Endividada, Cosan estuda vender sua participação na Vale, estimada em R$ 11,9 bilhões
O grupo Cosan, do bilionário Rubens Ometto, está ponderando uma venda de ativos, incluindo sua participação de US$ 2,2 bilhões, ou R$ 11,9 bilhões, na gigante da mineração Vale, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto. Com isso, a companhia estaria se desfazendo de uma aposta mal-sucedida para pagar dívidas.
A Cosan disse a investidores que todas as opções estão na mesa para melhorar seu balanço, incluindo a venda de parte ou de toda sua participação de 4,1% na produtora de minério de ferro, disseram as fontes em condição de anonimato. A empresa também ponderou a venda de uma distribuidora argentina de gasolina que possui em uma joint venture com a Shell Plc, disseram os interlocutores. Nenhuma decisão final foi tomada.
A Cosan SA — um império de açúcar e etanol que se espalhou por tudo, desde produção de lubrificantes e distribuição de gasolina até transporte ferroviário e fornecimento de gás natural para residências — viu suas ações despencarem para o nível mais baixo em mais de quatro anos neste mês.
Desde que a operação foi anunciada em outubro de 2022, as ações da Cosan caíram 32% em dólares. As ações caíram 39% neste ano até quinta-feira, derrubando cerca de US$ 2,9 bilhões de seu valor de mercado.
Os investidores estão céticos quanto à sua capacidade de gastar dinheiro de forma eficiente desde sua decisão em 2022 de assumir dívidas para comprar uma participação minoritária na Vale, que desde então perdeu valor e forneceu retornos considerados “medíocres” pelo BTG Pactual SA.
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“A alavancagem da Cosan cresceu rapidamente nos últimos anos e isso está assustando os investidores”, disse Marcelo Ornelas, gerente de portfólio da Kinitro Capital. “Uma janela de IPO ajudaria a Cosan a reduzir o nível de alavancagem, mas com taxas mais altas agora, provavelmente não há espaço para isso. Isso tornará as coisas ainda mais difíceis.”
Ometto admitiu que o investimento da Vale tem sido impopular entre os investidores, “porque o mercado não entendeu”.
“A Cosan monitora continuamente as melhores oportunidades de desalavancagem e continua comprometida em otimizar a alocação de capital, especialmente em um cenário de altas taxas de juros e um ambiente macroeconômico desafiador”, disse a empresa em nota à Bloomberg News.
A Cosan saltou até 2,4% depois que a Bloomberg News relatou as discussões. A Vale chegou a cair 1,7%.
Fase difícil
A Cosan está lidando com altas taxas de juros no Brasil e lucros menores de seus negócios de açúcar e etanol. A empresa também tem lutado para avançar com os planos de vender ações de seus negócios de lubrificantes e gás em um momento de baixo apetite dos investidores.
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A Vale passou por um processo de sucessão confuso envolvendo interferência do governo, vazamentos de informações e brigas entre membros do conselho. Ometto propôs que o ex-presidente-executivo da Cosan, Luiz Henrique Guimarães, assumisse a liderança na Vale, disseram as pessoas. A empresa, entretanto, optou por uma solução interna: quem assumirá a cadeira de CEO é o diretor financeiro Gustavo Pimenta.
Alavancagem
O diretor financeiro da Cosan, Rodrigo Araújo, reconheceu a necessidade de reduzir a dívida, dizendo aos investidores em uma teleconferência em agosto que a empresa está “altamente focada na alocação de capital” e que a alavancagem é uma “prioridade” e um “ponto de preocupação”.
O IPO recentemente anunciado da unidade de lubrificantes Moove, da Cosan, ocorrerá em Nova York, mas o plano pouco fez para acalmar os investidores. As ações mal se moveram desde que a Bloomberg informou pela primeira vez que a listagem da Moove estava em andamento para a Cosan. A empresa também está buscando uma oportunidade para retomar seus planos para um IPO da unidade de gás Compass, um acordo que poderia desbloquear mais dinheiro, disse uma das pessoas.
O fardo da dívida da Cosan tornou a ação um desempenho inferior em um mercado que já estava atolado em mal-estar. O índice MSCI Brasil caiu 16% até agora neste ano, ficando atrás de um indicador mais amplo de ações de mercados emergentes.
Quando adquiriu sua participação de 5% na Vale, a Cosan pagou cerca de R$ 66,70 por ação, de acordo com uma estimativa da Bloomberg, acma, portanto, do valor atual, de R$ 64,25 na quinta-feira (26). A visão de Ometto de fazer as empresas trabalharem juntas também não se concretizou. “A Cosan ainda não conseguiu atingir totalmente essa cooperação, com a governança se tornando uma área de preocupação recentemente”, escreveu Thiago Duarte, analista do BTG Pactual, em nota aos clientes.
Os analistas continuam a questionar se a Cosan está obtendo valor suficiente para suas aquisições e investimentos. Por meio de sua unidade Compass, a Cosan comprou recentemente uma participação na empresa de gás local Cia. Paranaense de Gás por US$ 167 milhões (R$ 906 milhões), um preço que o Citigroup viu como cerca de US$ 60 milhões acima de sua estimativa de valor justo.
A dívida líquida da Cosan era de R$ 21,3 bilhões no final de junho, quase três vezes o nível de um ano antes, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.
Juros atrapalham
As taxas de juros não estão ajudando. O banco central do Brasil contrariou a tendência de flexibilização global ao aumentar a taxa de referência esta semana para 10,75%, buscando conter a inflação persistente. Nos primeiros seis meses de 2024, a Cosan gastou 2,17 bilhões de reais em juros sobre dívida líquida, um aumento de 19% em relação ao primeiro semestre de 2023.
“Isso leva a uma menor lucratividade desses investimentos considerando o custo do financiamento”, diz Regis Cardoso, analista da XP Inc., acrescentando que a empresa está trabalhando para reduzir os níveis de alavancagem.
A holding provavelmente também evitará usar mais dinheiro para estabelecer novas linhas de negócios, pelo menos por enquanto. Ometto e Araújo reconheceram em reuniões privadas com investidores que a empresa perderá alguns investimentos enquanto leva tempo para resolver sua dívida.
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Um exemplo foi a privatização no início deste ano da Sabesp. Ometto ficou tentado pela ideia de se tornar um investidor estratégico na empresa, adicionando a gestão de águas da maior cidade da América Latina ao seu império, mas acabou decidindo não seguir em frente.
A participação na Vale é apenas uma de uma gama de opções que a Cosan poderia considerar para reduzir sua dívida, observou Cardoso.
“No entanto, na ausência de mais desinvestimentos, essa desalavancagem deve ser gradual ao longo do tempo”, disse ele.