O modelo de previsão de preços Stock-to-Flow do Bitcoin está com os dias contados?

O modelo de previsão de preços mais famoso do Bitcoin, o Stock-to-Flow do analista PlanB, pode falhar em novembro.

O mercado de criptomoedas começou o mês de novembro em clima de euforia. Naquele momento, era difícil encontrar algum analista pessimista com o desempenho do mercado no final deste ano. No centro dessas expectativas, um modelo consagrado aponta para a última etapa de uma bull run que se estende há mais de um ano.

O modelo Stock-to-Flow (S2F) foi criado em 2019 pelo analista conhecido como PlanB, perfil com 1,57 milhões de seguidores no Twitter. Desde então, se consolidou como provavelmente a maior referência do mercado para previsões dos ciclos longos da Bitcoin, que teriam duração de quatro anos, aproximadamente a mesma frequência com que ocorre seu halving.

Imagem: PlanB.

O que diz o modelo?

O modelo S2F parte da tese de que a escassez relativa do Bitcoin é o principal fator determinante de seu preço. O ativo percorreria por isso longos ciclos de quatro anos, pois esta é a frequência de seu halving, componente-chave para determinar essa escassez.

 O halving do Bitcoin consiste na redução pela metade da recompensa aos mineradores por cada bloco, portanto, reduzindo também pela metade a taxa de inflação da moeda. Ao menos desde 2012, esses momentos vêm marcando o início de períodos de alta acelerada, seguidos por fortes quedas que marcaram o início de anos bearish. Essa é a situação já observada em duas ocasiões.

Imagem: Messari.

Após seu primeiro halving, no dia 20 de novembro de 2012, o Bitcoin chegou a uma valorização superior a 9.200%, saindo dos 12 dólares até uma alta histórica de 1.132 USD, em 29 de novembro de 2013. A partir de então, o ativo sofreria uma queda de 86% durante os 13 meses seguintes, chegando recuando até os 172 dólares no dia 13 de janeiro de 2015.

Já após o segundo halving, em 9 de julho de 2016, a bull run terminou com o Bitcoin partindo dos 632 dólares e acumulando um ganho superior a 2.900% até bem próximo dos 20.000 USD no dia 17 de dezembro de 2017. Em seguida, viria uma amarga queda de 84%, levando o ativo a 3216 dólares um ano depois, em 14 de dezembro de 2018.

No ciclo atual, o Bitcoin chegou a romper 700% desde o terceiro halving do dia 14 de maio de 2020 até a última alta histórica acima dos 69.000 USD no dia 10 de novembro. Caso a história se repita, não falta muito tempo para que o verdadeiro topo seja atingido, ao que se seguiria uma queda, possivelmente violenta, que marcaria o início de um período bearish que pode durar até o fim de 2022.

A partir do modelo Stock-to-Flow, Plan B prevê (no pior dos casos) para um fechamento do Bitcoin no mês de novembro em US$ 98.000, e de incríveis US$ 135.000 em dezembro. Como em 2017 a maior alta do Bitcoin chegou justamente no final do ano, uma alta incrível como essa segue perfeitamente possível.

Desde o último dia 10, contudo, as incertezas relacionadas ao possível calote da construtora chinesa Evergrande e à Infrastructure Bill do governo norte-amricano vêm causando apreensão no mercado, revertendo, ainda que temporariamente, a tendência de alta em que o Bitcoin estava. Essa queda decepcionou os otimistas que esperavam um final de 2021 que espelhasse 2017, ano em que a tendência de alta não sofreu nenhuma interrupção relevante. 

Escapando dos velhos ciclos?

Ao contrário do último ciclo, que se estendeu até o final de 2017, neste ano tivemos correções consideráveis, a ponto de alguns analistas sugerirem que este não é um ano de explosão, mas de uma acumulação lenta. Críticos do S2F, sugerem que esse momento é um forte indicativo de que o modelo é falho, e de que estamos passando por um ciclo completamente diferente daqueles de 2013 e 2017.

Para o youtuber Benjamin Cowen, 2021 vem sendo um ano não de expansão, mas de lenta acumulação. O Bitcoin se aproxima do final de novembro com preços no mesmo nível de fevereiro, ao passo que em 2017, o ganho foi de aproximadamente 700% no período. O analista sugere que o ciclo deve continuar adiante em 2022, ou mesmo até 2023.

O contraste entre a explosão do Bitcoin em 2017 e a lateralização de 2021. Fonte: Coinmarketcap.

Já o analista Marcel Burger se coloca desde meados de 2020 como um dos principais críticos do modelo, apontando para a falta de fundamentação estatística centrada em um problema de cointegração entre suas variáveis. Mesmo Vitalik Buterin já se dizia cético do modelo desde a mesma época em um tweet de junho do ano passado.

O mercado passou por transformações radicais nos últimos anos, aliás se reinventar é sua norma. A seguir, estão listados alguns fatores que podem explicar porque o padrão observado em outros anos pode estar sendo rompido.

