Tira-dúvidas sobre criptomoedas no IRPF 2021: entrevista com Ana Paula Rabello

Em conversa com o BeInCrypto, a contadora Ana Paula Rabello tira dúvidas sobre a declaração de criptomoedas e quais são as novas mudanças trazidas pela Receita Federal que os investidores precisam estar atentos em 2021.

Ana Paula Rabello ganhou destaque no mercado cripto nacional com o seu trabalho no blog Declarando Bitcoin e nas redes sociais, onde tira todas as dúvidas que surgem entre os investidores na hora de declarar suas criptomoedas no Imposto de Renda.

Ana Paula Rabello é contadora e atua como perita judicial nos tribunais do Rio Grande do Sul. Com mais de 30 anos de experiência na declaração de Imposto de Renda, Rabello viu uma grande lacuna na disponibilidade de orientações práticas sobre como declarar criptoativos.

Quando aconteceu o boom do bitcoin em 2017, ela passou a receber muitos clientes investidores de criptomoedas. Apesar da obrigatoriedade, os modos de declarar criptoativos continuavam um mistério no país, sem qualquer orientação direta vinda da Receita Federal.

A partir disso, ela fez uma leitura do mercado com base nos regulamentos já existentes para guiar os investidores. Neste meio tempo, Ana acabou se tornando também uma entusiasta do bitcoin e apaixonada pela criptoeconomia, sendo esse o foco central da sua carreira há mais de três anos.

Confira a entrevista a seguir concedida pela contadora Ana Paula Rabello, que serve de complemento e tira-dúvidas para o “Guia completo para declarar criptomoedas no Imposto de Renda em 2021” publicado pelo BeInCrypto.

Qual é o valor mínimo que torna obrigatória a declaração de criptomoedas no Imposto de Renda?

Até sair as novidades da Receita Federal neste ano, o órgão não estipulava quanto era esse valor mínimo. Por isso, na ausência desta informação e por questões de segurança, eu interpretava que todo ativo deveria ser declarado. 

Neste ano a Receita se manifestou. Em um primeiro momento foi R$ 1 mil, mas uma semana depois saiu uma correção e o valor subiu para R$ 5 mil. Dessa forma, a declaração de criptomoedas no imposto de renda é obrigatória se o custo de aquisição for superior a R$ 5 mil.

Entretanto, eu gosto de frisar que mesmo que você tenha menos de R$ 5 mil em criptomoedas, mas está operando e acumulando, é bom declarar. Apesar da declaração por ativo ser feita de forma separada, ao se tratar de tributação, o valor tributado é considerado na soma de ativos por CPF. Por exemplo, se você tem R$ 4 mil em Bitcoin e R$ 2 mil em Ethereum, eu recomendaria declarar.

A Receita informa que até R$ 35 mil, os investimentos em criptomoedas não serão tributados. Esse limite é para apenas uma criptomoeda? Ou ele engloba a soma de todos os ativos? 

Muitas pessoas ainda acham que cada moeda tem um limite de extensão de R$ 35 mil, o que não é verdade. Sempre que a soma das suas criptomoedas vendidas for superior a R$ 35 mil, você perde o limite de isenção e passa a ser tributado pela Receita Federal.

Por exemplo, eu fiz duas vendas de criptomoedas de R$ 20 mil cada uma. Em uma eu tive lucro e na outra, prejuízo. Mas como a soma das duas foi superior a R$ 35 mil, você será tributado.

Aliás, o limite de isenção de R$ 35 mil é mensal. Ou seja, você é isento de pagar imposto sobre ganho de capital enquanto você tiver alienações de até R$ 35 mil.

Eu digo alienações porque vale destacar que não são só vendas, alienações também englobam as permutas. Ou seja, nas trocas de criptomoedas também tem incidência de imposto

Um trader, por exemplo, que faz cripto-cripto. Ele vai declarar o saldo final dessas criptomoedas na sua declaração de bens. Mas o fruto dessas operações cripto-cripto dele, exigem que ele tenha um controle de estoque de suas movimentações e apure mensalmente se teve resultado. E aí, se teve resultado e se ele foi acima de R$ 35 mil de alienações no mês, ele pagará imposto.

O que muda no processo de declaração de criptomoedas no IR para os investidores que negociam em exchanges estrangeiras?

