Parecer mostra que bancos fecham contas de empresas de criptomoedas por medo de concorrência

Os grandes bancos brasileiros, como Itaú, Bradesco e Banco do Brasil, vêm há meses fechando contas correntes de exchanges e operadores de criptomoedas. Isso acontece porque eles temem a concorrência e querem, eles mesmos, atuar no mercado de criptoativos.

Esse é o resumo de um parecer recebido recentemente pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o CADE, que tem sob sua responsabilidade o processo que deve dizer se os bancos comerciais estão ou não praticando concorrência desleal ao fecharem unilateralmente as contas ligadas ao mercado de cripto.

O parecer, elaborado pelo professor Paulo Furquim de Azevedo, que é mestre e doutor em economia pela USP e coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper, foi desenvolvido a pedido da ABCB (Associação Brasileira de Criptoativos e Blockchain). É da ABCB também o pedido que deu origem ao processo no CADE.

Motivação dos bancos

Vale a pena uma boa leitura no parecer, que pode ser baixado na íntegra, em PDF.

O documento explica de forma básica como funciona o mercado de criptomoedas e como o uso de contas em bancos comerciais ainda é importante para esse mercado.

Em seguida, o texto mostra como o sistema bancário no Brasil possui uma baixíssima concorrência, motivo que torna claro o quanto a revolução das criptomoedas é um bode na sala dos banqueiros. Nas palavras do parecer:

“As transações com criptoativos vêm crescendo aceleradamente e têm potencial disruptivo sobre as atividades de intermediação financeira, podendo vir a substituir alguns serviços bancários e, assim, ameaçar o lucro e a posição dominante de bancos estabelecidos”.

As soluções encontradas pelos bancos, como o parecer explica, são duas, a seguir:

A primeira seria o assassinato do bode, ou seja, o ato de tornar inviável a atuação das exchanges. Com o fechamento das contas, os bancos dificultam, e muito, que mais pessoas cheguem ao mercado de criptoativos, já que ainda é pequeno o número de transações P2P e já que mineração de criptomoedas não é um meio disponível para qualquer pessoa.

A segunda solução é um pouquinho mais maquiavélica: dominar a criação de bodes. Ou seja, os bancos provavelmente terão de trabalhar com criptoativos ou progressivamente perderão mercado.

Neste sentido, o parecer explica que “os bancos têm interesse em postergar o desenvolvimento das exchanges, de modo a proteger a sua lucratividade, e em se posicionar na atividade de corretagem de criptoativos com empresas de seu grupo econômico, a fim de garantir sua lucratividade futura também nesses novos modelos de negócio”.

E o relatório traz ainda outra informação relevante neste sentido. Segundo o texto, o CEO da XDEX, Guilherme Benchimol, recentemente comprada pelo Itaú, reconhece que não resta outra alternativa aos bancos e outras instituições financeiras senão operar no mercado de criptoativos.

Nas palavras do CEO: “É um tema que, confesso eu, era melhor que não existisse, mas ele existe. Nós nos sentimos obrigados a começar a avançar nesse mercado. [ … ] existem três milhões de brasileiros que possuem exposição a Bitcoin, um número superior às 600 mil pessoas que investem em ações”. O relatório informa ainda que a empresa tem metas de ter um R$ 1 trilhão sob custódia até 2020, quatro vezes mais do que o alcançado em 2018.

Vale dizer que o relatório não se restringe a mostrar que os bancos estão praticando concorrência desleal. Ele também desmonta o argumento que os fechamentos seriam ligados à prática de “lavagem de dinheiro”, demonstrando que não existe nenhum padrão nos fechamentos que demonstre esse tipo de verificação.

Porém, vale explicar que um parecer é um documento opinativo, importante para a instrução de um processo, mas que não garante que o CADE vá concordar com seus argumentos ou seguir duas recomendações.

Próximos passos no CADE

Nossa reportagem procurou o CADE para saber como está o processo e quanto tempo deve demorar. Embora não explicite um prazo, a resposta do CADE dá a entender que pode levar ainda meses.

Segundo a resposta do Conselho, o processo mencionado encontra-se em fase de “inquérito administrativo”, que é uma fase “preliminar de investigação com o objetivo de apurar infrações à ordem econômica”. Essa fase possui um prazo de 180 dias, podendo ser prorrogada por mais 60 dias.

Uma vez encontrados elementos que possam indicar práticas lesivas ao mercado, o Cade poderá, após concluída esta etapa, abrir um processo administrativo. Nessa fase, os acusados – no caso, os bancos – serão intimados a apresentarem defesa por escrito, arrolam testemunhas e se manifestam sobre o desejo de produzir novas provas.

Com tudo isso em mãos, a Superintendência-Geral do Cade emite um parecer no qual opina pela condenação dos representados ou pelo arquivamento do processo. Caso haja uma indicação pela condenação dos bancos, o caso seguirá para julgamento pelo Tribunal Administrativo, responsável pela decisão final.

Infelizmente, para quem está ansioso por um resultado, não existe prazo legal para a conclusão de um processo administrativo. Ou seja, se tivermos uma decisão, será lá para o final do ano, se tudo correr rápido.

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