Pelo Índice Big Mac, valorização do dólar no Brasil já é a maior em 20 anos
Qual é o “preço justo” de alguma coisa? É o tanto que as pessoas estão dispostas a pagar. Se há quem dê R$ 100 mil por uma bolsa Birkin, este é o valor justo de uma bolsa Birkin. Se há quem pague quase R$ 5,50 por uma unidade de dólar, esse é o preço justo de um dólar.
Verdade. Só que mercados não são tão eficientes assim em determinar preços, seja de bolsas da Hermés, seja de ações, seja de moedas. Pense num Big Mac. Se o sanduíche custa R$ 23,90 no Brasil e US$ 5,69 nos EUA, cada “dólar Big Mac” vale R$ 4,20 (pois 23,90 dividido por 5,69 dá 4,20) – bem menos do que o câmbio corrente.
Em outras palavras: se o único produto da economia global fosse o sanduíche do McDonald’s, o dólar a R$ 5,50 estaria bem acima de qualquer coisa que dê para chamar de “valor justo” para a moeda americana.
Por óbvio, não existem apenas Big Macs na economia global. O mundo de verdade é complexo demais para estabelecer um câmbio ideal com rigor científico.
Mas há chutes bem informados. E o mais clássico deles é justamente o Big Mac Index, que The Economist calcula desde 1986.
A ideia da revista Britânica é simplificar o conceito de Paridade de Poder de Compra (PPP). O PPP existe para mostrar se o “poder de compra” de uma moeda está abaixo ou acima do razoável na comparação com alguma outra.
Para verificar o PPP, economistas checam o preço de uma cesta de produtos iguais em dois países diferentes. Vamos lá. Imagine que essa cesta custe US$ 100 nos EUA e 10 mil rublos na Rússia. Se o dólar na Rússia estiver a 100 rublos, legal. Isso significa que tanto em dólar como em rublo a cesta custa a mesma coisa nos dois países. Faça as contas.
Em suma, esse câmbio hipotético indicaria que o câmbio do dólar e do rublo está equilibrado. É assim que se calcula o PPP. E como a moeda central do planeta é o dólar, basta compar qualquer outra com o dólar mesmo e pronto.
O combo do câmbio
Acontece que algum gênio da equipe da Economist percebeu o seguinte: dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola e picles no pão com gergelim vendidos em papelão vermelho funcionam perfeitamente como uma “cesta de produtos” – até melhor, se bobear (uma “cesta básica” dos EUA pouco tem a ver como uma do Brasil; já que o Big Mac é o mesmo produto, sem tirar nem pôr).
A última edição do Índice saiu em janeiro. O preço que a Economist apurou para o Big Mac no Brasil foi de R$ 23,90 (“só o lanche”). O combo, perdão, o câmbio estava em R$ 4,97. Em dólar, por consequência, o preço convertido do sanduíche era US$ 4,80.
Mas de janeiro para cá muita coisa mudou, você sabe. O dólar passou por um tsunami de valorização. Na manhã de quinta-feira (4), mesmo em queda forte, o dólar estava em R$ 5,47, 10% acima daquele que a Economist deu.
Com a moeda americana mais cara, o preço do sanduíche em dólar no Brasil cai. Atualizando os dados do Big Mac Index de janeiro, temos que o valor do lanche foi a ara US$ 4,49, ante os US$ 4,80 de janeiro.
Mais adiante, vamos detalhar os outros critérios que usamos para atualizar os dados. O ponto central é que o câmbio justo pelo Índice Big Mac está 23% abaixo do câmbio de mercado. Isso significa que o real, levando em conta apenas essa métrica, passa pela sua maior subvalorização em 20 anos.
Quem é menos familiarizado com as intempéries do câmbio ao longo da história poderia até perguntar: “Mas não é sempre assim”? Não. Em várias ocasiões o preço do sanduíche do Sr. Ronald McDonald em dólares era o mesmo no Brasil e nos EUA (igual aquele exemplo que demos do rublo, totalmente figurativo). E isso aconteceu em eras geológicas bem diferentes da nossa economia.
