Vivendo crises diferentes, Argentina e Chile recorrem ao Bitcoin por proteção econômica

Crise econômica da Argentina e crise política do Chile levam população a buscar opções de proteção econômica.

Dois dos países mais importantes da América do Sul vivem graves crises neste ano e parecem estar recorrendo ao Bitcoin em busca de proteção econômica: os países são Argentina e Chile.

Nossos dois países vizinhos vivem cenários diferentes, mas que não deixam margens para dúvidas, eles vivem em crise: o Chile vive uma crise econômica e social que se arrasta há mais de um ano e culminou agora com a aprovação de um plebiscito para derrubar a constituição, que era herança do período do ditador Augusto Pinochet. A Argentina vive as graves consequências de três anos de recessão agravados pela pandemia, arrastando consigo a “eterna” crise cambial, com aumento de inflação, disparada do dólar e aumento da pobreza.

A Argentina viveu quatro anos de neoliberalismo nas mãos do ex-presidente Maurício Macri, que entregou o país em recessão ao kirchnerista Alberto Fernández, que pouco fez para sanar os problemas, quando não piorou a situação ao intervir na compra de dólares por cidadãos do país. Já o Chile, desde Pinochet privatizou a maioria dos serviços públicos, incluindo a previdência e a saúde, o que com os anos piorou a desig,ualdade social até a explosão de protestos contra o presidente Salvador Piñera em 2019.

O fracasso de Macri e miseráveis crescendo com Fernández

As políticas econômicas do neoliberal Mauricio Macri, que prometiam “pobreza zero”, domínio da inflação e investimentos externos, nas palavras do próprio ex-presidente, fracassaram. Ele entregou o país com índices extremos de pobreza (38% da população, 8% em condições miseráveis), explosão da inflação e desvalorização de quase 40% de uma moeda que já era frágil e parcos investimentos estrangeiros.

O fracasso neoliberal acendeu a chama kirchnerista no país, que andava apagada, e levou à eleição de Alberto Fernández no ano passado. Com a chegada da pandemia, a Argentina fez um lockdown que teve relativo sucesso na saúde pública, mas foi um fracasso econômico e social.

Quase sete meses depois da quarentena, a Argentina está mais pobre e desigual, houve falta de produtos essenciais, a inflação disparou e o governo agora interveio nas possibilidades de proteção econômica da própria população, limitando a compra de dólares a US$ 200 por pessoa e com imposto de 35% em compras nos cartões de crédito e débito usando dólar.

A situação é de tal gravidade que os bancos e cidadãos já estão negociando em dólar, substituindo o peso e gerando um aquecido mercado clandestino. Com isso, as reservas cambiais do país derreteram para meros US$ 37 bilhões, quase 10% do que o vizinho continental Brasil.

O ex-diretor do Banco Mundial, Otaviano Canuto, tentou explicar a crise argentina ao Poder360:

“As medidas de restrição em vigor já eram duras, e o governo as apertou ainda mais, atingindo pessoas físicas e empresas, indo muito além dos investidores estrangeiros ‘invasores’. No caso das empresas, o governo está tentando forçá-las a reestruturar suas dívidas externas”

O cenário parecem impulsionar o mercado de criptomoedas. Os dados da Coindance sobre a exchange P2P LocalBitcoins comprovam esta tese. A exchange registrou seu maior volume de negociação na Argentina em junho de 2020, com mais de US$ 125 milhões negociados por duas semanas seguidas.

O país, que já tem na cultura da população o hábito de guardar dólares para proteção econômica desde os anos 1990, agora também recorre às criptomoedas nesses casos. Com a piora dos índices da COVID-19 nas últimas duas semanas e uma série de protestos no país, o temor da população também se converteu em Bitcoin.

A negociação na LocalBitcoins foi de menos de US$ 70 milhões no começo de outubro, antes do governo anunciar mais medidas intervencionistas na compra de dólares, para mais de US$ 90 milhões na semana passada, um crescimento expressivo de 23% em dias semanas no volume negociado de BTC.

No Chile, a violência da crise política e o fim da constituição de Pinochet

Já o vizinho da Argentina no Oceano Pacífico, o Chile, vive uma ebulição política violenta que começou em outubro de 2019 e não arrefeceu mesmo durante a pandemia. O governo liberal de Salvador Piñera teve uma pequena vitória ao propor um plebiscito que na semana passada, derrubando a constituinte ultraliberal herdada pela ditadura Augusto Pinochet, uma das mais sanguinárias e perversas do continente.

Desde outubro de 2019 até hoje, a política domina os debates no Chile. 62% da população em 2019 acreditava que se não houvesse protestos, nada mudaria, e o número se manteve mesmo durante a crise sanitária em 2020, que continuou vendo protestos, pacíficos e violentos, nas ruas de Santiago.

Cristóbal Bellolio, professor da Universidade Adolfo Ibáñez, disse à France Press que os protestos e a insatisfação do povo derrubaram a narrativa de “progresso” das elites políticas e econômicas do país, que se sustentaram por 30 anos – um feito para uma região tão instável politicamente. O professor explica:

“A percepção de uma elite que abusa de sua posição de poder, que sequestrou as instituições para seu benefício exclusivo, é claro, ocorre em um contexto particular, mas também reflete um sentimento bastante global”

Ele defende que o “mal-estar” da população cresceu nos últimos 15 anos, alimentado por escândalos de corrupção à direita e à esquerda, crescimento da desigualdade e ineficácia dos governos, que se viram de mãos amarradas para combater a crise.

Com a aprovação do plebiscito, as elites políticas e econômicas devem ceder espaço, mas a negociação para a nova carta começou já alimentada pela violência das ruas, dificultando um consenso para a nova Carta.

A pandemia também agravou a situação econômica do país, com a economia enfrentando agora retração de 14% do PIB e a taxa de desemprego em 12% da população.

Novamente segundo a Coindance, o Chile também anotou a maior corrida por BTC da LocalBitcoins em 2020. Na semana de 9 de setembro, o Chile registrou incríveis US$ 580 milhões em volume negociado na exchange.

Com as tensões do plebiscito da semana passada, o volume de negociação também sentiu os efeitos políticos: saltou de US$ 370 milhões na semana anterior para US$ 450 milhões na última semana, alta de 18% de uma semana para a outra.

A crise econômica obviamente não é exclusividade nem de Chile nem de Argentina. A América Latina inteira sofre com o aumento da desigualdade e a recessão como consequências da pandemia de coronavírus. O Cepal, órgão das Nações Unidas para desenvolvimento da região, apontou recentemente que os países do bloco devem perder em média 9% do PIB e 10% na renda de seus habitantes.

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