Para imposto de renda, não importa se você negocia em uma exchange nacional ou internacional. Você como pessoa física é obrigada a declarar suas movimentações

É importante diferenciar da Instrução Normativa RFB Nº 1888, onde a sua exchange nacional informa suas movimentações mensalmente à Receita. 

Caso você negocie fora dessas plataformas, em P2P ou exchanges estrangeiras, e caso suas aquisições sejam acima de R$ 30 mil, você como pessoa física é obrigado a informar mensalmente à Receita todas as suas movimentações, assim como determina a IN nº 1888. Portanto, é um processo diferente da declaração do Imposto de Renda. 

Neste ano, a receita passou a exigir que o investidor informe em qual carteira cripto ele armazena seus ativos. É obrigatório fornecer essa informação? O que acontece a quem omití-la?

Isso é novo. No perguntão de 2021, a Receita Federal se manifesta dizendo que o contribuinte informe o endereço dos ativos. Se exchange, o nome e CNPJ do custodiante, e se carteira, qual o seu modelo, por exemplo, se é uma Legder, Trezor, etc.

O perguntão é uma orientação da Receita Federal de como ela entende que a declaração seja feita e pede que você informe a carteira na descrição. No entanto, o fato de você não dizer a carteira não vai te levar à malha fina. Vai no máximo fazer que um fiscal, em uma análise, te questione. 

É uma questão em aberto, se meus clientes não quiserem informar a carteira eu vou respeitar e não colocar, porque tenho certeza que ele não cairá na malha fina por não trazer essa informação no IR.

Hoje que tipo de cruzamento eles fazem: se vem uma IN de uma exchange nacional dizendo que você tem tal um saldo X, mas você informou que tem um saldo Y, ou nem sequer declarou. Isso sim pode vir a ser um objeto de malha fina no futuro, não está sendo feito ainda mas foi criado com esse intuito.

Se comprar uma moeda em uma exchange brasileira e enviar a mesma moeda para exchange estrangeira, pago imposto? Precisa declarar movimentações de cripto em cripto? 

Trocas entre exchanges não pagam imposto porque é uma mera troca de saldo entre endereços, não há um fato gerador de imposto neste tipo de movimentação. Agora, as trocas de cripto em cripto precisam ser declaradas, porque não são permutas, como dito anteriormente.

O contribuinte pode declarar no Imposto de Renda ano-base de 2020 as aquisições dos anos anteriores?

O investidor pode retificar as declarações dos últimos cinco anos. Vale lembrar que na retificação, o valor informado precisa ser o do período de aquisição do ativo. Digamos que você tenha um bitcoin de 2017, que antes tinha um valor X e hoje tem um valor Y. Para você declarar esse bitcoin agora, o certo é você ter em mãos um comprovante da aquisição que demonstre o preço que você pagou pelo ativo na época, uma vez que o custo de aquisição cobrado na declaração, é o custo do momento que o ativo foi comprado.

Mesmo que as criptomoedas em sua posse sejam antigas, é preciso declará-las. Isso porque em algum momento você irá colocar essa moeda de volta no mercado e quando você realizar essa venda, você terá uma venda sem origem declarada no patrimônio. Essa falta de origem pode trazer problemas em bancos, exchanges, e na própria Receita Federal, uma vez que você terá uma variação patrimonial ativa.

Quando o bitcoin ou outra criptomoeda é vendida e o contribuinte obtém lucro, como deve ser feita a declaração?

Os impostos sobre os investimentos em criptomoedas devem ser apurados por meio do Programa de Apuração de Ganhos de Capital (GCAP).

A declaração do Imposto de Renda é feita uma vez por ano. Mensalmente, quando você vai apurar seu imposto e suas alienações são superiores a R$ 35 mil, você tem que fazer o GCAP (Ganhos de Capital). Esse GCAP você fará todo mês através dele, você vai gerar o DARF e pagar o imposto mensal.

O pagamento do imposto é mensal, ele vence no mês seguinte à ocorrência do fato gerador. Teve lucro em março, por exemplo, esse imposto vai vencer em abril.

Você vai importar o GCAP para a sua declaração do ano que vem. Ou seja, quando você for declarar para a receita, você vai informar os seus GCAPs do ano inteiro da declaração. Mas o imposto já venceu mês a mês, ou seja, você vai fazer o GCAP todos os meses. O Carnê-Leão aqui não se aplica.

Neste ano, a Receita Federal criou três novos códigos específicos para cada tipo de criptomoeda declarada. O que muda com isso?

