Unick: um ano depois, vítimas de suposta pirâmide financeira perdem esperanças de receber dinheiro de volta
Investigado como um dos maiores esquemas de pirâmide envolvendo criptomoedas do Brasil, o caso Unick acaba de completar um ano. A empresa é acusada de enganar milhares de pessoas em todo o país. E a cada dia que passa, investidores perdem as esperanças de um dia receber o dinheiro de volta.
Maria* é uma trabalhadora, que assim como outros milhares de brasileiros, sonha em comprar a casa própria. Certo dia, ela ficou sabendo através de um amigo, um jeito fácil de fazer o seu dinheiro render mais.
Uma empresa do Rio Grande do Sul chamada Unick, prometia um lucro de 100% sobre o dinheiro investido. Eram diversos planos que se adaptavam ao bolso de cada um.
Maria tinha R$50 mil reais na poupança, dinheiro que economizou a vida inteira. A quantia, no entanto, não era suficiente para comprar a casa que queria.
Para conseguir o dinheiro que faltava, ela investiu todas as suas economias num plano da Unick que geraria um lucro diário de R$ 800.
Aquilo que parecia um investimento espetacular na hora, não demorou muito para ser revelado como um dos maiores possíveis esquemas de pirâmide financeira do país.
Investidora perdeu todo o dinheiro investido na Unick
Maria nunca recebeu de volta o R$ 50 mil que investiu, muito menos o lucro prometido. Ela assiste agora, impotente, o sonho da casa própria se tornar algo cada vez mais distante.
“A sensação é de ter jogada uma vida inteira fora, e ao mesmo tempo, não saber o que fazer. Fica o sentimento de perda, de fracasso, de ter sido feita de trouxa e ver que eles [Unick] tem casa, carro, dinheiro, ouro… tudo a custa do nosso suor. Parece que a gente como ser humano não tem valor algum perante as pessoas.”
E ela não foi a única. A história de Maria ilustra o que 1 milhão de brasileiros sofreram ao investir suas economias na Unick Forex. De acordo com a acusação do Ministério Público Federal, a Unick deve R$ 12 bilhões aos investidores.
A empresa que prometia rendimentos irreais, usava criptomoedas como o bitcoin para gerar os supostos rendimentos.
Ao BeInCrypto, a investidora que prefere não ter seu nome revelado, conta detalhes de como foi atraída ao suposto esquema.
“Eles me mostraram que quanto mais eu investisse, mais eu ganharia. Falavam que eu tinha que ter ambição, que era a minha oportunidade de melhorar de vida. E eu fui.”
Conforme mostra o panfleto acima, Maria tinha contratado os planos ‘Presidente’ e ‘Embaixador’. Assim ela receberia um lucro de R$ 125 mil em 6 meses.
“Eu não recebi nenhum centavo que eu investi e perdi tudo. Fiz dois planos e não recebi nada de nenhum. Eu fiquei muito apavorada.”
Um ano após a Polícia Federal executar a primeira operação que revelou a pirâmide financeira, muitos desdobramentos surgiram de lá pra cá. Relembre o caso.
Unick é investigada pela primeria vez na Operação Lamalai
Em 17 de outubro de 2019, a Polícia Federal executou a Operação Lamalai, que cumpriu 65 mandatos de busca e apreensão contra a Unick. Foram presos nove diretores da empresa no dia, inclusive o seu fundador e CEO, Leidimar Lopes.
A operação confiscou o equivalente a R$ 250 milhões em carros de luxo e imóveis. Além disso, também foi apreendido 1500 bitcoin (BTC) em posse da Unick.
As autoridades estimam que o suposto esquema de pirâmide movimentou R$ 9 bilhões em 14 países diferentes.
A Unick é acusada na justiça pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e a emissão, oferecimento e negociação de valores mobiliários sem autorização legal.
Vítimas seguem lutando na justiça contra a Unick
Em meio às dificuldades em recuperar o dinheiro, os clientes criaram a Associação de Defesa dos Direitos dos Investidores da Unick Forex. Dessa maneira, a ideia é batalhar de forma coletiva na justiça. A investidora que comentamos anteriormente, Maria, faz parte da Associação.
“Não consegui entrar com um processo sozinha na Justiça porque é muito caro o advogado e eu não tenho mais dinheiro algum. A nossa última esperança é a associação. Que a Justiça faça eles pagarem pelo menos o dinheiro que a gente investiu, nem penso mais no lucro.”
E de fato, as batalhas na Justiça são complexas. O advogado Ricardo Kassin, que há anos atua em casos contra empresas acusadas de pirâmide financeira, explica:
“Nenhum procedimento judicial será fácil. É trabalho árduo do advogado, que luta contra a morosidade judicial. Para ter sucesso nestes procedimentos, o investidor deve procurar um advogado o mais rápido possível, já com a documentação em mãos.”
Apesar de toda a burocracia judicial para tentar recuperar o dinheiro, esse não é o único problema. De acordo com a Justiça Federal, não vai ter dinheiro suficiente para ressarcir todos os clientes.
Do R$ 12 bilhões que a empresa deve, foi recuperado apenas R$ 250 milhões. O restante do dinheiro, desapareceu.
Associação prepara ação coletiva contra Unick
A Associação já entrou na Justiça para ser integrada como assistente de acusação no processo criminal. No entanto, o pedido foi negado duas vezes.
O advogado que representa a Associação, Demetrius Barreto, contou à reportagem que prepara uma ação coletiva na esfera cível contra a Unick. De acordo com o advogado, a ação representa 400 investidores.
“O perfil de investidor que hoje está na associação é bem variado. Tem pessoas que investiram valores bem altos e outras que investiram valores baixos, mas que eram a economia de uma vida toda. O que penso que levou as pessoas a investirem na Unick foi um discurso de altos ganhos que era construído sobre uma base bastante convincente.”
A esperança dos clientes da Unick é que o valor apreendido pela operação de 2019, seja distribuído entre eles quando o julgamento for concluído. Entretanto, isso não é certo. A justiça pode determinar que o valor fique em posse da União.
Ex-líderes da Unick seguem com atividades suspeitas em 2020
Dos 9 diretores da Unick que a PF prendeu na Operação Lamalai, nenhum deles está na cadeia. É provável que continuem assim pelo menos até fevereiro do ano que vem, quando as testemunhas de acusação serão ouvidas nas primeiras audiência do processo criminal. Nesse meio tempo, a investigação segue em fase de instrução.
Algumas pessoas que promoveram a Unick no ano passado já voltaram a ativa. Em agosto, ex-líderes aproveitaram a crise da covid-19 para atrair pequenos investidores. Dessa vez, prometendo lucro de até 8 vezes.
Outro caso mais recente foi revelado pelo BeInCrypto em outubro, e mostrou que antigos diretores da Unick lançaram um novo possível esquema. Através de marketing multinível, eles prometem 100% de lucro.
Nunca houve tantos suspeitas de pirâmide financeira no Brasil. Só em 2019, a CVM denunciou 184 casos suspeitos ao Ministério Público.
Nesse cenário, a atenção dos investidores deve ser redobrada nos dias de hoje. Conhecer a empresa na qual você confia o seu dinheiro, e não acreditar em promessas irreais de rendimentos é essencial para que histórias como a da Maria*, não continue se repetindo em todo canto do Brasil.
*nome fictício
O artigo Unick: um ano depois, vítimas de suposta pirâmide financeira perdem esperanças de receber dinheiro de volta foi visto pela primeira vez em BeInCrypto.