O solavanco da Ripple e o suposto efeito cascata: ETH e USDT na vigília da SEC?

Ser entusiasta de finanças descentralizadas e criptoativos é ter compreensão da mola propulsora do ecossistema: a ausência de confiança nas instituições. O debate absolutamente aquecido, se constitui a partir de visões com, talvez, até um certo maniqueísmo, onde uma parte rechaça a regulação e, outra parte, que não vislumbra a necessária harmonia, eficiência e desenvolvimento do setor sem regulação.

A dor da confiabilidade acompanha o processo de amadurecimento do ecossistema desde o início. Legado de uma mídia que se valeu fortemente de notícias negativas que ofuscaram as potencialidades da tecnologia: liberdade financeira e empoderamento social.

A indústria de criptoativos nos EUA é uma das mais consolidadas, acompanhada de um arcabouço regulatório de vanguarda. Embora esteja longe de ser um país com abordagens consistentes por suas principais autoridades e condução legislativa sincrôna pelos Estados, o regulador americano introduziu mãos pesadas no setor.

A consolidação do criptomercado norte-americano, não necessariamente corresponde a um cenário de segurança jurídica ampliada, cujo resultado tem sido a mudança do eixo jurisdicional de grande parte das empresas para países mais arrojados na flexibilização da tecnologia.

SEC e o proeminente risco regulatório

A SEC (“Securities and Exchange Comission”), órgão regulador do mercado de capitais norte-americano, fiscaliza e regulamenta o mercado de valores mobiliários. No Brasil, é o órgão equivalente a Comissão de Valores Mobiliários.

E o que são considerados valores mobiliários? São quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo ofertados publicamente e que geram direito de participação, de parceria ou remuneração, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

A erupção de projetos no setor colidiu com uma série de entendimentos da SEC no sentido de que determinados tokens (criptoativos) eram security (valor mobiliário). Um exemplo foi o DAI (DAO) que em 2017 se viu posicionado no holofote da autoridade que se manifestou no sentido de que o token seria security.

O tratamento como security importa na submissão à uma série de obrigações por parte dos idealizadores. O descumprimento normativo provoca a manifestação do poder punitivo da autoridade, que também exerce esse poder contra quem pratica atos fraudulentos no mercado.
Um mercado livre, competitivo, informado e eficiente, é sobretudo calcado na confiabilidade de seus participantes. Ainda mais para um mercado onde há transferência de recursos e a relação entre investidores e os agentes econômicos deve ser saudável e alicerçada.

O que caracteriza uma security?

Há uma zona cinzenta quanto ao enquadramento de um ativo como security, muito em razão das especificidades de alguns projetos e o fato de os entendimentos não serem tão pacificados, desencadeando longos processos administrativos e judiciais.

Nos EUA, o método mais utilizado na identificação de um security (avaliação construída pela Suprema Corte americana), é o Howey Teste. Sua aplicação foi inclusive absorvida pela CVM em suas análises técnicas de julgamentos importantes no cenário cripto brasileiro.

No Howey Testa se busca identificar a configuração de 6 requisitos:

  • a existência de um investimento;
  • a formalização do investimento em um título ou contrato, independente da forma e natureza; o caráter coletivo do investimento;
  • o direito a alguma forma de remuneração (com valor de mercado mas independente da representação);
  • que essa remuneração tenha origem nos esforços do empreendedor ou de terceiros que não o investidor;
  • que os títulos ou contratos sejam objeto de oferta pública (conceito extremamente genérico).

Há posturas internas no Órgão que visam trazer maior segurança jurídica e de conformidade. A comissária da SEC, Hester Peirce, formalmente criou uma proposta chamada “Token Safe Harbor Proposal”, cujo objetivo é oferecer 3 anos a partir de primeira venda do token, durante o qual os projetos ganhariam um nível de descentralização suficiente para passar pelo Howey Teste, bem como outros parâmetros de análise.

Descentralização é importante pois os protocolos de rede blockchain distribuídos e descentralizados, por suas característica de imutabilidade, não ingerência, protocolo de consenso, ou seja, uma tecnologia desenvolvida para que não aja uma autoridade central, desqualificam os criptoativos nascentes dos protocolos como um título ou contrato de investimento coletivo, nos termos de entendimento atual.

