Fim do ciclo de queda do juro dá novo empurrão à consolidação de gestores de recursos
Prepare-se. Logo mais, logo menos, você verá notícias sobre movimentos de consolidação de empresas de gestão de recursos: fusões, compras e até fechamento de algumas delas.
As assets, como as empresas são chamadas pela turma da Faria Lima, estão há dois anos e meio convivendo com taxas de juro de dois dígitos, que dificultam tanto a entrega de resultados acima do CDI quanto a atração de clientes. Some-se a isso uma estrutura de custos que não é nada barata e uma grande concorrência. Deu para entender como a vida dessas gestoras não está fácil?
A esperança era a queda nos juros. Mas a virada das últimas semanas, sinalizando que a redução da Selic não virá tão cedo, foi um balde de água fria na turma. Especialistas entrevistados pelo InvestNews dizem que o quadro indica uma mudança no desenho desse mercado nos próximos meses.
A avaliação de um profissional da área de fusões e aquisições que prospecta negócios entre gestores é de que as casas com foco em fundos de investimento multimercado são as que estão em pior situação: seus fundos tiveram retornos muito baixos e perderam patrimônio líquido, ou seja, diminuiu o dinheiro aplicado nesses fundos. No movimento de consolidação, essas casas têm atraído pouco interesse.
Quem ganha a preferência são as gestoras de crédito, especialmente as especializadas em ativos alternativos, categoria que engloba operações de crédito estruturado e imobiliário.
Em junho, por exemplo, a Reag Investimentos, de João Carlos Mansur, comprou a Empírica, gestora especializada em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (Fidc). A operação foi anunciada apenas dois meses depois de a Reag ter comprado a Quazar, também especialista em operações estruturadas.
Nas duas operações, segundo a empresa de Mansur, o principal foco era o time: tanto a Empírica quanto a Quazar têm equipes experientes, que continuam tocando a operação. A Reag também viu uma oportunidade de complementar sua estratégia de gestão de recursos, consolidando-se como uma das grandes do segmento de renda fixa, com cerca de R$ 25 bilhões sob gestão.
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A conta que não fecha
Não é difícil explicar o que está por trás do movimento de compra e venda de gestoras: se o juro está alto, por que o investidor precisa pagar para alguém administrar seus recursos? Segundo Samuel Ponsoni, sócio-fundador da Outliers Advisory, consultoria focada em gestoras de recursos, existem cerca de 1.000 CNPJs de empresas desse segmento inscritos. Alguns desses se referem à mesma instituição.
Fazendo o ajuste de duplas contagens, restam aproximadamente 700 gestoras. Desse universo, metade não têm nem R$ 500 milhões sob gestão – valor considerado o mínimo para que a empresa consiga manter uma estrutura básica, que inclui aluguel, folha de pagamento e outros custos. Ficou surpreso? O cenário é ainda pior: 26%, ou seja, praticamente um quarto das gestoras em atividade hoje, não têm nem R$ 100 milhões sob gestão. Estão no prejuízo.
O desempenho das carteiras dessas gestoras, que vêm perdendo não só do CDI como também do Ibovespa, teve reflexo direto no volume de recursos geridos por essas empresas – e, por consequência, nas receitas obtidas por elas com a cobrança de taxas de administração.
Ponsoni analisou o rendimento de um grupo de 350 fundos multimercado nos últimos cinco anos. E observou que esses fundos, em média, tiveram uma rentabilidade acumulada nesses cinco anos de 40,8% – bem abaixo dos 47,4% de retorno do CDI. Num horizonte mais curto, de três anos, os fundos renderam 25,3%, contra 37,8% do CDI.
Entre os fundos de ações, o quadro é o mesmo. Ponsoni monitorou um universo de 400 fundos de gestão ativa e identificou que eles tiveram uma rentabilidade média de 12,5% nos últimos cinco anos, muito abaixo dos 22,7% acumulados pelo Ibovespa no mesmo período. Em três anos, os fundos de ações tiveram rentabilidade negativa de 15,6%, em comparação a uma queda de 2,8% do Ibovespa no mesmo período. Em relação ao CDI, que teve retorno positivo de 47,4% em cinco anos e de 37,8% e três anos, a perda é de lavada.
“A gente sabe que o investidor olha muito para o desempenho de curto prazo. Só que, no Brasil, cinco anos é longo prazo”, explica Ponsoni. “Os fundos estão há tempos perdendo para a taxa livre de risco [o CDI], o que mostra a situação difícil para a indústria como um todo.”
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A ampla oferta de alternativas para o investidor, claro, complica a vida das gestoras: títulos do governo pagando a atraente taxa de IPCA + 6% ao ano, títulos privados isentos, fundos imobiliários…caminhos que permitem que o investidor consiga montar uma carteira rentável sem recorrer a um especialista.
Mas não é só isso. Para o especialista, poucas gestoras construíram estruturas fortes o suficiente para superar a maré contrária. “Muitas montaram fundos, mas não construíram empresas”, explica Ponsoni. Ele se refere à estrutura comercial, de desenvolvimento de produtos e compliance, que nem sempre é robusta. Muitas também não constróem um time de investimentos sênior, com bom entrosamento.
Um sonho, um sócio e um terminal
Para um experiente gestor independente que prefere não ser identificado, parte da explosão do número de gestoras pode ser explicada por um certo deslumbramento com a perspectiva de sair de uma grande instituição para montar um negócio. “Muita gente achou que seria possível montar uma gestor com duas pessoas e um terminal da Bloomberg”, brinca. “A questão é que o bom gestor nem sempre é um bom empresário. E na fase de cota ruim acaba tomando decisões péssimas.”
Para Fabio Guarda, diretor de Investimentos da Galapagos Capital, houve um certo exagero na multiplicação do número de gestoras independentes nos últimos anos. E, agora, o que ficou claro é que o “dono do passivo”, ou seja, a instituição que consegue captar os recursos dos investidores, é quem vai dar as cartas: as gestoras não vão conseguir sobreviver de forma tão independente assim. A tendência é que muitas delas acabem de plugando a quem tem acesso aos investidores – plataformas de investimento como XP e BTG e os bancos.
“O modelo da indústria, que prevaleceu nos últimos anos, está sofrendo um revés. A tendência é que haja uma consolidação em torno de grandes bolsos [como bancos] ou grandes casas”, diz.
A Galapagos atua como banco de investimento e consultoria estratégica (advisory) e tem um braço de gestão de recursos. Em 2023, a empresa comprou a Frontier Capital, que tem dois fundos de ações sob gestão, e manteve a equipe de gestão, comandada por Rodrigo Fonseca. Guarda diz que continua de olho em outras oportunidades do mercado. “Tem muita gente interessada em ser incorporada e nós estamos abertos a negócios”, diz. Nessa procura, o foco é a complementaridade. “O objetivo é que os dois times que se unirem formem um time mais forte do que eram individualmente”, explica.
O sócio fundador da Journey Capital, Rogê Rosolini, concorda que a ideia de complementariedade é o que deve nortear as fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês). Mas ele diz que o desafio de juntar os times não é trivial. A Journey, conhecida por assessorar a reestruturação de grandes companhias, como a Samarco, inaugurou neste ano o braço de wealth management [gestora de recursos para clientes de mais alta renda]. E procurou algumas parcerias. “Apesar de algumas das conversas que tivemos fazerem sentido, é difícil haver concordância em termos de modelo de partnership [sociedade] e também em relação ao valor das empresas envolvidas”, diz.