NFTs: Uma bolha ou uma boa?
No início dos anos 1600, numa época diferente de hoje, quando ainda se causava algum desconforto o fato de se entrar mascarado numa joalheria ou num banco, surgiu a Tulipomania ou Febre das Tulipas. Ela aconteceu durante a Era de Ouro Holandesa, quando aquele país tinha a maior renda per capita do mundo por conta do seu comércio exterior. Com tantas pessoas enriquecendo e com tanto dinheiro circulando, a demanda por artigos de luxo simplesmente disparou, sendo que um dos itens que passaram a ser mais desejados eram as tulipas.
Desde os antigos tempos, a tulipa é venerada pelos persas e pelo império otomano, quando os sultões mandavam que seus alfaiates bordassem os desenhos da flor em suas vestes. Por usualmente nascerem em solo fraco de nutrientes, suas flores coloridas costumam se destacar em meio à vegetação da área. Devido à raridade de algumas espécies, o preço das tulipas explodiu, e, mais especificamente em 1636, alguns espécimes foram negociados por valores gigantescos, chegando a valer mais que uma casa. O mercado futuro de tulipas também acelerou a alta dos preços, já que as pessoas conseguiam negociar as flores sem precisar tê-las em mãos.
Seguindo a lei de Adam Smith, cada vez mais agricultores passaram a cultivar esses espécimes, aumentando significativamente a oferta, ao mesmo tempo que a demanda arrefeceu. O mercado começou a fraquejar e, após um leilão mal sucedido, o pânico e o medo se espalharam, levando ao famoso estouro da bolha em 1637.
11 de Março de 2021 foi um dia histórico para o mercado das artes. A famosa casa de leilões Christie´s, com mais de 250 anos de história, vendeu pela primeira vez uma obra puramente digital, no caso um NFT (Sigla para Non-Fungible Token, ou token não fungível. Um token encriptografado, que representa algo único). Entitulada de “Everydays — The First 5000 Days”, esse arquivo, com extensão JPEG, criado pelo artista Mike Winkelmann — também conhecido como Beeple – foi vendido por impressionantes USD 69,3 milhões. Com esta venda, a Christie´s informou que o Beeple passou a ser considerado um dos 3 artistas vivos mais valiosos do mundo.
Os NFTs parecem ter sido feitos sob medida para o mundo das artes. Por conseguirem tornar um GIF, uma imagem, um vídeo, música ou qualquer arquivo digital num ativo único e facilmente verificado no blockchain, ele resolve o problema da escassez que é o que garante a exclusividade de uma peça. Sendo exclusivo e com posse verificada, esse NFT tem um valor emocional intrínseco às obras de arte tradicionais, o que pode fazê-la subir de valor. Então se temos uma peça única, com registro de propriedade e com possível valorização, invocamos Adam Smith novamente para comprovar que temos um novo mercado.
Apesar de qualquer pessoa poder criar um NFT e de agora existirem marketplaces como o OpenSea, que são dedicados para compra e venda desses criptoativos colecionáveis, muita gente tem criticado esse novo formato de negociação. Seja pelas taxas cobradas, seja pelo retorno incerto para os artistas (afinal as criptomoedas usadas para essas compras são bastante voláteis) ou até mesmo pelo impacto ambiental causado pelo consumo de energia na mineração do Bitcoin, os NFTs ainda terão uma longa trajetória para se consolidar.
Mas é indiscutível que eles estão tendo um excelente novo começo. Novo, porque o primeiro registro de um NFT foi feito em 2012, apesar deles terem ganho popularidade mesmo com a febre dos CryptoKitties, que fez muita gente comprar gatinhos virtuais em 2017. A venda da obra do Beeple certamente catapultará ainda mais o interesse por esta nova sigla.
De tempos em tempos existe uma nova corrida por algum tipo de ativo. Se em 1600 tivemos as tulipas, hoje temos as “tulipas virtuais”. A diferença é que é muito mais fácil produzir um NFT do que uma flor especial. Muita gente ganha (e perde) muito dinheiro nesses momentos, cabe a você saber identificar e não se “emocionar” com essas oportunidades.
Afinal, se o Jack Dorsey, co-fundador e CEO do Twitter vendeu o seu primeiro tweet na rede em um leilão por USD 2,5 milhões, por quanto será que eu poderia vender um NFT do arquivo da minha primeira coluna da Exame? Aceito propostas…