O ministro de Lula que gosta do mercado: governo vai à Faria Lima para financiar infraestrutura
Enquanto o presidente Lula volta e meia resmunga sobre o mercado financeiro, representantes de seu governo batem às portas da Faria Lima. Com uma capacidade de investimentos limitada por asfixiantes gastos obrigatórios, os ministérios tiveram de dar as caras em encontros com fundos de investimentos e bancos para tentar convencer os donos dos cheques de que investir com o governo pode ser um bom negócio.
Não é tarefa simples. Primeiro, porque muitas das grandes – e antes habitués – companhias foram tiradas do circuito pela Operação Lava Jato. Mas também porque Lula não é o mais popular dos políticos entre gestores e empresários.
Para piorar, tem também o contexto econômico. Com a Selic estacionada nos dois dígitos, viabilizar projetos de investimento de prazos muito longos é um grande desafio. Além disso, o juro é um peso para empresas alavancadas (que se endividaram no passado para financiar outros projetos). É o caso de CCR e Ecorodovias. As duas companhias protagonizaram nos últimos anos os principais certames para administrar rodovias. E carregam em seus balanços dívidas que equivalem a mais de três vezes o resultado operacional, o Ebitda.
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Mas não há alternativa. As metas do Ministério dos Transportes incluem 35 leilões de rodovias federais até 2026 e 14 repactuações de contratos, num total de R$ 200 bilhões em investimentos.
Quer saber se isso é muito ou se é pouco? Nos últimos 30 anos, o governo federal fez só 24 leilões de rodovias.
E a pasta ainda estima outros R$ 200 bilhões em concessões ferroviárias para os próximos anos.
“No ano passado havia uma desconfiança [da Faria Lima] a respeito destas concessões acontecerem ou não”, reconhece George Santoro, secretário-executivo do Ministério dos Transportes. “Mas não era desconfiança porque o governo é do PT, do Lula. Acho que o problema foi o histórico do ministério mesmo, de não ter projetos rodando todo ano.”
Aliás, Santoro não é petista. Funcionário público de carreira, é auditor de controle externo do Tribunal de Contas da cidade do Rio de Janeiro e foi secretário da Fazenda de Alagoas entre 2016 e 2022, nos mandatos de Renan Filho (MDB). Mesmo eleito senador, o herdeiro de Renan Calheiros virou ministro do governo Lula 3 e agora repete nos Transportes a parceria com Santoro.
O secretário argumenta que a agenda de concessões se impõe sobre as divergências políticas de um país cindido pela polarização. Citando o chefe, diz que “a infraestrutura une muito porque todo mundo precisa dela”.
“Você pode divergir da preferência por uma ferrovia ou outra, mas todo mundo deseja a ferrovia.”
Para tirar os planos do papel, ministro, secretário e outros funcionários da pasta começaram em 2023 um périplo por bancos, gestoras e fundos de investimentos para entender o que deu certo e o que deu errado nestes últimos 30 anos de concessões federais.
Assim, o governo percebeu que o modelo ideal de concessão, com duração de 30 anos, incluía concentrar os investimentos nos primeiros sete anos do contrato, o que diminui o risco para quem financia. O ministério também percebeu que precisava dar mais transparência ao processo e maior previsibilidade ao pacote de concessões, o que levou à escolha das 35 rodovias e a uma atualização mensal e pública dos projetos.
As iniciativas incluíram ainda uma padronização de editais e contratos de concessão por parte da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), ligada à pasta de Renan Filho. O BNDES também tem exercido papel relevante, assessorando o ministério na formulação dos projetos e colocando em prática sua política de project finance, que é quando um grupo de investidores financia projetos de infraestrutura sem que haja outros ativos dados em garantia.
Nas palavras do próprio BNDES, um modelo fruto da “maior inserção de ideias liberais na gestão pública”.
Nesse contexto, o governo petista desenhou um produto sob medida para atrair financiadores privados: as debêntures de infraestrutura. Consciente da limitação do mercado de capitais local e do alto endividamento das concessionárias brasileiras, o governo mirou nos bolsos mais largos dos investidores institucionais e fundos de investimentos, inclusive os estrangeiros.
Com as restrições impostas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) aos certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs) e imobiliários (CRIs), o “CFO” dos Transportes acredita que os grandes investidores serão naturalmente atraídos para o financiamento da infraestrutura por meio das novas debêntures. Segundo Santoro, hoje as aprovações acontecem em cinco dias – antigamente os prazos chegavam a 90 dias. “Só isso já ajuda na captação.”
Assim, a agenda de Santoro foi se deslocando cada vez mais do Plano Piloto de Brasília para o skyline de São Paulo.
“Semana passada eu fiquei trabalhando na diretoria da Fiesp, cederam a sala de reunião para a gente”, disse ao InvestNews. “A gente faz reuniões dentro do mercado financeiro, praticamente, com o ‘PIB’ do Brasil. E não tem nada escondido, é tudo transparente.”
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Orgulhoso do trabalho, Santoro vai listando as empresas nas quais têm portas abertas: XP, Santander, EPR, Itaú, Genial, Pátria…
Procurados pelo InvestNews, executivos que estão em contato com o governo evitaram se posicionar publicamente.
Houve quem recusasse o convite de entrevista para o InvestNews, por exemplo, temendo que uma avaliação positiva do trabalho da pasta pudesse prejudicar as relações com políticos de outros partidos, especialmente governadores com agendas próprias para concessões – casos, por exemplo, do governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) e de Romeu Zema (Novo), chefe do Executivo mineiro.
Sob anonimato, o representante de uma empresa que disputa concessões reconheceu que o governo federal e a ANTT têm conseguido melhorar os projetos rodoviários e aprimorar a segurança jurídica. Esse cenário de melhora institucional alimentou seu otimismo em relação aos planos do governo.
“É uma carteira grande, há uma dúvida sobre o cumprimento do calendário disso tudo [de fazer todos os 35 leilões até o fim de 2026], mas a minha percepção é de que vai acontecer”, projeta o executivo. “Vai ocorrer exatamente pela necessidade de novos investimentos, em contraste à situação fiscal da União.”