Cientista ‘pop’ da Microsoft diz que criptomoedas premiam privilegiados e aprofundam desigualdades
Autor de best-sellers sobre os malefícios da tecnologia e funcionário da Microsoft, Jaron Lanier diz que as criptomoedas são um instrumento para especulação financeira sem utilidade prática no mundo real.
Protagonista do documentário “O Dilema das Redes” (Netflix) e autor de livros críticos aos efeitos nocivos das novas tecnologias, como “Dez Argumentos para Você Deletar Agora Suas Redes Sociais”, Jaron Lanier afirmou em uma entrevista à Época Negócios que as criptomoedas são um instrumento de potencialização das desigualdades as quais supostamente deveriam combater, e que na maioria das vezes seus lucros beneficiam apenas uma casta de privilegiados.
Atualmente, Lanier trabalha como cientista pesquisador na Microsoft, mas seu currículo o credencia como um dos criadores da realidade virtual (VR). Ainda na década de 1980, à frente da VPL Research, ele desenvolveu os primeiros equipamentos capazes de simular ambientes digitais imersivos.
Hoje, no entanto, o escritor e cientista não parece nem um pouco empolgado com o desenvolvimento do metaverso por gigantes da tecnologia, como a Meta, alvo de muitas das suas críticas mais contundentes. Embora reconheça que um dos grandes males das nova tecnologias decorre da concentração de poder na mão de poucas empresas, como a supracitada Meta, o Google e a própria Microsoft, da qual é funcionário, Lanier tampouco se vê seduzido pelas promessas de descentralização da Web3 e das criptomoedas.
Para ele, a alteração do modelo de negócios da Web 2.0, que concede os direitos de propriedade e de comercialização dos dados dos usuários às big tech, é o ponto fundamental para a criação de um ambiente digital mais saudável, produtivo e emancipatório para os indivíduos e para a sociedade como um todo.
Apesar de suas críticas ao modelo atual da internet, o escritor e cientista acredita que os algoritmos que moldam grande parte da personalidade dos cidadãos a partir da manipulação do seu comportamento on-line são fruto da mente de bilionários de visão estreita e limitada – e não necessariamente mal intencionados:
“Apesar de tudo, acho que temos sorte. Os bilionários que nós temos hoje, controlando as big techs, não são tão horríveis quanto poderiam ser. A maioria deles são apenas pessoas de mente pequena, mas não do mal. Mas acho que, se continuarmos seguindo esse modelo, vamos ter bilionários cada vez piores no futuro. Temos que corrigir isso a tempo. Mas, para isso, é preciso criar direitos individuais sobre os dados, e remunerar as pessoas que cuidem dos algoritmos.”
Web3 e criptomoedas
Segundo Lanier, o modelo descentralizado de dados distribuídos em rede proposto pelos desenvolvedores e usuários da Web3 resolve este problema apenas em parte. O cientista enxerga uma certa desconexão entre as redes descentralizadas, com sua promessa de distribuição de riqueza compartilhada sob a forma de tokens que em grande maioria não possuem valor intrínseco, e o mundo real:
“A Web3 quer ser completamente independente, mas não leva em conta que as pessoas vivem em uma sociedade de mercado, onde você tem que pagar o aluguel, e comprar comida, etc. Então ter uma experiência voluntária na rede não resolve. Você vai acabar centralizando a riqueza na mão de quem for o dono da plataforma. E, de novo, vai ser alguém na Califórnia ou na China.”
As criptomoedas também foram alvo das críticas mordazes de Lanier, apesar do cientista ser um admirador confesso da tecnologia blockchain:
“Eu respeito muito a tecnologia, mas não acho que tenha dado certo no mundo real. Porque as criptomoedas premiam apostas, especulações, e não desenvolvimentos no mundo real. Se você coloca dinheiro em um investimento tradicional, banco, ações, startup, esse dinheiro vai trabalhar, construir algo. Investir em cripto é como colocar dinheiro em um colchão, e daí você torce para que alguém venha e pague mais do que você colocou. Mas, no final, alguém vai ficar com um colchão que não vale nada.”
Lanier diz que os investidores que ganham dinheiro através do mercado de criptomoedas e de NFTs (tokens não fungíveis) são parte de uma nova casta, enquanto as “pessoas que perdem dinheiro são as mesmas que perdem dinheiro com outros tipos de investimentos.”
Trata-se de um sistema que, segundo o cientista, precisa ser tão aprimorado quanto aquele ao qual pretende substituir.
Elon Musk
O escritor e cientista também desconfia das intenções de Elon Musk ao propor a aquisição ao Twitter valendo-se de um discurso de defesa à “liberdade de expressão absoluta”. Há certos discursos e opiniões que devem ser censuradas, defende Lanier, como assédio, discriminação racial ou tentativas deliberdas de desestabilizar a sociedade, como a propagação de fake news.
Mais uma vez, trata-se de um efeito colateral da arquitetura equivocada das redes sociais. Defeito este que só se tornou evidente quando já era tarde demais para contê-lo:
“Agora todos sabem que, quando existe um sistema no qual os usuários competem por atenção, ele vai recompensar as piores pessoas, não as melhores pessoas. Então, você cria uma estrutura de incentivo que amplifica os discursos mais prejudiciais. E, quando faz isso, prejudica tantos os indivíduos, que são assediados, quanto a sociedade, que é desestabilizada. E esse sistema tende a promover os piores políticos.”
Ao se referir a líderes despóticos, cuja ação política é inteiramente guiada “pela raiva e por discussões estúpidas”, Lanier menciona o Brasil e os próprios EUA, mas recusa-se a culpar a tecnologia em si. Mais uma vez, o problema é a forma como ela está sendo usada e quem está se beneficiando dela para fins escusos:
“Precisamos lembrar que os algoritmos não são essas inteligências mágicas criadas por alienígenas. Eles são criados e alimentados por seres humanos. Então, é preciso conferir às pessoas a responsabilidade de tornar os algoritmos melhores. Se tivermos um sistema econômico no qual as pessoas são incentivadas e recompensadas para serem contribuidores positivos, teremos algoritmos que funcionam melhor e são menos centralizados. E esse é o futuro ao qual precisamos chegar.”
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