Opinião: Está tudo errado com as grandes Startups
Quem realmente é afetado quando um grande negócio falha com seus objetivos?
No último ano observamos a épica história da WeWork, uma empresa que ao formular o modelo de coworking, alcançou o assustador valor de 47 bilhões de dólares. Tudo isso antes do fiasco na abertura de capital e a massiva desvalorização da empresa.
Adam Neumann, responsável pela série de decisões equivocadas e posturas exageradas, recebeu 1,7 bilhões de dólares para deixar seu cargo de CEO. Em seguida, 2400 pessoas foram demitidas para organizar os gastos.
Ainda esse ano, acompanhamos outra empresa que fez muito barulho em pouco tempo, mas que agora foi obrigada a reduzir sua operação. A Grow, empresa resultado da fusão entre Yellow e Grin, anunciou o fim de suas atividades em 14 cidades.
Ambos são exemplos de movimentos que estão se tornando cada vez mais comuns. Empresas que chegam carregadas com investimentos milionários, crescem de forma surpreendentemente rápida e interferem no funcionamento normal das cidades e do comportamento das pessoas.
Ser disruptivo não é uma palavra solta para esses negócios, o objetivo é de fato chegar causando impacto suficiente para que haja a ruptura de algum modelo previamente estabelecido. Com a quebra de paradigma, a empresa se consolida como líder desse novo mercado e recupera o dinheiro investido.
Mas da mesma forma que ações agressivas permitem um crescimento acelerado e um impacto estrondoso, elas também escalam riscos e consequências.
Negócios mexem com a sociedade
A estratégia de forçar a ruptura de um modelo, ao mesmo tempo que a empresa cresce artificialmente com a ajuda de milhões em investimento, dificilmente acontece sem impactos à uma parcela da sociedade.
Em muitos casos são prestadores de serviços e clientes finais que acabam prejudicados. Para um exercício de como esse impacto pode ser grande, se a Uber deixar de operar nos países que atua, veremos uma clara onda de desordem.
No Brasil, por exemplo, Uber precisou tornar o uso de táxi obsoleto. Milhares, se não milhões, de pessoas reorganizaram suas vidas para não ter carro, passaram a morar um pouco mais longe e mudaram costumes pela influência do serviço do aplicativo. Só no Brasil o Uber tem mais de 22 milhões de usuários.
Além dos usuários finais que ajustaram suas vidas confiando na estabilidade do aplicativo, prestadores de serviço deixaram seus empregos ou, por necessidade, tornaram-se dependentes do serviço para sobreviver.
São quase 1 milhão de motoristas que, em caso de falência, estarão sem renda ou emprego no dia seguinte. Em seu anúncio mais recente, a Uber anunciou prejuízo de $1,3 Bilhões de dólares.
A empresa nunca teve lucro.
O mesmo problema acontece com quem vendeu o carro porque poderia trabalhar de patinete ou bicicleta, decidiu que morar um pouco mais longe seria uma boa opção, ou que apenas pela comodidade tornou-se dependente da nova forma de transporte urbano.
Qualquer negócio que, através de grandes investimentos, chega ao mercado com um porte gigantesco, vai prejudicar um bom grupo de pessoas quando tudo der errado. E aqui, vale relembrar que a taxa de sucesso de Startups não é nada alta.
Até mesmo um software em modelo SaaS que chega com alto investimento e arcando com os prejuízos desse crescimento, quando o modelo der errado deixará milhares, ou até centenas de milhares de empresas na mão.
Não existe mágica.
Todo esse ciclo é fruto de um jogo bem diferente que acontece nas relações entre investidores e startups. Investidores buscam resultados, apostaram alto e agora querem sinais de que o investimento está sendo bem aplicado.
Empresas são muito pressionadas por investidores e precisam que indicadores apresentem resultados positivos para que novas rodadas de investimento voltem a acontecer.
O que vemos como consequência é um negócio funcionando para agradar investidores, que olham para os resultados através de alguns indicadores. No meio dessa briga estão os prestadores de serviços e clientes finais.
Isso acaba provocando um efeito colateral forte na relação entre as partes.
Uma reportagem recente também assustou a população ao demonstrar como aplicativos de entrega de comida estavam falindo os próprios restaurantes parceiros e favorecendo o surgimento de Dark Kitchens, cozinhas clandestinas que atuam apenas para entrega através do aplicativo.
Tudo isso mesmo constando no código de conduta da empresa:
Os interesses dos parceiros vêm acima dos nossos interesses próprios.
Empresas como iFood não exigem dos restaurantes nenhuma licença da vigilância sanitária para se inscrever e anunciar nos aplicativos.
É para elevar indicadores e mostrar resultados que a Trivago enganava os clientes ocultando as melhores ofertas e o Uber estava secretamente mostrando tarifas diferentes para motoristas e passageiros enquanto embolsava a diferença. Estima-se que só em Nova Iorque a empresa faturou 7,4 milhões de dólares ao mês com esse esquema.
