Governança em DAO e seu papel em projetos DeFi
Já vimos, nesta coluna, a governança em blockchain. Hoje, veremos a governança em Organizações Autónomas Descentralizadas (DAO) e seu uso em DeFi.
As Organizações Autónomas Descentralizadas (DAO) são “organizações autogovernadas única e exclusivamente por contratos inteligentes em blockchain, com estatutos e regras de procedimento, que substituem o gerenciamento operacional cotidiano por um código que se autoexecuta.
Principais características dos DAO
Com relação a suas principais características, podemos dizer que DAOs são open source, portanto transparentes e, em teoria, incorruptíveis; todavia, dependendo das regras de governança, podem ter diferentes níveis de descentralização.
Por mais que a rede possa ser geograficamente descentralizada, e ter muitos atores independentes mas iguais, as regras de governança escritas no contrato inteligente ou no protocolo blockchain serão sempre um ponto de centralização e de perda de autonomia direta.
DAOs podem ser arquitetonicamente descentralizados (computadores independentes administram nodes diferentes) e politicamente descentralizados (ninguém os controla e estão sujeitos a jurisdições diferentes), mas são logicamente centralizados no protocolo – isto é, “existe um estado previamente acordado e o sistema se comporta como um único computador”.
Componentes de governança em DAOs
DAOs possuem componentes de governança tanto internos como externos.
A governança interna é caracterizada por modos de governança não-hierárquicos e tem características democráticas. Já a governança externa é a dependência de clusters de servidores e de nodes individuais para o funcionamento da rede e para a tomada de decisões.
Observe que quem controla os nodes e a capacidade dos servidores pode exercer uma influência indevida na tomada de decisões, e de uma maneira mais contundente que outros stakeholders.
Quanto às principais características e riscos das DAOs, podemos mencionar:
- Não existe execução humana: DAOs são governados e operadas por contratos inteligentes;
- Os contratos inteligentes que formam a governança são escritos e executados como código de software;
- O monitoramento e execução de contratos inteligentes são igualmente executados por algoritmos;
- Há poucos mecanismos para a resolução de litígios, e há casos em que eles simplesmente inexistem, dado que é o código quem governa e executa.
O caso mais conhecido de fracasso de governança em uma Organização Autônoma Descentralizada foi o hack do The DAO, que demonstrou a vulnerabilidade de uma organização governada e operada por contratos inteligentes.
Lançado em 2016 no blockchain Ethereum, o The DAO era uma organização autónoma descentralizada destinada a atuar como uma empresa de capital de risco, governada pelos investidores.
Contudo, após ter angariado 12,7 milhões em ETH (o equivalente, à época, a US$ 150 milhões), o protocolo foi hackeado e US$ 60 milhões em Ethereum foram desviados devido a uma lacuna encontrada na base de código. Em resposta, a comunidade Ethereum decidiu realizar um hard fork para restaurar os fundos roubados.
No caso do The DAO, um contrato inteligente concedeu aos investidores direitos de voto de acordo com o seu nível de investimento. As decisões relativas à distribuição e gestão do seu fundo (de US$ 150 milhões), risco, reclamações periféricas, direitos de voto, e o próprio voto, foram obtidas via consenso da comunidade de investidores. Suas prioridades e valores, contudo, não estavam alinhados, de modo que não havia direcionamento para definir, gerir, ou controlar os conflitos decorrentes do hack.
Nessa linha, uma vez que a estrutura de tomada de decisão foi implementada e gerida unicamente pelo código, o DAO delegou a totalidade das suas operações de governança a um algoritmo, que se tornou o único mecanismo de governança e, assim, funcionou conforme foi instruído (segundo a programação inserida em seu código). Este hack se deu através de uma falha no código do contrato inteligente codificado no blockchain do TheDAO.
O ocorrido levantou questões legítimas sobre quem deve ser responsabilizado na hipótese de eventual conflito em um DAO, como os detalhes ético, jurídicos, de governança, e as falhas lógicas do código são definidos em uma organização autônoma descentralizada e de quem seria a responsabilidade por eventuais perdas.
Principais ferramentas de governança em DAOs
Em um DAO, a governança de TI e a governança empresarial são as mesmas.
Os mecanismos de governança em DAOs são os mesmos mecanismos de governança baseados em blockchain:
- Tokenização: o processo de transformar os direitos de executar uma ação sobre um bem num elemento de dados transferível, um token, no blockchain.
- Auto-execução e formalização de regras: o processo de incorporação de regras organizacionais sob a forma de contratos inteligentes.
- Automatização autônoma: o processo de definição de complexos conjuntos de contratos inteligentes como DAOs, que podem permitir que múltiplas partes interajam entre si, mesmo sem interação humana.
- Descentralização do poder sobre a infraestrutura: a propriedade e o controle das ferramentas tecnológicas utilizadas pela comunidade via descentralização da infraestrutura de que dependem, tais como as plataformas de colaboração (e os seus servidores) utilizadas para a coordenação.
- Maior transparência: o processo de abertura dos processos organizacionais e dos dados associados, confiando nas propriedades de persistência e imutabilidade da tecnologia blockchain.
- Codificação da confiança: codificar um certo grau de confiança em sistemas que facilitem acordos entre agentes, sem exigir um terceiro validador de confiança.
Como a governança em DAOs pode ser comprometida?
A governança em sistemas descentralizados pode ser comprometida porque a maioria dos DAOs angariam dinheiro de uma forma ou de outra e, em troca, os investidores recebem de volta tokens de governança.
