Por que o Bitcoin está acima dos US$ 10.000?
Grande parte do mercado foi pega de surpresa com a rápida valorização do Bitcoin. Em apenas dois meses ele valorizou de US$ 4.000 para US$ 13.400, mais de 240%. Esse cenário representa um retorno quase parabólico (lembre-se desse termo).
Para entender melhor os motivos que explicam essa alta recente, precisamos fazer uma contextualização.
Gigante com pés de barro
O Bitcoin ganhou notoriedade do grande público e de retail investors (novos investidores) ainda no segundo semestre de 2017. Sua grande valorização ocorreu após o Halving de 2016, que coincidentemente deu início ao ciclo de bull-market, período em que o ativo se beneficia de seguidas apreciações.
O Halving é um choque de oferta, ou seja, ele diminui a taxa de emissão de novos Bitcoins pela metade. O evento ocorre a cada 4 anos e geralmente é responsável pelo início de um grande ciclo de valorização do Bitcoin, chamado de bull-market.
A entrada dos novos investidores dá início a um ciclo de FOMO (Fear Of Missing Out, Medo de perder a oportunidade), elevando radicalmente a demanda pelo ativo no curto prazo. Os ciclos de FOMO são os estágios mais perigosos na trajetória de qualquer ativo, seja ele uma criptomoeda, uma ação ou um imóvel.
Esse perigo pode ser observado quando o medo de deixar de ganhar supera o medo de perder. A ganância e o medo se tornam protagonistas na precificação, é aí que começa o problema. Os ativos se valorizam rapidamente com a ganância e, em qualquer sinal de queda, o pânico toma conta e o mercado faz a correção de maneira agressiva.
Essa entrada de novos investidores em 2017 só foi relevante para mostrar como o mercado de Bitcoin era incipiente. Corretoras, sites e serviços eram praticamente amadores e não conseguiam atender ao alto nível de demanda. Ou seja, não havia uma infraestrutura adequada para receber essas pessoas.
A rede do Bitcoin congestionou, e as taxas de transação subiram significativamente, seguindo o preço. Naquele momento, os sinais de bolha eram claros e, consequentemente, o preço teve uma retração de 70% em 63 dias, resultando em grandes perdas para quem chegou atrasado no ciclo.
Acredito que recessões e retrações sejam comuns e até mesmo necessárias em ciclos, pois são uma forma natural de corrigir os preços e as expectativas do mercado e trazer de volta a racionalidade.
Os ativos que estavam sobrevalorizados voltam para a normalidade, e os investidores, os especuladores e as empresas ineficientes saem do mercado, dando início a uma reestruturação e a um novo processo de amadurecimento.
Foi o que aconteceu com o Bitcoin em 2018. O mercado passou a se reestruturar e buscar um grau de profissionalismo maior. Os fundamentos tecnológicos do Bitcoin amadureceram e começaram a surgir os instrumentos financeiros, como os derivativos, que são essenciais para o funcionamento dos mercados.
Os institucionais e o novo ciclo de 2019
Se a estrada era de terra, ela começou a ser pavimentada. A criação da bolsa de futuros (CME) representou um grande avanço para todo o mercado de criptomoedas com derivativos, que são instrumentos financeiros altamente sofisticados que permitem a transferência de risco entre duas partes.
Há investidores que rejeitam derivativos, o que é natural depois da crise de 2008. No entanto, podemos dizer que, sem eles, provavelmente estaríamos sujeitos à grande volatilidade econômica, ainda maior do que a que temos hoje. Apesar disso, eles oferecem liquidez e maior estabilidade aos mercados mundiais.
A pavimentação dessa estrada, ou o início desse processo, permitiu, mesmo que de forma incipiente, a entrada dos investidores institucionais, que dão ainda mais legitimidade a um mercado completamente novo e desconhecido pela maior parte da população mundial. Além disso, ela abre um precedente para a entrada de uma quantia que era desconhecida no mercado de criptomoedas.
Quanto aos institucionais, não podemos esperar que grandes investidores apertem o botão “COMPRAR BITCOIN” em pequenas corretoras. Eles não operam assim. Os institucionais trazem volume de negociação, liquidez, estabilidade e toda uma infraestrutura já existente nos mercados financeiros.
A migração do volume das corretoras de criptomoedas para as mesas OTC permitiu a acumulação de Bitcoins por parte dos institucionais. É assim que eles compram: silenciosamente, sem fazer nenhum alarde ou grandes movimentações de preço, ao contrário do que muitos acreditam.
Os desbravadores enfrentam as primeiras dificuldades como: custódia, regulamentação e risco tecnológico. Mas essa é uma consequência do aprendizado, que ainda poderá levar alguns anos até que resulte em uma infraestrutura compreensível e aceitável.
Essa estruturação e profissionalização do mercado resulta em maturação e oferece mais segurança aos investidores, atraindo hedge funds (fundos de investimento e pensão e seguradoras) altíssimos, o que movimentaria trilhões de dólares diariamente no mercado financeiro.
O ponto principal é que o rally deste ano é diferente daquele de 2017. Ele é mais maduro e direcionado. No passado, vivíamos no frenesi liderado por retail investors, que compravam tudo que era relacionado a blockchain, mas, hoje, esse movimento é guiado pelo smart-money e agentes mais qualificados.