Em 2006, por exemplo, o Big Mac custava R$ 6,40. O câmbio estava em R$ 2,30. Em dólar, então, ele custava 2,78. E qual era o preço nos EUA naquele mesmo momento? US$ 2,78.
Aconteceu também em 2015, com o câmbio a R$ 3,15, o Big Mac custava US$ 4,30 tanto nos EUA como no Brasil.
E no Índice que saiu em janeiro de 2020 (antes da pandemia), mesma coisa. Câmbio a R$ 4,14. E lá como cá o preço em dólar era o mesmo, US$ 4,80.
Para esses anos, então, o levantamento da Economist apontava um câmbio equilibrado para o real.
Também houve os anos de desequilíbrio pelo outro lado, claro, com o real supervalorizado. O auge rolou em 2011. Vale até decupar para saborearmos melhor:
- Câmbio em R$ 1,54 (lágrimas de saudade)
- Preço do Big Mac no Brasil: R$ 9,50
- Preço do Big Mac nos EUA: US$ 3,64
- Preço do Big Mac no Brasil em dólar: US$ 6,12
Sim, o sanduíche custava quase o dobro aqui em dólar. Sinal de que cada real podia comprar mais moeda americana do que devia.
Sim, porque dólar barato demais pode ser ótimo na hora de viajar. Vira aquela história que tanta gente contou: “Ficou mais barato ir pra Flórida comprar o enxoval do bebê do que comprar as roupinhas aqui”. Mas quem se trumbica é a indústria nacional. Com tudo o que é de fora ridiculamente barato, não dá para competir. Caso a situação se mantenha por muito tempo, deixa de valer a pena produzir no Brasil. E pobres dos exportadores. Com o real hipertrofiado, ter receita em dólar e despesas em reais é um péssimo negócio.
Agora acontece o oposto, claro.
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Os detalhes do cálculo
Há imprecisões no Índice Big Mac. O preço médio nos EUA, de acordo com uma carta aberta do presidente do McDonald’s escrita em maio, é de US$ 5,29 – menor do que a Economist apurou para a edição mais recente do Índice (US$ 5,69), a que saiu em janeiro. E não houve queda no preço. Na própria carta, o CEO Joe Erlinger afirma que os preços subiram – abaixo da inflação americana, mas subiram. O ponto é que a apuração da revista britânica chegou a outro valor.
Só que para calcular qual seria o Índice Big Mac do Brasil hoje, em julho, precisávamos de um valor atualizado para os EUA. De modo a evitar distorções, então, fomos pelo caminho mais simples: atualizar o “valor Economist” pela inflação americana (CPI, o “IPCA” deles). O CPI acumulado no ano está em 2,46%. Atualizamos, portanto, para US$ 5,83.
Para o preço do Brasil também há um fator de distorção. O McDonald’s daqui baixou o preço do lanche – dos R$ 23,90 apurados pela Economist para R$ 19,00. Como não houve deflação no país, o que temos aí é um preço promocional. Considerá-lo tornaria o Índice inútil para uma comparação cambial. Decidimos, então, corrigir os R$ 23,90 que a Economist cravou em janeiro pelo IPCA acumulado no ano (2,84%). Resultado: R$ 24,58.
Coloque esses valores atualizados no liquidificador, misture com o câmbio de R$ 5,47 e o que temos é aquele preço em dólar do sanduíche aqui: US$ 4,40. Como estamos usando aquele preço atualizado para os EUA, US$ 5,83, o câmbio justo sobe um pouco, para R$ 4,21 – ainda assim, 23% a menos do que câmbio de mercado – uma diferença, como dissemos, que não se via desde 2004.
A Economist deve lançar sua versão atualizada do Índice Big Mac neste mês. Enquanto isso, veja os destaques da edição de janeiro. E bom apetite.