Royalties e NFTs: entenda como esse problema pode impactar a Web3
Especialistas comentam sobre o atual modelo de ‘royalties zero’ e o impacto que o impasse entre criadores e marketplaces pode ter na Web3
O mercado de tokens não-fungíveis (NFTs) tem sido pautado nas últimas semanas pela discussão envolvendo os royalties. O assunto veio à tona quando marketplaces como X2Y2, Blur, LooksRare e Magic Eden tornaram facultativo o pagamento da taxa destinada aos artistas, tirando a principal fonte de renda de quem tem o trabalho criativo por trás das coleções.
Uma batalha entre marketplaces e criadores foi iniciada, e o resultado pode influenciar diretamente nos rumos da Web3. O problema é: ainda não há uma solução clara para o impasse entre os dois grupos.
Mercado de NFTs em guerra
Um relatório publicado pelo DappRadar no início de outubro aponta que o mercado de NFTs encolheu 67% no terceiro trimestre, chegando a US$ 2,75 bilhões negociados. Com a queda nas receitas, que dependem diretamente do volume negociado, as plataformas de negociação tiveram que agir. Foi então que o corte de royalties teve início.
A título de comparação, o OpenSea cobra 12,5% em taxas nas vendas de NFTs feitas dentro da plataforma, dos quais 10% são em royalties. A mesma operação no X2Y2 após a remoção da obrigatoriedade do pagamento de taxas aos criadores custa 0,5%. Sob a ótica de utilização da plataforma, a escolha parece ter sido acertada.
No espaço de um ano, foram negociadas 2.356.807,55 ETH no X2Y2. Mais de um terço deste volume (35,4%) foi negociado nos últimos três meses. Coincidentemente, o X2Y2 removeu a obrigatoriedade de royalties no início de setembro.
Imagem: Volume de NFTs negociados nos últimos 90 dias/NFTGO
Os números em alta foram provavelmente a motivação que outros marketplaces tiveram para tornar facultativo o pagamento de royalties. O resultado, no entanto, foi a formação de um ‘mosh pit’. De um lado estão os usuários interessados em participar de uma comunidade cuja identidade é representada por NFTs, e a existência da comunidade depende da geração de renda por royalties; de outro, os traders que objetivam lucrar ao máximo negociando NFTs, conhecidos como ‘flippers’, representados pelos marketplaces.
Não é só obrigar?
Obrigar flippers ao pagamento de royalties dos NFTs possui uma barreira técnica. O desenvolvedor Juanu, que participou do processo de criação dos NFTs para financiamento do filme “The Infinite Machine”, afirma que os padrões de token do Ethereum ainda não possuem esse recurso.
“A transferência de tokens não está ligada a uma exchange. Para fazer valer os royalties, um novo tipo de padrão deve ser definido antes”, diz o desenvolvedor. Esse novo padrão deve, de alguma forma, permitir que uma negociação de NFT só seja realizada se for identificado o pagamento da taxa do criador. Essa tarefa, entretanto, não é simples.
Leonardo Carvalho, CEO e cofundador da NFTFY, explica que a obrigatoriedade no pagamento dos royalties é fácil de ser aplicada em mercados secundários. Mas os flippers já encontraram formas de burlar algumas das formas de coagir o usuário a pagar royalties. “Não é possível, por exemplo, cobrar royalties em operações P2P, nem em operações de escambo, como seria o caso de trocar um NFT por outro”, exemplifica Carvalho.
O CEO da NFTFY acrescenta que a tentativa de forçar o pagamento de taxas ao criador pode, em alguns casos, tornar o contrato inteligente vulnerável. “Em alguns casos, é necessário ter o controle de administrador do contrato inteligente para garantir o pagamento de royalties. Cria-se então um ponto centralizado e vulnerável.”
As barreiras técnicas apenas agravam o problema, limitando as formas através das quais os players da Web3 podem resolver esse impasse no mercado de NFTs.
O lado positivo
A guerra entre criadores e marketplaces (que tomaram o lado dos flippers), por um lado, foi positiva. Para Caio Barbosa, coCEO da Lumx, o conflito gerado fez com que não só as formas de gerar receita para criadores fosse repensada, mas também a forma como as comunidades se organizam.
“O mercado de NFTs vem de uma fase onde a única fonte de renda dos criadores são os royalties. Parando para pensar, isso é meio contraditório: para que o criador ganhe dinheiro, é preciso que alguém venda o token e deixe a comunidade dele. Na hipótese onde essa é a única fonte de receita, como era o mercado até agora, isso se torna insustentável, e todo esse impasse levantou um alerta no mercado”, avalia Barbosa.
Ao reavaliar o modelo atual, é possível que mais coleções de NFTs encontrem formas de sobreviver aos ciclos de baixa, na visão do coCEO da Lumx.
Uma batalha de sangue
Mesmo que o longo prazo seja promissor para as coleções de NFTs e seus criadores, o momento atual do mercado é classificado como uma “batalha de sangue” por Caio Barbosa. A política de “zero royalties” beneficia apenas os flippers, deixando os criadores sem a única forma de auferir receita com seus tokens.
Além disso, o cenário é agravado pela batalha entre os próprios marketplaces, que buscam reduzir ao máximo as taxas para captar o máximo de negociações, comenta Barbosa.
Leonardo Carvalho, da NFTFY, comenta ainda o bloqueio que algumas coleções impuseram a marketplaces que não obrigam usuários a pagar royalties. Algumas dessas coleções, inclusive, cogitam cobrar o pagamento de royalties através do sistema judiciário tradicional.
“Essa é uma questão completamente fora da visão de Web3. Pessoas e empresas tradicionais barrarem que suas coleções entrem em marketplaces pelo não pagamento de royalties é algo que não pode acontecer. O pagamento de royalties é uma convenção, e não uma obrigação”, comenta Carvalho.
Barbosa, da Lumx, também entende que o pagamento de royalties é um “contrato social” entre os criadores e os membros da comunidade. “Não acredito que é algo que deve ser imposto, e também não acredito que é possível voltar ao modelo onde o pagamento de royalties é obrigatório.”
Ainda sem solução
No caso dos tokens não-fungíveis com alguma vantagem atrelada, a questão dos royalties é mais simples, avalia o coCEO da Lumx. “No caso de um ingresso para um show, é possível limitar o benefício do NFT, que é o acesso, somente a quem pagou royalties ao criador.” Outro modelo mencionado por ele, mas que não é tido como ideal, é o exemplo do marketplace LooksRare: o pagamento de royalties não é obrigatório, mas as taxas da venda são divididas com o criador.
O equilíbrio de um modelo que beneficie os criadores de uma coleção e o marketplace (consequentemente, os flippers) é o caminho, opina Leonardo Carvalho. “A plataforma que conseguir criar atratividade para ambos se destacará no longo prazo.”
De qualquer forma, ambos reconhecem que, atualmente, não existem soluções claras para o impasse criado no mercado de NFTs – cujo desfecho pode impactar a Web3 como um todo.
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