Investigadores revelam como criptomoedas são usadas por golpistas e organizações criminosas no Brasil

Avanços tecnológicos proporcionados pelas criptomoedas para transferência de valores financeiros as transformaram em um dos instrumentos preferenciais para movimentação de dinheiro ilícito no Brasil.

Inovações tecnológicas podem ser utilizadas para o bem ou para o mal. No Brasil, golpistas e organizações criminosas estão à frente da legislação e das autoridades policiais e têm se aproveitado das facilidades para gerenciar recursos oferecidas pela tecnologia blockchain e as criptomoedas para movimentar fundos oriundos de atividades ilícitas, relata reportagem do Correio do Brasil.

Um agente da Polícia Federal que preferiu não se identificar por questões de segurança disse à reportagem que “as criptomoedas substituíram os antigos doleiros”. Esses agentes obscuros do mercado financeiro intermediavam movimentações financeiras em dólares através de suas conexões com o sistema financeiro de forma a ocultar a origem de dinheiro sujo obtido a partir de atos criminosos.

Agora, explicou o agente, os criminosos optam por adquirir criptomoedas que podem circular à margem do sistema financeiro através de carteiras não custodiais, devido à descentralização característica à tecnologia blockchain:

“É fácil de transportar, não precisa ser em mala, eles usam uma carteira de ‘hardware’, ou ‘hardwallet’, que parece um pendrive, mas que é capaz de armazenar bilhões de reais em criptoativos, se for o caso. Por ser um ativo digital, ele não respeita fronteiras”.

Embora os dados armazenados em redes blockchain sejam de natureza pública e transparente, o que significa que podem ser acessados e rastreados por qualquer autoridade ou indivíduo, ainda é muito difícil recuperar fundos armazenados em criptomoedas, afirmou à reportagem o major da Polícia Militar do Distrito Federal Maurício Herbert Rodrigues.

Hoje, apenas firmas especializadas no rastreamento de criptomoedas, como a Chainalysis, por exemplo, têm a capacidade de identificar transações e usuários de forma rápida e eficiente. A Chainalysis costuma trabalhar em cooperação com as autoridades globais, mas sua atuação no Brasil ainda é praticamente insignificante nesse sentido.

No Brasil, investigadores e policiais não contam com os especialistas e os recursos necessários para empreender esforços de identificação de transações ilícitas diretamente em redes blockchain.

O major destaca que os esforços para incrementar a capacidade investigativa das forças policiais brasileiras vêm sendo ampliados nos últimos anos. Porém, afirma, ainda estão aquém do necessário para enfrentar a maioria das quadrilhas que utilizam as criptomoedas para movimentar e armazenar recursos ilícitos.

Recentemente, uma investigação da Polícia Federal conseguiu desarticular uma quadrilha acusada de implementar um golpe de pirâmide financeira em Itajaí (SC) que lesou aproximadamente 120 pessoas, acarretando a elas um prejuízo da ordem de R$ 15 milhões.

De acordo com as investigações, a principal empresa envolvida no esquema iniciou suas atividades em 2019 na forma de um banco digital, sem autorização do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Segundo o que foi apurado, o grupo atuava mediante falsas promessas de lucros acima da média do mercado e, com isso, captava recursos financeiros por meio de depósitos em dinheiro e negociação de criptomoedas.

Os suspeitos, que não tiveram os nomes divulgados na ocasião, respondem pelos crimes de organização criminosa, estelionato, lavagem de dinheiro e por crimes contra o sistema financeiro nacional. Até agora, contudo, os recursos não foram rastreados ou recuperados.

PCC

Fontes ouvidas pela reportagem relatam que as criptomoedas tornaram-se um instrumento para movimentação de volumosos recursos financeiros de organizações criminosas brasileiras como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho.

Em fevereiro deste ano, dois integrantes do PCC foram assassinados após o suposto sumiço de R$ 200 milhões em criptomoedas. Segundo investigações da Polícia Civil de São Paulo, Cláudio Marcos de Almeida, conhecido como Django, e Anselmo Fausta criaram um sistema de lavagem de dinheiro envolvendo criptomoedas com empresários do ramo. Quando os líderes do PCC tiveram dificuldade para reaver o dinheiro, ordenaram o assassinato dos dois.

