Estudo do Senado quer mudar maneira de medir o endividamento público
O estudo Regra de Ouro; Falhas de Concepção e de Aplicação no Âmbito da União, publicado pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado, concluiu que a chamada regra de ouro requer “tratamento imediato, intensivo e especializado”. Segundo a publicação, a manutenção da norma no ordenamento jurídico brasileiro deve estar condicionada a uma extensa e minuciosa revisão de seu desempenho, em especial quanto à verificação de seu cumprimento. O texto é assinado por Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, Vinícius Leopoldino do Amaral e Maurício Ferreira de Macedo e integra a série Orçamento em Discussão.
A regra de ouro é um princípio fiscal tradicional de finanças públicas, cuja ideia central é vedar o endividamento público para a realização de despesas correntes, permitindo-o apenas para o financiamento de investimentos. Introduzida no ordenamento nacional pela Constituição de 1988, a norma estabelece que, no exercício financeiro, as operações de crédito não podem superar as despesas de capital.
“A regra de ouro tem se mostrado um instrumento limitado e pouco confiável para refletir a real situação das contas públicas. Tal como um termômetro defeituoso, a leitura de seu resultado pode nos induzir a ações — ou inações — que não sejam as mais apropriadas para o momento. As deficiências encontradas prejudicam severamente a capacidade da regra de realizar seu propósito e de refletir de forma fidedigna a situação fiscal da União”, observa o estudo.
“Frágil e manipulável”
As conclusões do estudo aplicam-se às situações definidas como permanentes no ordenamento jurídico relativo às finanças públicas, sem que se estendam às circunstâncias emergenciais em que os controles e parâmetros de normalidade estejam formalmente suspensos por força de situações de calamidade pública. Em especial, na duração da situação atual de pandemia, e refletida no período de vigência da Emenda Constitucional EC 106/2020, que institui regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento da calamidade pública decorrente do coronavírus.
“Frágil, intempestiva, suscetível a manipulações de diversas ordens e promotora de questionáveis incentivos econômico-fiscais, [a regra de ouro] certamente não tem feito jus a seu elogioso nome. Enquanto tal processo [de revisão da norma] não for concluído satisfatoriamente, recomenda-se evitar a atribuição de qualquer papel adicional à regra de ouro, tal como indicado nas Propostas de Emenda à Constituição [PECs] 186 e 188, ambas de 2019, ora em tramitação no Senado Federal, e 438, de 2018, ora em tramitação na Câmara dos Deputados”, ressalta o estudo.
A PEC 186/2019, chamada PEC Emergencial, propõe teto de gasto permanente e autoriza a redução da jornada dos servidores, com corte equivalente nos salários. Conhecida como PEC do Pacto Federativo, a PEC 188/2019 descentraliza recursos para estados e municípios. Por sua vez, a PEC 438/2018 prevê diretrizes para controle de despesas obrigatórias, institui plano para revisão das despesas e regulamenta a regra de ouro, que proíbe a realização de operações de crédito (emissão de títulos) que excedam as despesas de capital (investimentos e amortizações).
Falhas e soluções
O estudo identifica ainda as falhas na concepção ou na aplicação da regra de ouro no âmbito da União. Para cada uma das seis falhas apontadas, os autores avaliam seu impacto no funcionamento da regra e propõe, quando possível, mecanismos para saná-las.
De acordo com a publicação, algumas falhas tendem a facilitar o cumprimento da regra, elevando indevidamente a margem de cumprimento. É o caso das falhas relativas às receitas com desinvestimentos (alienação de ativos) e amortização de empréstimos concedidos e às despesas com a cobertura do deficit do Banco Central e com a atualização monetária da dívida.
Por outro lado, duas outras falhas — a sensibilidade a estratégias de dívida e a sensibilidade a regras e estratégias de gestão financeira — operam, ao menos no presente momento, em sentido oposto: tendem a dificultar o cumprimento da regra de ouro, reduzindo indevidamente sua margem de cumprimento.
“No caso específico das estratégias de gestão financeira, há vasto espaço de discricionariedade para que o gestor escolha o resultado desejado para a margem de cumprimento da regra de ouro, o que nos parece uma fragilidade inadmissível, por contradizer a própria noção de uma regra fiscal como uma restrição à discricionariedade futura da autoridade fiscal”, conclui o estudo.
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