A receita criou essa nova separação por categorias dos tokens mais para levantamento estatístico do que qualquer outra coisa. A tributação continua a mesma ali porque apesar de terem objetivos diferentes, todos se enquadram como criptoativos.

De maneira geral, o código 81 são para declarações de bitcoin, código 82 para altcoins (Binance Coin, Ethereum, XRP, entre outros), e por fim o código 89 é destinado para security e utility tokens. Nesta última categoria entram, por exemplo, os tokens de futebol, tokens de programas de fidelidade, e assim por diante.

Qual é a sua opinião sobre como é feita a tributação de criptomoedas hoje no Brasil? O que precisaria de melhorias?

Tem vários pontos que podem ser melhorados, mas precisamos ter em mente que nem sempre a tributação acompanha a tecnologia. Todos dizem que a tributação da bolsa é super clara, isso porque ela já existe há muito tempo no mercado, diferente dos criptoativos que são uma novidade. 

Hoje ainda faltam definir uma série de questões. Por exemplo, a Receita poderia compensar o prejuízo, o que hoje não acontece e acaba sendo algo injusto aos investidores. Por exemplo, um trader pode ter operado no início do mês, tido lucros com uma alta do mercado e pago imposto. Se no fim do mês acontecer uma queda e ele tiver prejuízo, ele ainda sim precisará pagar as tributações sobre o lucro que teve no início do mês. Isso é uma coisa a ser melhorada e acredito que no futuro será. 

Além disso, é preciso mais clareza sobre algumas informações que muita gente ainda não sabe, principalmente na questão da permuta, como fazer. Muitos acham que entram na exchange com um saldo 5 e saem com 15, então o lucro foi 10. De forma reta, sim, mas se você sentar para calcular vê que não é bem assim. No meio teve as permutas, com entradas e saídas. Ou seja, essa conta reta não existe em cripto. Calcular a permuta acaba sendo algo complexo que muitos não entendem e que a Receita poderia deixar mais claro

Mas dá para notar que estamos evoluindo. Até o ano passado não existiam menções claras sobre a declaração com criptomoedas, e neste ano ganhamos nome, número e turma

Alguém pode ser preso por não declarar suas criptomoedas? 

Se você possui criptomoedas, em algum momento você vai precisar convertê-las para real para comprar as coisas que deseja, não tem como fugir. Você tem que declarar porque um dia seu ativos irão aparecer, e em aparecendo você pode sim acabar sendo enquadrado no crime de sonegação

Na IN nº 1888, por exemplo, a sonegação de informação cobra uma multa gravíssima de 1,5% a 3% sobre o total das transações, além de outras sanções legais. No imposto de renda, a sonegação pode te levar até 150% de multa, aí sim seria sobre imposto. Ambas podem te levar a uma representação fiscal com fins penais.

A prisão de fato pode vir a acontecer, mas não será imediata, afinal, estamos no Brasil. Então mesmo que a sonegação do investidor seja identificada pela Receita, ele sempre terá  um tempo para se organizar. Mas eu não recomendo deixar chegar a esse ponto. 

Fora a questão legal, há também a questão prática. Hoje quem tem um grande patrimônio e acumula criptomoedas por anos, vai em algum momento querer comprar um imóvel, ou um veículo. Se você está em uma situação irregular com a Receita, será muito difícil liquidar suas criptomoedas porque não terá uma plataforma que te aceite. 

Mesmo que o investidor consiga liquidar em P2P e mandar para um banco, o banco vai congelar na hora sua conta. Então é muito difícil hoje você conseguir escapar dessas situações. 

Como os leitores podem encontrar seu trabalho?

Acaba de ser lançada a segunda edição do meu ebook “Como declarar bitcoin e outros criptoativos”. A ideia é todos os anos disponibilizar o ebook para o público em geral para esclarecer dúvidas da declaração de criptoativos no Imposto de Renda.

Tenho também o blog Declarando Bitcoin e Instagram (@declarandobitcoin) onde falo diariamente sobre criptomoedas e as novidades do Imposto de Renda. No canal do YouTube, apresento o “SAC da loira” onde respondo todas as dúvidas dos comentários. 

No meu blog tem uma planilha gratuita que o pequeno investidor de criptomoedas pode baixar e usar como base para fazer sua declaração do Imposto de Renda. 

O artigo Tira-dúvidas sobre criptomoedas no IRPF 2021: entrevista com Ana Paula Rabello foi visto pela primeira vez em BeInCrypto.

Você pode gostar...