Ouro, dinheiro vivo ou Bitcoin? Advogado criminalista afirma que criptomoedas são menos suscetíveis à corrupção

Denúncia de suposto pedido de propina em ouro e em dinheiro vivo contribuiu para a queda de Milton Ribeiro, ministro da Educação do governo de Jair Bolsonaro.

Uma denúncia de corrupção no âmbito do Ministério da Educação feita por Gilberto Braga, prefeito de Luís Domingues, no Maranhão, acabou contribuindo para a queda de Milton Ribeiro, o ministro titular da pasta, na última segunda-feira, 28. Braga revelou que o pastor Arilton Moura condicionara o repasse de verbas do MEC ao munícipio mediante o pagamento de um quilo de ouro e R$ 15.000 em dinheiro vivo.

De acordo com reportagem originalmente publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, Moura era um dos líderes de um “gabinete paralelo” de pastores que controlava as verbas e as ações do MEC ao lado do também pastor Gilmar Santos. Ambos fazem parte da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros da Assembleia de Deus no Brasil. Santos como presidente, e Moura como assessor de assuntos políticos.

Ainda segundo a reportagem, a dupla tem trânsito livre no governo e desde 2019 atuava fazendo a intermediação entre o ministério e as prefeituras do interior do Brasil, deliberando sobre a liberação de recursos e a aceleração do empenho de recursos a determinados municípios.

O suposto pedido de propina sob a forma ouro e em dinheiro vivo gerou um debate no Twitter nos dias que se seguiram à divulgação da denúncia. Seriam estes meios os mais efetivos para ocultação de patrimônio e movimentação de recursos ilícitos? Recorrentemente associadas a atividades criminosas, as criptomoedas não seriam uma alternativa mais óbvia e eficiente?

Cointelegraph Brasil ouviu Felipe Américo Moraes, advogado criminalista, especialista em Direito Penal Econômico, e autor do livro recém lançado “Bitcoin e Lavagem de Dinheiro – Quando uma transação configura crime”, para responder às perguntas acima.

Segundo Moraes, “não existe uma forma mais anônima e difícil de rastrear do que o dinheiro em espécie”, enquanto o ouro, por sua vez, tem características muito similares às do papel moeda. 

Embora constantemente associado a movimentações financeiras criminosas, a forma como a estrutura do Bitcoin (BTC) foi concebida é muito mais propícia para que se faça um rastreamento de valores movimentados do que quando se trata de uma transação financeira tradicional.

Logo, no caso de pagamentos de propina ou em outras modalidades de operações ilícitas, ouro e dinheiro vivo sempre serão as formas preferenciais, conforme explicou o advogado:

“Formas monetárias que permitem transações bancárias ou em espécie são muito mais propícias para o crime do que transações com Bitcoin, que uma vez registradas na blockchain tornam-se públicas, permitindo que sejam rastreadas de ponta a ponta. Portanto, transações feitas através da blockchain do Bitcoin serão sempre muito menos anônimas e muito menos ocultas do que transações feitas com dinheiro em espécie ou ouro.”

Mito da descentralização

Considerando-se ainda que, hoje, transações envolvendo criptoativos, na grande maioria dos casos, passam por exchanges centralizadas para que possam ser convertidas em moeda fiduciária, as vantagens do ouro e do dinheiro em espécie tornam-se ainda mais evidentes.

Moraes desmonta o que ele chama de “mito da descentralização” para afirmar que os criptoativos estão cada vez mais circunscritos às mesmas leis a que as instituições financeiras tradicionais estão submetidas:

“Uma transação que acontece a partir de uma exchange de criptoativos, ela é tão centralizada quanto uma transação que acontece através de instituições bancárias. É ilusório a gente achar que a descentralização seria um obstáculo definitivo e absoluto para qualquer tipo de monitoração. Na verdade, é o contrário.  Por mais que no Brasil não exista uma regulação, hoje, que equipare esses provedores de serviço a uma instituição financeira, na prática eles acabam aderindo a uma autorregulação. E, assim, chegamos a um sistema que é tão regulado quanto, ou ainda mais regulado, ainda mais controlado, que o sistema financeiro tradicional.”

Embora o Bitcoin tenha sido idealizado para funcionar de uma forma descentralizada, desde que as exchanges de criptomoedas surgiram e passaram a fazer a intermediação das transações através de atividades empresariais, houve um movimento que Moraes caracteriza como de “recentralização”.

Além disso, destaca o advogado, hoje existem mecanismos e ferramentas de investigação e rastreamento capazes de fazer o cruzamento de dados, identificando os agentes envolvidos em transações irregulares de forma extremamente assertiva.

Segundo Moraes, com o passar dos anos estes recursos de monitoramento de transações tendem a evoluir a ponto de tornar o mercado de criptomoedas muito mais vigiado e passível de controle do que já é atualmente. Sociedades de controle são uma tendência global que extrapola o mercado de criptomoedas, afirma Moraes:

“Há, hoje, uma tendência bastante evidente de controle do estado sobre os indivíduos. É quase um vetor unilateral contra o qual ainda não surgiu uma resistência organizada.”

Transações ponto a ponto

Ainda assim, pode-se argumentar que agentes maliciosos têm a opção de utilizar o Bitcoin tal qual Satoshi Nakamoto o idealizou, como um dinheiro eletrônico ponto a ponto. Transações P2P seriam uma alternativa para converter Bitcoins oriundos de dinheiro ilícito em reais, recolocando-os de volta em circulação na economia formal.

Problemas de outra natureza acabariam surgindo, lembra o advogado, como a ausência de liquidez e o limite do volume de transações.

No caso da legislação brasileira, o recebimento de ilícitos sob a forma de dinheiro em espécie ou ouro oferecem vantagens adicionais sobre o Bitcoin, uma vez que o recebimento de ambas as formas monetárias, por si só, não configura lavagem de dinheiro ou ocultação de patrimônio, conforme explicou Moraes:

“Receber dinheiro de propina através de Bitcoin, por si só, pode ser configurado como lavagem de dinheiro, uma vez que, a princípio, trata-se de uma operação oculta, realizada fora do sistema financeiro tradicional, configurando um mascaramento dos recursos e de sua origem. Se o indivíduo recebe propina em dinheiro vivo aquilo é uma vantagem ilícita. Agora, se o indivíduo recebe um dinheiro de propina através de um meio tão complexo [como o Bitcoin], fazendo com que, aparentemente, esse dinheiro chegue limpo à suas mãos, isso poderia se configurar também como lavagem de dinheiro, além da corrupção.” 

Conforme noticiou o Cointelegraph Brasil recentemente, criptomoedas utilizadas em atividades criminosas no Brasil em 2021 somam menos de 1% do total de R$ 707 bilhões movimentado  em operações envolvendo dinheiro ilícito.    

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