Coordenador do Real Digital nega possibilidade de travamento de saques e promete mecanismo de segurança similar ao da bolsa

Fabio Araújo disse que a CBDC brasileira vai incorporar um mecanismo similar aos circuit breakers das bolsas de valores para eventualmente congelar stablecoins que atravessem problemas pontuais de liquidez.

O Real Digital não terá um dispositivo para congelar os fundos de usuários e travar saques, afirmou o coordenador do projeto da CBDC (moeda digital de banco central) brasileira, Fábio Araújo, em uma reportagem publicada pela Exame na quinta-feira, 9.

Ao contrário do que foi amplamente divulgado nos últimos dias, a partir da interpretação de um artigo de autoria do próprio Araújo, publicado pelo Banco Internacional de Compensações (BIS), o mecanismo de segurança e proteção ao consumidor do Real Digital será inspirado em um sistema utilizado pelas bolsas de valores para interromper momentaneamente toda e qualquer transação em situações extraordinárias de crise, conhecido como circuit breaker:

“Não será possível congelar CBDC nenhuma. O que o sistema pode fazer é congelar uma stablecoin em crise. É o mesmo mecanismo utilizado pela bolsa durante uma crise.”

Araújo acrescentou que o resgate de dinheiro físico jamais será bloqueado e portanto não afetaria pessoas físicas. O que pode haver é o congelamento das transações envolvendo stablecoins privadas específicas da rede do Real Digital:

 “Os limites foram pensados para trocas de Real Digital por uma stablecoin, ou o contrário, de uma stablecoin para o Real Digital. Agora, a troca para o real ‘físico’ poderá ser feita a qualquer momento, sem nenhum empecilho”.

Segundo o coordenador do projeto do Real Digital, houve uma falha de interpretação generalizada de um trecho específico do documento. Acrescentou ainda que se trata de uma versão preliminar do texto, cujo propósito fundamental é justamente o de promover e ampliar os debates sobre o tema. Araújo projetou que as diretrizes técnicas e financeiras da CBDC brasileira devem ser definidas apenas no segundo semestre de 2024.

Recentemente, o Banco Central anunciou o adiamento dos primeiros testes do Real Digital. Inicialmente programados para ocorrer ainda este ano, foram postergados para o ano que vem.

Ainda defendendo-se das críticas que recaíram sobre a proposta do BC, Araújo ressaltou que os sistemas financeiros necessitam de mecanismos de segurança para proteção dos usuários contra ataques humanos ou cibernéticos: 

“Como no caso do Pix, no qual a sociedade solicitou e o Banco Central incluiu determinados limites. Limites diários para saque, por exemplo, ajudam na segurança. Imagine se você é vítima de um ataque hacker. Sem proteção, podem limpar a sua conta.”

Para justificar a implantação de um mecanismo de segurança nos moldes propostos pelo Banco Central, Araújo usou como exemplo o caso do colapso da stablecoin algorítmica TerraUSD (USTC), cuja perda da paridade com o dólar acabou desencadeando uma espiral da morte no protocolo DeFi (finanças descentralizadas) Terra Classic (LUNC). Como resultado, em menos de uma semana, US$ 40 bilhões foram pulverizados do mercado de criptomoedas, causando prejuízos de grande magnitude para muitos pequenos investidores.

“Se fosse uma stablecoin regulada, em um mercado regulado, as negociações seriam interrompidas, o que daria tempo de entender o acontecimento e eventualmente recuperar parte do valor que as pessoas tinham investido”, explicou.

Privacidade

Araújo revelou também que o Banco Central vem realizando estudos para desenvolver um sistema que mantenha a privacidade dos depósitos bancários nos níveis atuais. Uma das principais críticas às CBDCs, especialmente aquelas originadas da comunidade de criptomoedas, diz respeito ao controle total do estado sobre as movimentações financeiras dos cidadãos.

Contudo, Araújo descartou a possibilidade de que o Real Digital incorpore recursos de anonimato e anti-censura de criptomoedas como o Bitcoin (BTC). Segundo o coordenador da CBDC brasileira, tal opção dificultaria o combate a crimes financeiros:

“Algumas pessoas envolvidas com Bitcoin e cripto têm questões ideológicas, eles gostariam de um anonimato total, mas isso dificulta a prevenção de lavagem de dinheiro, de financiamento ao terrorismo. O grau de privacidade que temos hoje garante a possibilidade de combater esses crimes.”

O Real Digital vem sendo debatido pelo Banco Central desde 2015 e deverá ser implantado por meio de soluções apresentadas por empresas privadas durante o Lift Challenger – uma espécie de laboratório para desenvolvimento de produtos, serviços e infraestrutura técnica promovido e supervisionado pelo BC.

A intenção do BC com o lançamento da CBDC brasileira é habilitar um sistema de pagamentos inteligentes baseado em contratos inteligentes, pagamentos voltados à Internet da Coisas e instrumentos de finanças descentralizadas.

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