Os bastidores de quem ganhou (ou perdeu) muito dinheiro com bitcoins

São Paulo – O analista de investimentos Paulo, 27 anos. o designer publicitário Marco Antônio, 34 anos; e o supervisor comercial Carlos, 32 anos, têm uma coisa em comum: investem em bitcoin.

Marco, Paulo e Carlos se enquadram no perfil da maioria dos investidores em criptomoedas: são homens (91%) que vivem na região sudeste (42% moram em São Paulo e 10% no Rio de Janeiro) e têm entre 26 e 40 anos (70%). O dado foi retirado de um levantamento recentemente feito pela startup GuiaBolso, com base em dados bancários de 1.329 usuários que realizaram transações com criptomoedas de suas contas em bancos para as chamadas exchanges (bolsas de negociação de moedas virtuais),

A fintech mostra ainda que quase metade desses aplicadores (48,6%) têm renda maior do que 8 mil reais, e que, em média, eles têm perfil de trader: compram e vende moedas virtuais rapidamente, para ganhar com a oscilação do mercado. De janeiro a julho deste ano, eles investiram em média 3.197,11 reais por mês e resgataram, por mês, 3.747,33 reais, em média. É um valor tão grande quanto o que esses investidores aplicam em fundos, previdência privada e poupança, em média.

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Apesar da queda de 60% do valor da bitcoin nos sete meses do levantamento, só a partir de junho é possível ver um reflexo dessa queda no ânimo dos investidores. Tanto os valores investidos como os resgatados caíram um pouco: passaram a ser aplicados 2.378,66 reais e resgatados 5.998,08 reais nos dois últimos meses do levantamento do GuiaBolso.

Os três investidores ouvidos pelo site EXAME confirmam esses números: continuam motivados a investir, acreditando na valorização a longo prazo do ativo. Mas, em alguns momentos, deixaram de investir ou investiram menos, seja por necessidade ou porque o mercado andou “de lado”.

Mas, mais do que isso, eles ensinam lições valiosas para quem está disposto a encarar o mercado. Os que resolveram especular com os (muitos) altos e baixos da moeda, estudaram e se informaram. Os que não tiveram fôlego ou não quiserem ir muito a fundo, tiveram paciência de esperar por uma valorização e, principalmente, fazer vista grossa para as oscilações das moedas.

Todos concordam que investir nesses ativos não é algo para amadores ou iludidos com grana fácil. Muitas vezes, eles citam a palavra jogo ou aposta, e ressaltam a falta de regulamentação das moedas virtuais como um risco que não pode ser desconsiderado.

Conheça abaixo as estórias e estratégias de quem decidiu investir em bitcoin e outras criptomoedas:

Das ações para as criptomoedas

O analista de investimentos Paulo Fernando Braga, 27 anos, aplicou dinheiro em ações por seis anos até que, em agosto de 2017, começou a aplicar 10% do valor de sua carteira de investimentos em criptomoedas, até transferir quase todo dinheiro de outros investimentos para esses ativos. “Não aconselho ninguém a fazer isso, mas me senti preparado. Trabalho com aplicações financeiras e estudei muito antes de apostar nas moedas virtuais. É um mercado como outro qualquer: se não entende, melhor não entrar ou ter, no máximo, 10% da carteira nisso, sabendo do alto risco”, ressalta.

Paulo sempre foi um trader na bolsa, e especulava com o sobe e desce das ações e também com derivativos, um mercado ainda mais arriscado. Ele define o mercado de moedas virtuais como ‘um paraíso’. “Quando conheci mais de perto os ativo, ao fazer um curso na PUC do Rio por indicação de um amigo, fiquei apaixonado. Nunca tinha visto um ativo tão volátil. Em um dia ele pode subir 10% e no outro pode cair 20%. É algo que não acontece no mercado tradicional, e é aí que ganho dinheiro”.

Paulo tem 10% de sua carteira de criptomoedas em ativos de longo prazo, moedas que acredita que tenham potencial de crescimento. O restante dessas aplicações consiste em operações curtas de compra e venda das cinco moedas com maior volume. Para isso, usa o serviço de grandes exchanges globais. “Nas operações, consigo obter, em média, 10% de retorno”. O analista prefere apostar na queda dos ativos. “Alugo, vendo e recompro por um valor menor e devolvo”.

O analista diz não ter dificuldades para conciliar a vida de trader de moedas virtuais com o trabalho em um fundo de investimento de direitos creditórios (FIDC). “Diferente da bolsa de valores, o mercado funciona 24 horas. E é de madrugada que o volume de operações aumenta, porque investidores na China e no Japão estão acordados”. Paulo acorda todo os dias às 5 horas da manhã para realizar operações, mas não tem horário para se desligar do universo das aplicações. “Fico o dia inteiro de olho”.

Paulo diz que investiu aos poucos 75 mil reais nos ativos, e já obteve lucro de 360 mil reais. “Busco sacar 5 mil reais por mês, e parte desse valor reinvisto. Ajuda a pagar despesas e a manter meu estilo de vida”. Seu objetivo, diz, é de longo prazo. “Não pretendo sacar todo o dinheiro para comprar um carro, mas, com um valor maior, quero diversificar metade desse investimento no mercado tradicional”.