Decorrada da Ripple?

O objetivo não é analisar substancialmente a recente acusação da SEC contra a Ripple, mas elecar os principais pontos e traçar alguns paralelos importantes. As alegações principais consistem em: (i) ter ocorrido a venda de 14.2 bilhões de tokens XRP com um retorno de mais de US$ 1.38 bilhões, dinheiro usado nas operações de expansão da Ripple e enriquecimento ilícito dos fundadores; (ii) manipulação de mercado e assimetria de informação, através do uso de algoritmos para cronometrar a quantidade e o preço das vendas de XRP, bem como pagamentos de incentivos a players do mercado e para exchanges viabilizarem negociação de XRP.

O protocolo da rede Ripple é altamente centralizado, pois a maioria dos nós (nodes da rede peer-to-peer) pertence a Ripple. É essencial também entender o propósito da Ripple: a intenção da empresa é competir no âmbito de rede de pagamentos interbancários, ao lado do SWIFT.
Essa perspectiva foi uma grande força de venda de XRP, uma vez que houve uma intensa projeção e apostas de que no futuro a Ripple se tornaria a principal rede de pagamentos dos Bancos.

A Ripple enfrenta hoje uma crise reputacional e institucional, com diversas exchanges suspendendo as negociações de XRP em suas plataformas.

Ether

ethereum

O ETH, criptoativo nativo da rede blockchain Ethereum (a atual plataforma open source mais utilizada para o desenvolvimento de aplicações DeFi), como qualquer ativo importante, inevitavelmente ingressa na zona de questionamentos quanto à um risco regulatório.

Apesar da sensação de caça as bruxas, o entendimento predominante é de tratar o risco como remoto. Isso ocorre pelo motivo da descentralização da rede, o que já foi reforçado por declarações do Jay Clayton (ex-presidente da SEC) e de William Hinman (Diretor de Finanças na SEC), na direção de que o ETH não se assemelha a um security.

Em verdade, muito se fala na transição de um ativo e em como ele inicialmente pode ser tratado como um contrato de investimento coletivo (e então security), uma que vez que emerge de ICOs (“Initial Coin Offering”). Porém, gradativamente se enraiza como um ativo descentralizado.

USDT

Tether

O USDT também tem despertado insegurança. O USDT é o dólar sintético, ou seja, uma stablecoin lastreada na moeda fiduciária do dólar. As stablecoins de uma maneira geral estão vinculadas a alguma espécie de ativo subjacente, devendo o valor do token estar lastreado em uma reserva desses ativos como garantia.

No que pertine ao entendimento como security, o Grupo de Trabalho do Presidente sobre Mercados Financeiros (PWG), em dezembro de 2020, realizou uma série de considerações regulatórias importantes sobre stablecoins. Não foi descartado o risco de stablecoins serem classificadas como security pelas autoridades regulatórias e/ou outra espécie de ativo sob o guarda chuva de leis americanas, dependendo bastante dos arranjos do projeto.

Ao longo do tempo, o efervescente mercado começou a colocar dúvidas em relação a condução da empresa Tether, empresa responsável pelo USDT, seja na liberalidade para a emissão de novos tokens ou sobre o quão crível era a reserva que a empresa deveria ter como garantia. A insegurança de investidores se potencializou com a ruptura de contrato com a empresa designada para auditoria da Tether.

Tether e Bitfinex também sofrem acusação de manipulação de mercado quanto ao preço do Bitcoin e estão sendo investigadas pela promotoria de NY por suposta fraude referente ao desaparecimento de US$ 850 milhões.

Perspectivas

O ecossistema de criptoativos e seu potencial revolução na economia digital e, sobretudo, na maneira como fazemosa a valoração de liberdade e dinheiro, gera uma ramificação de dúvida e incertezas.

Entendo que a melhor estratégia para quem está inserido no mercado é se munir de informação e não “comprar” o medo desinformado.

Há diversos projetos que caminham com segurança e diligência. A institucionalização do mercado e o crescimento exponencial da indústria de criptoativos reflete que, hoje, há uma comunhão de esforços de todos os lados, objetivando distribuir confiança e permitir que as potencialidades não sejam inibidas por uma centralização excessiva e arbitrariedades. Afinal: money makes the world go round.

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