Ministra do STJ vota a favor de Mercado Bitcoin e empata disputa com banco Itaú
O caso entre o Mercado Bitcoin e Itaú Unibanco ganhou uma nova perspectiva no Superior Tribunal de Justiça na terça-feira (11), com o voto da ministra Nancy Andrighi, a qual afirmou que o fechamento da conta corrente se caracteriza abuso de direito por retirar das corretoras de criptoativos a “infraestrutura essencial” para sua atividade comercial.
A 3ª Turma do STJ ainda não decidiu sobre o Recurso Especial 1696214/SP. Com o pedido antecipado de vista do ministro Ricardo Vilas Bôas Cueva, os ministros Paulo de Tarso Sanseverino e o presidente da 3ª Turma, Moura Ribeiro, terão de aguardar para emitir seus votos.
Nesse novo capítulo do Recurso Especial, houve divergência entre o relator Marco Aurélio Bellizze e Nancy Andrighi, quanto a existência ou não de abusividade da instituição ao se cancelar a conta da Exchange.
O Ministro Bellizze já havia se posicionado, desde sua decisão monocrática, de que a atuação do banco Itaú não deveria ser interpretada como prática abusiva.
Nancy Andrighi afirmou, entretanto, que o ato de encerrar “a conta corrente mantida pela recorrente de forma imotivada e unilateral” criou “entraves intransponíveis para o regular exercício de suas atividades comerciais”.
“As contas correntes podem ser compreendidas como uma espécie de infraestrutura essencial sem a qual é impossível a recorrente competir ou mesmo ser economicamente ativa no seu mercado expressivo”, disse a ministra.
Andrighi, apesar de ter votado a favor do Mercado Bitcoin, concorda com o ministro Bellizze de que não se deve aplicar ao caso o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).
A ministra disse que o Mercado Bitcoin “não preenche os requisitos legais para ser considerada consumidora dos serviços financeiros” prestados pelo Banco Itaú.
Pelo entendimento do STJ, afirma Andrighi, o “ato de consumo não visa o lucro ou integração de atividade negocial” e “a conta corrente é nada mais do que insumo para a realização” da atividade comercial do Mercado Bitcoin que “atua com mediação e corretagem de criptomoedas”.
Prática anticoncorrencial
A ministra também acompanhou o relator na fundamentação de que a infração à Lei 12.529/11 (Lei que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência) não foi devidamente pré-questionada pela recorrente, naquilo em que poderia acarretar Defesa da Concorrência, mas isso não fez com que ela desse razão aos bancos.
Quanto a isso, Andrighi recomendou que fosse “encaminhado ao Cade uma cópia desse julgamento para melhor apuração dos fatos descritos como infração à Ordem Econômica”.
A ministra disse que o Itaú apesar de “afirmar não ser concorrente do Mercado Bitcoin no segmento de corretagem de criptomoedas”, a instituição financeira havia mudado “seus planos ao adquirir a XP investimentos, operação que foi aprovada por maioria e sujeita a condicionantes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em 14 de março de 2018”.
Abuso de direito
O fato de o caso não se submeter ao Código de Defesa do Consumidor e não ter havido pré-questionamento de violação à Lei de Defesa da Concorrência, não fez com que Nancy Andrighi concordasse com a rescisão unilateral de conta corrente feita pelo Itaú Unibanco.
“Podemos compreender pela possibilidade de rescisão unilateral, mas que há restrições ao exercício dessa prerrogativa a depender das circunstâncias da situação em concreto”.
Para a ministra a questão envolve a prática de abuso de direito o que não é permitido nas relações contratuais e usou como aplicação ao caso o Código Civil.
A ministra afirmou que as contas correntes são essenciais a manutenção das atividades negociais dessas corretoras e o argumento de que “as criptomoedas” são usadas na prática de crimes não servem como argumento, pois “os mesmos fenômenos podem ocorrer com o aporte da moeda corrente, o real”.
Essa postura de fechar contas por suspeita de ilícitos não se sustenta na visão da ministra. Ela disse que se isso ocorresse, os bancos encerrariam contas de “grandes empreiteiras ou outras empresas flagrantemente envolvidas em esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro como os investigados na Lava jato”.
Sem “Amicus Curiae”
Antes que houvesse a discussão do mérito (de quem tem razão), o ministro relator suscitou uma questão de ordem (forma em que é apontado um procedimento a ser seguido) sobre o pedido de ingresso no caso da Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain (ABCB) como Amicus Curiae.
O relator negou o pedido sob a fundamentação de o caso se limitar apenas entre o Mercado Bitcoin e o Banco Itaú, sendo de “interesse privado” e afirmou:
“Em função disso eu estou entendendo que a participação desses que quiserem ingressar não se faz oportuno até porque se fosse para falar de todo sistema bancário até a Febraban também deveria de falar pela razões que certamente inspirariam o sistema financeiro.”
A turma acompanhou o relator e foi unanime na negativa do pedido feito pela ABCB em atuar como “Amicus Curiae” no processo.
Explicando direito
O termo em latim “Amicus Curiae” significa “amigo da corte”. Esses “amigos da corte” são pessoas interessadas na causa que pedem para participar da discussão junto ao tribunal.
O “amicus curiae” intervém no processo oferecendo argumentos e provas para que uma das partes saia como vencedora. Para que haja essa intervenção, é necessário um interesse na causa. O relator pode, contudo, negar a intervenção desses “amici curiae” (plural no latim) sob a fundamentação de que não há esse interesse geral e que a causa só trata dos particulares envolvidos, como fez o ministro Marco Aurélio Bellizze.
Opinião
Leonardo Ranña, do escritório Leonardo Ranña Advogados, esteve presente no julgamento e afirmou que a “ministra Nancy Andrighi não fechou os olhos para a realidade” e que de fato é “um comportamento claramente abusivo dos bancos”.
Ranña disse que seu cliente Bitcoin Max vem enfrentando o mesmo tipo de problema e que recentemente a corretora se associou a ABCB.
Fernando Furlan, presidente da ABCB, disse que o pedido de vista do Ministro Ricardo Vilas Bôas Cueva é um bom sinal para as corretoras.
Furlan afirma que antes do julgamento eles conversaram e que viu que o ministro “entende da matéria e está preocupado com os argumentos concorrenciais”.
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