Antes de aplicar em criptomoedas, Paulo diz ter tido prejuízo em suas operações na bolsa com as incertezas econômicas e políticas que rodeiam o país. “Isso me incentivou a sair. O mercado de criptomoedas é menos impactado por notícias externas. Lógico que notícias sobre possíveis regulamentações e golpes com as moedas têm impacto, mas é menos frequente do que notícias políticas. Dá para usar apenas gráficos para realizar a maioria das operações”.

Além de investir em criptomoedas, Paulo tem uma reserva de emergência depositada na poupança, e alguns investimentos em renda fixa.

Aplicador desde o início

O designer publicitário Marco Antônio Tagliolaeto, 34 anosDivulgação

Muito antes da maior onda de investimentos em moedas virtuais, já em 2013, o designer publicitário Marco Antônio Tagliolaeto, 34 anos, morador de Jundiaí, na região metropolitana de São Paulo, começou a se interessar pelas moedas virtuais. Em 2013, por conta de um acidente, ele parou de trabalhar porque machucou a mão. Preocupado que poderia não voltar a trabalhar por conta do problema, e precisa de dinheiro, usou metade do dinheiro do seguro que recebeu após o acidente para minerar a moeda. “Na época, não haviam muitas exchanges. O que estava em alta era mineração”.

Com 3 mil reais, ele conseguiu investir em um computador comum com placas de alta potência. Mas, com o tempo, conforme o mercado foi aumentando, o investimento necessário para continuar a ganhar taxas com o registro de operações com moedas virtuais foi aumentando. “Começou a demandar um alto gasto de energia elétrica e hardwares super potentes. Ficou insustentável”, conta o aplicador.

Marco voltou a trabalhar, mas continuou a aplicar em moedas virtuais, comprando e vendendo diariamente. “Com a mineração, cheguei a triplicar o valor investido inicialmente. Daí  reinvesti esse valor nas operações de compra e venda de curto prazo. O que ganho, vou sempre reinvestindo”. O designer especula a alta e a queda de cada tipo de moeda virtual. “Opero convertendo bitcoin em outras moedas e vice versa, dependendo de qual está em tendência de crescimento”.

Para ter sucesso nas operações, Marco fica ligado no noticiário o tempo todo. “Para obter ganhos, geralmente realizo seis transações por dia”.

O designer investe de 2 a 3 mil reais por mês e consegue um lucro que fica, em média, em 20% do valor. “Desde que comecei a investir, estimo que ganhei 20 mil reais. Já consegui rentabilidade de até 40% nas transações”. Marco confessa que tinha uma expectativa muito mais alta de retorno do investimento, e que teve momentos em que pensou em aplicar nas moedas virtuais todo o dinheiro que tinha. “Mas, tanto na valorização como na queda, me segurei. Fiquei negociando aos poucos, observando o mercado”.

Antes das moedas virtuais, Marco nunca havia investido em nada além da poupança. “Nunca passei nem perto da bolsa. Na época em que comecei a investir em bitcoin, me parecia burocrático investir em ações. Para investir em criptomoeda, basta criar uma carteira virtual e movimentar do celular ou tablet. Não tem muita restrição”.

Marco considera o balanço do seu investimento em criptomoedas positivo. Contudo, conta que já caiu em golpes. “Um dia investi 2 mil reais em uma startup de mineração que prometia um bom retorno. Eles sumiram junto com o meu dinheiro”.

Conservador na aposta

Divulgação

O supervisor comercial Carlos Alberto Rodrigues Junior, 32 anos, começou a investir em criptomoedas no ano passado, por indicação de amigos. “Comecei a fuçar sobre o assunto. Não sou especialista em tecnologia, mas também não sou ignorante no assunto. Fiquei um bom tempo apenas simulando investimentos em criptomoedas, sem aplicar um centavo”.

Sua estratégia é simples: comprar moedas e “esquecê-las”, esperando por uma valorização de longo prazo. Como Carlos entrou no mercado quando o bitcoin já havia atingido um valor alto. Então, resolveu diversificar e investir em outras moedas, como a ethereum. “A queda da moeda já foi maior do que o valor que depositei nela, mas acredito na recuperação”.

Ele diz não ter investido um valor alto nesses ativos e, por necessidade, já precisou resgatar uma parte dele. Mas, durante seis meses, foi agressivos nos aportes. “Tudo o que sobrava, eu investia em moedas virtuais”. Atualmente, ele estima que seu saldo seja negativo, mas não se preocupa. “Não fico olhando”.

Carlos tem o pé no chão. “Não acho que esse dinheiro irá mudar minha vida ou vou me tornar um milionário com moedas virtuais. Mas dá para ter rentabilidade. Acredito que seja um pouco aposta, um pouco investimento. Prefiro me arrepender por ter tentado do que não ter arriscado”.

O supervisor comercial já trabalhou em banco, e lembra de ter visto muitos clientes com dinheiro parado na conta corrente. “Muitos me diziam que preferiam deixá-lo ali, porque passaram pelo plano Collor. Mas minha geração é diferente: não viu o plano Collor, é vidrada em tecnologia e quer diversificar”.

Além de moedas virtuais, a carteira de investimentos de Carlos é composta por renda com aluguel de imóveis e outros investimentos com liquidez.

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