasil publicou uma matéria sobre a aprovação do PL 4401/21 sem a previsão de segregação patrimonial. À época, Tatiana Guazzelli disse que uma alternativa válida para acrescentar a segregação patrimonial no mercado cripto brasileiro poderia ser através de norma criada pelo Banco Central.
Daniel de Paiva Gomes também acredita na possibilidade do BC regrar a obrigatoriedade de separação do patrimônio da exchange e de seus clientes. Ele pondera, no entanto, se a autarquia federal poderá disciplinar, de fato, sobre o tema.
Embora acredite que a segregação patrimonial, sozinha, não traga a segurança necessária para o usuário, José Domingues da Fonseca afirma que seria um “excelente avanço”. Além disso, para Fonseca, a ausência deste ponto na lei ainda deixa os usuários vulneráveis. “Considerando os casos de insolvência que temos presenciado no mundo, isso não é nada agradável”, conclui.
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