A solução para o Dilema das redes sociais
O grande Dilema das redes sociais e do poder das grandes plataformas digitais pode já ter solução.
O docu-drama “Dilema das Redes Sociais” está para os monopólios da internet assim como o documentário “Uma Verdade Inconveniente” está para o tema da mudança climática. Sempre existiram sinais de alerta aqui e ali sobre o poder gigantesco que as grandes plataformas da internet, especialmente Google e Facebook, teriam em mãos se o ritmo de crescimento se confirmasse, e ele se confirmou.
A ambição de organizar “todo o conteúdo do mundo”, que deu origem ao Google, vinha com a promessa quase infantil de “não ser mau”. O problema é que “ser mau” pode ser muito bom para os negócios, especialmente se feito dentro daquelas zonas cinzas, ou nem tanto, das leis, e que pode gerar os maiores valuations do mundo.
Não por acaso, o filme da Netflix foi lançado durante as sessões do congresso americano que espremeram os CEOs do Facebook, Amazon, Google e Apple, e a divulgação do relatório, resultante de 1 ano de investigações, que levou à abertura de um processo antitruste contra o Google nos EUA, sendo que a empresa já foi multada na Europa e nos EUA por essas práticas anti-concorrenciais.
Cada vez mais, passamos a maior parte do nosso dia expostos aos diferentes produtos dessas plataformas digitais. Apesar de parecerem muito diferentes, elas operam a partir de premissas parecidas, e todas têm a capacidade de exercer um tipo de poder completamente desproporcional sobre os concorrentes e os consumidores, ou usuários.
Toda a investigação do congresso norte-americano, assim como exposto no filme da Netflix, falam essencialmente sobre como essas empresas abusam do poder de escolher o conteúdo que será exibido para os bilhões de pessoas que usam seus produtos todos os dias.
Por um lado, a Amazon vende tanto os próprios produtos quanto os de terceiros, funcionando também como um marketplace para outras lojas que vendem produtos próprios ou de terceiros. Com o crescimento da Amazon, ela tem se tornado cada vez mais relevante para potenciais competidores e fornecedores e, ao decidir se exibe ou não o produto de um vendedor, tem o poder de cortar imediatamente quase 100% da receita de lojas concorrentes.
Da mesma forma, o Facebook tem a capacidade de decidir o que cada pessoa verá em seu feed. E com cada vez mais pessoas dedicando cada vez mais tempo às mídias sociais, essas plataformas se tornam capazes de definir a realidade que será mostrada a cada um dos seus usuários individualmente. Isso já foi amplamente utilizado para vender produtos para adolescentes, já elegeu um presidente da maior potência do planeta e está sendo utilizado nesse momento para algum tipo de engenharia social sobre a qual só saberemos no futuro.
A lei de Metcalfe diz que o valor de uma rede, ou de uma plataforma, é proporcional ao quadrado do número de participantes. Isso fica ainda mais claro quando falamos de plataformas digitais, além do valor óbvio de oferecer mais conexões a qualquer usuário, na era da Inteligência Artificial ter acesso aos dados para aperfeiçoar os algoritmos cria uma vantagem muito difícil de ultrapassar para qualquer outra plataforma. IA, em essência, utiliza cada interação para aprender sobre a decisão do usuário. No longo prazo isso cria um modelo cada vez mais acurado em prever as reações de cada usuário a cada conteúdo. Isso é inicialmente utilizado para nos manter cada vez mais tempo conectados à plataforma, afinal essa é a principal métrica nas rodadas iniciais de valuation de um negócio desse tipo, quanto mais viciante melhor.
Aos poucos, os algoritmos passam a ser otimizados também para mostrar anúncios nos momentos certos, aumentando a probabilidade de impacto. Esse é o produto dessas plataformas. O Google usa os dados das nossas buscas para tornar os seus resultados cada vez melhores, como essa é uma brincadeira da quantidade de dados e experimentos, quanto mais usuários, mais dados e melhores algoritmos que atraem cada vez mais usuários e apresentam uma capacidade cada vez maior de rentabilizar esse uso.
Os jogadores que fazem as regras
Plataformas digitais, especialmente as baseadas em inteligência artificial, parecem tender para um monopólio. Se por um lado isso gera, inicialmente, ganhos claros para o consumidor, no longo prazo, a medida que as redes passam de valiosas à imprescindíveis, essas plataformas, muitas vezes já listadas em bolsa, passam a ter todo incentivo para extrair valor dos usuários.