O major Rodrigues sustenta que o montante total que a organização criminosa mantém em criptoativos seria bem maior, pois facilitariam intercâmbios financeiros com outros cartéis internacionais. Ele afirma ainda que o PCC já investiu na formação de integrantes da organização especializados em criptomoedas:

“Não podemos encarar o PCC apenas como um grupo criminoso. Eles já são um grupo empresarial estruturado, com vários setores dentro da organização criminosa. Cooptam advogados para fazer acompanhamento jurídico, tratando de tráfico de drogas e assistência às famílias. O PCC já foi identificado pagando cursos sobre criptomoedas [para aprimorar técnicas de integrantes], com pessoas com passagem pela polícia.”

Além das facilidades para ocultar e movimentar largas somas de dinheiro, a apropriação das criptomoedas pelo crime explora duas lacunas fundamentais: a ausência de um marco regulatório que estabeleça regras claras sobre o funcionamento do setor e a falta de prática das autoridades no combate a atividades criminosas envolvendo criptomoedas, afirma o Major Rodrigues.

Brechas na regulação

Projeto de Lei (PL) 4.401/2021 representa um primeiro esforço da classe política para tentar regular o mercado de criptomoedas no Brasil. No entanto, o PL está travado na Câmara dos Deputados após ter sido aprovado pelo Senado em abril deste ano.

O texto propõe o aumento da pena para crimes de lavagem de dinheiro com o uso de criptoativos e impedirá empresas de operarem no ramo sem autorização expressa das autoridades competentes.

Autor do projeto, o deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) criticou o atraso na votação da proposta, que, segundo ele, tem deixado o mercado “no escuro”: 

Com a falta de regulamentação, as pessoas não têm a quem recorrer.”

Ouvido pela reportagem, o professor Guilherme Forma Klafke, pesquisador do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que o projeto é importante para estabelecer diretrizes de atuação para as empresas que operam no mercado. No entanto, da forma como foi aprovado no Senado, o PL está desatualizado e pode deixar brechas na legislação.

O especialista explica que o PL tem a preocupação com ativos virtuais usados como meios de pagamento e formas de investimento, como o Bitcoin, mas ignora fenômenos mais recentes do mercado, como por exemplo os tokens não fungíveis (NFTs):

“Não sabemos se os NFTs e tokens gerados em jogos, por exemplo, serão considerados investimentos ou não. Posso alegar que comprei um NFT e dizer que não é um investimento. Dessa forma, esses ativos escapariam da fiscalização para o combate a eventuais crimes.”

Klafke também critica o fato de o texto não estabelecer quais órgãos reguladores serão responsáveis por estabelecer leis específicas sobre o setor, visto que o PL tem uma abordagem principiológica. Após a aprovação na Câmara, o Executivo precisará definir por decreto qual será o órgão regulador de última instância.

O Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Receita Federal e mais recentemente o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) já manifestaram-se a respeito do tema e portanto existe o risco de que estes órgãos entrem em choque, segundo o especialista.

Apesar da recorrente da associação das criptomoedas ao crime, o advogado criminalista, especialista em Direito Penal Econômico, e autor do livro “Bitcoin e Lavagem de Dinheiro – Quando uma transação configura crime”, Felipe Américo Moraes assegurou em entrevista ao Cointelegraph Brasil que já existem hoje mecanismos e ferramentas de investigação e rastreamento capazes de fazer o cruzamento de dados, identificando os agentes envolvidos em transações irregulares de forma extremamente assertiva.

Segundo Moraes, com o passar dos anos estes recursos de monitoramento de transações tendem a evoluir a ponto de tornar o mercado de criptomoedas muito mais vigiado e passível de controle do que já é atualmente

Vale destacar também que em 2021, criptomoedas utilizadas em atividades criminosas no Brasil somaram menos de 1% do total de R$ 707 bilhões movimentado em operações envolvendo dinheiro ilícito.

LEIA MAIS

Você pode gostar...