1. A mineração se tornou menos relevante

Em primeiro lugar, o papel da mineração do Bitcoin tende a se tornar cada vez menos relevante conforme a moeda se aproxima lentamente de sua oferta máxima, e cada vez menos novos Bitcoins são colocados no mercado. Entre o halving de 2012 e o de 2016, o Bitcoin passou por uma inflação acumulada de 50%. No período seguinte, até 2020, foi de 16,6%, enquanto para o período atual que se estenderá até 2024, será de aproximadamente 7%.

Com isso, o Bitcoin vem apresentando uma taxa anual de inflação abaixo de 2%, algo de fazer inveja à maioria dos países, como é o caso do Brasil e atualmente até dos Estados Unidos. E conforme os novos Bitcoins minerados vêm se tornando uma parte cada vez menor do mercado, é de se esperar que esse fator aos poucos deixe de ser preponderante sobre os ciclos da moeda.

Somada a isso, há ainda a tendência à queda de dominância do Bitcoin no mercado no longo prazo. Comparada à capitalização do mercado cripto como um todo, a quantidade de Bitcoins minerados se torna ainda menor em relação à dos ciclos anteriores, conforme ocorre a ascenção das altcoins. 

A dominância do Bitcoin: embora a hegemonia siga incontestável, o ativo já não reina tão absoluto no mercado quanto em seus primórdios.

Gráfico: Coinmarketcap.

Embora essas altcoins tragam sua própria inflação para o mercado, seus ciclos de emissão são bem distintos, o que tende a tornar a inflação mais constante e menos cíclica para o mercado como um todo.

2. O ecossistema cripto é cada vez mais rico

O mercado cripto de hoje, e não apenas o Bitcoin, é radicalmente distinto daquele de outros ciclos. Atualmente há um ecossistema muito mais vasto e capaz de gerar muita riqueza por si só. Hoje, há inúmeras maneiras de ganhar dinheiro com cripto, não é apenas sobre comprar ativos na baixa para vender na alta.

Primeiramente, em 2017 praticamente não existia a DeFi, enquanto hoje há no mercado qualquer serviço financeiro tradicional.  A esses serviços, ainda se somam outros bem menos tradicionais, e a ausência (ao menos em tese) de intermediários torna tudo muito mais rentável para as partes. Hoje o stake de um token pode facilmente proporcionar uma renda passiva inalcançável com qualquer moeda física.

Por outro lado, hoje temos os NFTs, os games play-to-earn, o Metaverso… É verdade que com o crescimento astronômico deste ano, os preços praticados nesse segmento talvez tenham se tornado exagerados. Mas é igualmente verdade que a continuidade da expansão parece inevitável, e uma correção somente aceleraria ainda mais o processo. 

Imagine quantas pessoas começariam a jogar Axie Infinity se o preço de entrada (hoje em torno dos 1000 dólares) despencasse? Uma correção forte desses mercados é tudo o que inúmeros investidores esperam para entrar, e o temor de uma bolha é o que ainda mantém muitos longe.

Com tantas inovações e uma adoção tão acelerada pelo mundo, é difícil pensar que 2022 possa ser um ano tão bearish como o foram 2014 e 2018, ao menos para alguns ativos e setores. A retomada rápida após uma correção brusca não pode ser descartada, assim como a possibilidade de sequer haver uma correção.

3. O mercado amadureceu

Ainda que se acelere neste final de ano, o fato é que a alta atual não foi tão explosiva como as anteriores. A trajetória de longo prazo do Bitcoin, como a de qualquer ativo, sugere uma evolução cada vez mais sutil, com uma volatilidade cada vez menor conforme ele amadurece. 

E o ciclo atual pode estar marcando exatamente esse ponto de virada, com o Bitcoin se mostrando um ativo cada vez mais sólido, hoje chamado até de ouro digital, enquanto o dólar faz o caminho inverso, e luta contra o aumento da inflação. 

Por isso, hoje não há tanto incentivo quanto em 2017 para abandonar o mercado, não é mais tão forte a sensação de que os lucros só seriam concretos quando fossem finalmente convertidos para uma moeda fiduciária. As moedas fiduciárias vêm chegando ao final de cada ciclo mais fracas, e as criptomoedas, mais fortes.

Conclusão

Embora o padrão de ciclos de quatro anos tenha fundamentos para ser rompido em algum momento, é cedo para dizer se o mercado já terá força para escapar a ele no ciclo atual. Não há, portanto, como saber quando chegará o fim o ciclo de alta atual, nem o quão violenta será a correção seguinte. 

Ainda que o modelo Stock-to-Flow não acerte os preços dos próximos meses com exatidão, ainda permanecerá útil caso consiga apontar corretamente uma tendência de alta. Porém, caso isso não ocorra, a imensa credibilidade que o S2F conquistou ficará para trás, junto com a força do halving do Bitcoin para determinar ciclos.

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