Na prática isso significa uma experiência pior, uso cada vez mais intenso de dados pessoais e limites cada vez mais frouxos em relação ao que pode ser feito para monetizar os usuários. A medida que o jogo vai se tornando simplesmente uma questão de números e valuation, tudo o que importa é melhorar as métricas.
Fonte da imagem: Onezero
No caso das FAGA (Facebook, Amazon, Google e Apple) o tempo da extração chegou. Sim, a Apple é uma empresa de mais de 40 anos, mas o monopólio está na plataforma de distribuição de aplicativos App Store, que tem 12 anos. E talvez, o pior estrago ainda esteja por vir, quando CEOs do Vale do Silício tentarem corrigir os erros dos algoritmos com filtros e censura.
A única forma de corrigir algoritmos é mudar as métricas de avaliação, ou seja, reduzir o foco em receita. A questão de como mudar o algoritmo pode muito bem ser resolvida pelos times de engenheiros em cada uma das companhias, mas a mudança de mentalidade do “mercado” para permitir que a receita seja afetada parece ser o grande empecilho.
Se as plataformas atuais parecem estar num beco sem saída por conta dos processos de governança, um outro modelo que acabe com os problemas atuais é possível. O problema central com o modelo atual é a capacidade de um dos players de controlar as regras de interação no sistema. É como se o árbitro do jogo também pudesse fazer gol enquanto é responsável por definir todas as regras e mudá-las quando quiser. A melhor forma de lidar com isso, é descentralizar o poder, permitindo que os participantes da plataforma também tenham a capacidade de decidir suas políticas. Diferentes distribuições são possíveis, mas a ideia central é buscar um alinhamento de interesses dos atores para um ambiente competitivo e aberto à inovação. Blockchain é a ferramenta que permite que isso aconteça.
Blockchain como solução para o Dilema
Dar capacidade de decisão aos usuários sempre foi a ideia da Steem, rede social em blockchain lançada em 2016, e que recentemente mostrou que sua distribuição incentivos não atingia a distribuição necessária de poder.
O que deveria ser uma rede social descentralizada, acabou se provando centralizada na fundação que detém a maioria dos tokens. Quando essa fundação impôs uma decisão controversa por meio do seu poder de voto, a comunidade simplesmente se organizou e migrou para uma nova blockchain com uma nova distribuição, sem a fatia da fundação.
Essa nova blockchain é a Hive, que já é mais valiosa que a rede original Steem e parece ter acertado no alinhamento de incentivos entre os participantes. Outro projeto é a Voice , a iteração mais recente de rede social descentralizada, projeto do mesmo criador da Steem e desenvolvido pela Blockone, empresa que captou mais de USD 4 bilhões no ICO do EOS em 2017, e tem, portanto, bolsos suficientemente fundos para investir contra as plataformas digitais dominantes.
Lançada no início de 2020 a rede social Voice ainda está em versão beta, aberta apenas para alguns países, que exclui o Brasil. A mecânica é basicamente a mesma da Steem, pessoas recebem tokens em troca de publicar e interagir com conteúdo, e podem usar esses tokens para aumentar a visibilidade dos próprios posts. A ideia é que anunciantes interessados em divulgar seus produtos e marcas geram demanda pelo token, criando,assim, valor monetário para os tokens e utilizado para recompensar pessoas produzindo e interagindo com a rede. Em algum momento, os criadores enxergam a possibilidade de criar um modelo de Renda Básica Universal a partir da distribuição das receitas de publicidade da rede de volta para os usuários.
A grande vantagem de arquiteturas abertas em blockchain é permitir que o conteúdo seja incensurável e possa ser acessado por uma aplicação que define os algoritmos utilizados para montar o feed, bem como os controles de segurança de crianças, alerta sobre conteúdo potencialmente sensível. Elas fazem tudo isso a partir de decisões do cliente e não a partir de algoritmos controlados por terceiros. Isso muda completamente o modelo de negócios dos desenvolvedores dessas plataformas, aumentando a capacidade de levantar capital nas etapas iniciais, através da oferta de tokens para venda, mas diminuindo a capacidade de gerar retornos de longo prazo com estratégias de extração de valor da rede.
O melhor de tudo é que qualquer um pode ajudar isso a acontecer, basta migrar das redes tradicionais, que usam o modelo de atrair-extrair, para esses novos modelos baseados na lógica de atrair-repartir, baseados em Blockchain.