Diante desses fatores, é compreensível que um Bitcoin valha mais de US$ 10.000. Também não seria incomum se ele voltasse para US$ 6.000 em um mês, porque a sua volatilidade ainda é extremamente elevada, embora venha diminuindo com o passar dos anos.
Além dos investidores institucionais, dessa vez há um risco político-econômico. Em 2017, o mundo parecia viver um período de estabilidade semelhante ao cenário volátil que estamos presenciando hoje, embora já houvesse indicativos de degradação que pioraram ainda mais com o passar do tempo.
Cisnes negros e a antifragilidade Talebiana
Vivemos em um mundo em que a maior potência econômica deve mais de US$ 22 trilhões de dólares americanos. Além disso, no país do Tio Sam, podemos ver uma radicalização do Partido Democrata, guinado especialmente por Bernie Sanders, político que pretende ignorar a situação fiscal americana e operar a economia no déficit.
Do outro lado do Atlântico, os Europeus acumulam dívidas de 100% do PIB e taxas de juros nulas/negativas com crescimento econômico fraco.
O que temos hoje é um apetite por risco, impulsionado pela política de expansão monetária dos últimos 10 anos, que foi aplicada principalmente por bancos centrais na Europa e nos Estados Unidos, com suas baixas taxas de juros e emissão de dinheiro à vontade.
Além de tudo isso, também precisamos lidar com guerras comerciais, Brexit, conflitos do Oriente Médio e uma tentativa de autoafirmação da Rússia, que frequentemente desencadeia conflitos com sérias consequências econômicas e sociais.
Essas incertezas minam a dinâmica econômica e desaceleram o crescimento e os negócios da economia mundial.
Embora uma recessão pareça óbvia e seja esperada, um Cisne Negro ainda poderá surgir, porque jamais saberemos as causas dela, quando ela virá e muito menos os impactos que serão gerados.
Como não sabemos, e nem teríamos como saber, qual será o próximo Cisne Negro, precisamos nos preparar para sua chegada e adotar a postura antifrágil em seus investimentos, focando em ativos que se beneficiam desses cenários e acabam tendo grande valorização.
Ativos antifrágeis se beneficiam do caos provocado por esses eventos extremamente impactantes, apresentado mais ganhos mediante maior estresse econômico. Note que, ao mencionar ganhos, me refiro àquelas valorizações exponenciais que presenciamos no Bitcoin com o passar dos anos.
É assim que chegamos ao Bitcoin, que certamente apresenta muitas dessas características.
Começaremos falando sobre a ausência de autoridade central, ou seja, ninguém pode dar determinações sobre o funcionamento do sistema.
Por mais que os mineradores sejam importantes, eles não têm autoridade sobre o Bitcoin. A tentativa de exercer essa suposta autoridade já foi vista várias vezes, principalmente quando eles tentaram forçar um Segwit 2x, que, se ocorresse, aumentaria a centralização da rede do Bitcoin nas mãos deles.
Obviamente, eles não foram bem-sucedidos, porque não houve consenso entre todos os membros da ampla rede de Bitcoin. O fracasso do grupo de mineradores em alterar as regras de forma unilateral mostra que não existe uma única autoridade ou grupo de pessoas que pode determinar ou outorgar seus próximos passos do Bitcoin. O consenso da rede é necessário e soberano.
O Bitcoin também é escasso. Só existirão aproximadamente 21 milhões de unidades, sendo que 4 milhões já foram perdidas eternamente. A cada 4 anos ocorre um choque de oferta, que reduz a taxa de emissão pela metade. Além disso, são necessários recursos escassos e físicos para a criação deles, o que mostra uma escassez autêntica.
Mas o que impressiona é a eficiência da rede, que permanece sem nenhum ponto de falha ou ataque bem-sucedido há mais de 10 anos, ou seja, a rede está on-line há uma década de modo incessante, sem ataques ou qualquer modificação indevida nas informações registradas nela. Isso é surpreendente, principalmente quando nos deparamos com a criatividade que os crackers possuem para explorar falhas em qualquer sistema ou qualquer rede.
O que motivou a alta do Bitcoin?
Seria pretensioso explicar essa alta como resultado de apenas um fator. A realidade é muito mais complexa do que isso, são inúmeras variáveis interdependentes que resultam nesse desdobramento, que não é muito surpreendente para quem sabe olhar as entrelinhas.
Essa combinação de fatores político-econômicos e o amadurecimento do mercado certamente fizeram com que o Bitcoin se recuperasse neste ano, depois da estapafúrdia correção de US$ 6.400 para US$ 3.100 no final de 2018, que surpreendeu a todos os analistas.
Nesse cenário, o Bitcoin estava subvalorizado e seu preço claramente estava descolado dos seus fundamentos, o que abriu uma oportunidade para uma fase de acumulação para quem quis assumir o risco.
E hoje? O Bitcoin pode estar sobrevalorizado? Diante desses fatores, acredito que não. Existe potencial para valorizar ainda mais.
Ele pode cair logo depois que esse texto for publicado? Com certeza. O curto prazo é extremamente randômico e caótico, o que significa risco elevadíssimo.
Em longo prazo, o Bitcoin tem um grande potencial. Há também quem diga que ele seja o ativo final da humanidade. Não acredito que chegue a tanto, mas, ainda sim, ele será muito valioso.
Por João Paulo Oliveira, fundador da Nox Bitcoin.
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