Isto cria um elevado grau de centralização na distribuição inicial dos tokens (ITO). Como os usuários veem os tokens como rendimento, não como direitos de voto, a abordagem da colaboração é muito individualista. Não existe um número mínimo de participação a fim de dar o pontapé de saída à governança.
Note que para um sistema possa ser considerado suficientemente descentralizado, é necessário um número mínimo elevado de portadores/participantes de tokens.
Outrossim, para fornecer liquidez, muitos projetos de finanças descentralizadas (DeFi) concedem incentivos econômicos via tokens de governança, que estimulam comportamentos competitivos e especulativos; o que, por sua vez, conduzem de novo a uma estrutura de governança centralizada, dado que os tokens normalmente se concentram em poucas mãos.
E por que isto seria um problema?
Porque os projetos podem se tornar vulneráveis a ataques devido a uma centralização excessiva; partes com conflito de interesses podem deixar passar propostas; investidores ativistas podem adquirir uma quantidade significativa o suficiente de tokens de governança para ajudar a aprovar as propostas mais lucrativas para eles.
De outro lado, há vulnerabilidades na governança em DAOs que também residem na automatização.
Ou seja, a organização é governada e operada por contratos inteligentes, que formam a governança e são escritos e executados como código de software.
O monitoramento e execução de contratos inteligentes, por sua vez, são realizados por algoritmos. Os mecanismos existentes de resolução de disputas são fracos, e em alguns casos até inexistentes, uma vez que o “código é a lei”. Por fim, todos os participantes concordaram antecipadamente em cumprir o código do contrato inteligente.
Possíveis melhorias na governança das DAOs
Estão surgindo lentamente alternativas de votação mais maduras. Foram propostas algumas melhorias para governança das DAOs, tais como:
- Lançamento de contratos inteligentes por fases.
- Processos de certificação e processos de revisão.
- Múltiplas auditorias de segurança de instituições respeitadas em combinação com programas formais de verificação para contratos inteligentes.
- Desenho do DAO de forma a que possa ser interrompido.
As barreiras à entrada no DAO podem ajudar a assegurar o sucesso da governação on-chain, tais como com blockchains permissionadas ou diretrizes comunitárias.
Plataformas DAO que facilitam a governança descentralizada em DeFi
DAOs são um caso de uso comum em DeFi, e já supervisionam de forma conservadora mais de US$ 11,9 bilhões, segundo dados do dia 4 de janeiro.
As DAOs DeFi ajudam na transferência de criptoativos (criptomoedas e tokens) através de diferentes cadeias de bloqueio, e são um ótimo exemplo da utilização de DeFi, tais como empréstimos cripto ou yield farming.
Nessa linha, vejamos algumas as plataformas (Aragão, Moloch, DAOstack, OpenLaw) que desenvolvem estruturas DAO a fim de ajudar protocolos DeFi na governança descentralizada.
Aragon
Ecossistema de governança em DAO que fornece tecnologia através de sua plataforma para mais de 1900 organizações. Segundo a DeepDAO, mais de US$ 500 milhões são supervisionados pela plataforma Aragon , incluindo projetos de alto calibre como o Aave, Lido DAO, PieDAO e Pillar. Sua estrutura é bastante popular especialmente entre os projetos de gestão de ativos em colaboração, como por exemplo o Barnbridge, que utiliza a estrutura DAO da Aragon para lançar as bases de seus produtos e estratégias.
Moloch
Criado para gerir subvenções a projetos Ethereum, exige inscrição para utilização da sua plataforma. O projeto mais bem sucedido utilizando MolochDAO é a venture DAO MetaCartel, que possui investimentos na Zapper Finance, PoolTogether, Opium Finance, Rarible, dentre outros (fonte.
DAOstack
Supervisiona cerca de US$ 94 milhões. Os projectos que utilizam o DAOstack incluem a Gnosis, PrimeDAO e DXdao. DXdao rege projetos como Omen e Swapr. PrimeDAO’s PRIME rege os pools de liquidez no Balancer.
OpenLaw
Através de sua plataforma são supervisionados mais de US$96 milhões e os seus projectos incluem o the LAO e o FlamingoDAO. The LAO fez investimentos em Zerion (plataforma de investimento DeFi), Protocolo Fei (projeto de stablecoins algorítmicas), DeBank (carteira que acompanha os mercados DeFi), Charged Particles (projeto de NFT com juros), Idle finance, protocolo de rendimento, dentre outros. FlamingoDAO concentra-se nos investimentos conjuntos no espaço NFT.
Takeaway
Os DAOs têm experimentado novas estruturas de governança como possibilidades quase infinitas de casos de uso, como os protocolos de governança em aplicações DeFi. Entretanto, é necessário destacar que o regime jurídico aplicado às DAOs ainda é um mar de incertezas.
Como ninguém é proprietário de uma organização autônoma descentralizada, não se sabe nem quem pode ser responsabilizado, nem a quem compete processar, ou ainda, no caso de liquidação de um ativo fungível de propriedade de determinada DAO, quais regras devem ser seguidas.
Fato é que ainda estamos nos primeiros quilômetros desta longa estrada das DAOs, e ainda é muito cedo para saber como a governança nestas novas estruturas descentralizadas funcionará.
E você, consegue enxergar outras possibilidades, riscos ou melhorias na governança das DAOs que não comentamos aqui? Pense nisto até nosso próximo encontro. Nos vemos em breve!
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