E claro que sempre fazemos questão de lembrar, se você não está pagando por um serviço, alguém está vendendo seus dados como produto.
Não é mesmo, Zuckerberg?
A busca por um crescimento sustentável
É fácil entender a estratégia de crescimento artificial, mas é difícil negar que existem consequências negativas, tanto para a sobrevivência do negócio no longo prazo, quanto para quem presta serviço através do produto para os clientes finais.
Todo bom empreendedor reconhece a necessidade de realizar testes, identificar um recorte demográfico e ajustar o crescimento da operação. Mas quando o teste é feito para milhares de pessoas na maior cidade da América Latina, qualquer pequena consequência já traz algum tipo de impacto.
É por isso que muitas empresas, inclusive nós aqui no Moskit, acreditamos no caminho do crescimento orgânico.
Cada novo cliente é uma confirmação do modelo idealizado, um sinalizador de que as ações estão de acordo com o mercado e que estamos construindo uma ponte sólida.
Todo principio popularizado pela metodologia de startup enxuta preza por este caminho. Testes pequenos, ajustes rápidos, prejuízos controlados e uma enorme produção de dados para serem analisados e corrigidos na próxima versão.
A Yellow anunciou em agosto de 2018 o inicio de suas atividades. Já em janeiro de 2020, quando declarou o fim das operações em 14 cidades do Brasil, a empresa, que agora se chama Grow, já atendia 17 cidades.
Em pouco mais de um ano, a expansão acelerada denuncia que não houve tempo suficiente para muitos testes. É crescimento a qualquer custo.
Na contra partida de empresas com essa expansão artificial, estão aquelas que sobem devagar, com investimento próprio e muita responsabilidade. Qualquer empreendedor da linha Bootstrap, que custeou a fundação e desenvolvimento da própria empresa, sabe que erros causados por exageros podem ser fatais para o negócio.
Mas infelizmente, o reconhecimento de quem segue esse caminho não é o mesmo. A validação de uma startup, na percepção pública, não é mais conseguir equilibrar as contas e seguir ampliando os lucros.
Hoje em dia, o que importa para a maioria é receber investimento. Queimar o dinheiro até a próxima rodada e seguir assim até que a empresa seja comprada, seja capaz de abrir capital ou acabe desaparecendo.
O que antes era vital para considerar o sucesso e saúde de uma empresa, o lucro, não é o mais importante dentro desse modelo. A busca agora é para ser reconhecida como uma empresa que vale um bilhão, mesmo que isso custe centenas de milhões ao ano em prejuízo.
Em contraste, a empresa que em dois anos tem 30 funcionários, consegue pagar suas contas e ainda tem lucro, não é vista como promissora.
A melhor direção é a do cliente
Observando esses casos icônicos, não é difícil concluir que a busca da maioria dessas empresas segue uma direção, no mínimo, contestável.
A busca por agradar investidores e manipular indicadores faz muitas empresas se voltarem contra quem prometia ajudar, o próprio cliente.
Quando um negócio precisa camuflar as opções que mais favorece seu cliente, seja fazendo com que gaste mais desnecessariamente ou ficando na mão com algum serviço que já se tornou dependente, é difícil acreditar que este é o caminho certo.
Não muito diferente, quando alguém engana o prestador de serviço que confia numa plataforma para desenvolver sua relação com o cliente, este modelo está ferindo as duas partes mais importantes para o negócio.
É óbvio que investimento pode salvar o negócio, alavancar grandes mudanças e impulsionar o desenvolvimento tecnológico. Inovação é importante e muita coisa boa pode sair disso.
A questão aqui é simplesmente entender qual a relação mais valiosa para um negócio e como o crescimento artificial exagerado pode causar impactos perigosos.
Estamos acompanhando um momento bem diferente da história, vemos eventos muito grandes acontecerem muito rápido e, quando falamos de empresas, é inevitável dar um passo para trás e contestar a noção de que crescimento a todo custo é a proposta que melhor adiciona valor à sociedade.
E ninguém está aqui para dizer que buscar crescimento não é bom ou que lucro e dinheiro não são importantes. Claro que é, estamos todos aqui por isso.
Mas quando aceitamos um modelo onde tudo é válido em troca do crescimento acelerado, a situação fica muito perigosa muito rápido. As empresas perdem sua credibilidade pública e acabamos até com a própria saúde em risco.
*Artigo publicado originalmente no Medium e republicado com a permissão do autor.
Sobre o autor
Eduardo Rodrigues é diretor de Operações na Moskit CRM. Também é mentor de startups, atendendo organizações como a Ace (antiga Aceleratech), maior incubadora de empresas do Brasil.
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