Em Mato Grosso, nova lei deve mudar o jogo da venda de soja no Brasil
Mato Grosso promete alterar a dinâmica da venda de soja que vigora há quase 20 anos no Brasil. O principal Estado produtor de grãos deu sua cartada mais incisiva para acabar com a “Moratória da Soja” no país. A Moratória é um acordo comercial que existe desde julho de 2006, em que as maiores indústrias agrícolas do mundo se comprometem a não comprar soja de áreas desmatadas da Amazônia.
O acordo prevê que as empresas deixem de comprar soja ou ofereçam crédito a agricultores que desmataram áreas do bioma a partir de julho de 2008. Atualmente, cerca de 250 mil hectares – um hectare é igual a um campo de futebol – da região estariam em desacordo com o programa, e a maior parte disso (191 mil hectares) está em Mato Grosso. As indústrias signatárias da Moratória representam mais de 90% das compras dos grãos produzidos no Estado.
Em resposta ao acordo, o governador Mauro Mendes (União Brasil) deve sancionar na próxima semana o projeto de lei 2256/2023, que determina que as empresas que quiserem benefícios fiscais no Estado não poderão “estar organizadas em acordos comerciais que ocasionem restrição de mercado”.
Na prática, se a indústria instalada em Mato Grosso participar da Moratória da Soja, não terá acesso a um desconto de até 50% no ICMS para a venda de farelo e óleo de soja, além de não contar mais com incentivos para instalação de fábricas e compra de equipamentos.
ADM, Bunge, Cargill, Amaggi e Caramuru Alimentos, que hoje operam no Estado e fazem parte da Moratória, serão afetadas diretamente no bolso, caso permaneçam no acordo. As exportações de farelo e óleo, subprodutos da soja que contam com o benefício fiscal, somaram US$ 2,53 bilhões de janeiro a agosto deste ano, segundo levantamento mais recente da Federação das Indústrias de Mato Grosso (Fiemt).
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Com uma cifra tão expressiva em jogo, a ideia, explica Mauro Mendes, é fazer com que as tradings “revejam suas posições”. “Espero que essas empresas respeitem a lei brasileira, e não se atenham a uma regra não prevista na legislação brasileira como forma de pressionar o mercado”, disse o governador. A alegação de Mendes é que existe uma lei federal sobre o tema, o Código Florestal, que já determina a ocupação de espaço no bioma Amazônia (explicaremos isso mais adiante).
Para o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, “os produtores têm o direito legítimo de usar o Código Florestal a seu favor”. “Se as empresas preferem fazer isso [a Moratória], elas não querem cumprir a lei. Se não querem cumprir a lei, não precisam ter incentivo fiscal”, disse Fávaro, ao participar de um evento São Paulo nesta semana.
A iminente aprovação da lei em Mato Grosso atende a um pedido antigo dos produtores de soja. Há pelo menos cinco anos, os agricultores se mobilizam nas esferas federal e estadual para barrar a Moratória, com direito a uma reclamação direta ao então presidente Jair Bolsonaro. Atualmente, a maior pressão ocorre nas assembleias legislativas estaduais, com Rondônia tendo aprovado lei semelhante recentemente, enquanto Pará, Maranhão e Tocantins também estão com projetos similares em curso.
O consultor Thiago Rocha, que está apoiando a investida legislativa das Associações de Produtores de Soja (Aprosoja) desses estados, afirmou ao portal AgFeed que os projetos de lei não citam diretamente a extinção da Moratória da Soja, “apesar deste ser o objetivo”. A Aprosoja de Mato Grosso estima que a Moratória afeta mais de 65 municípios produtores do Estado e que, com isso, mais de R$ 35 bilhões deixaram de circular na economia estadual.
Do lado das multinacionais, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa formalmente o setor, vai se manifestar apenas após a sanção da lei.
Já Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) diz que a Moratória da Soja foi o “único programa em curso que se revelou capaz de evitar o desflorestamento”. “Opor-se a esses 18 anos de luta nos parece um risco enorme, capaz de comprometer a imagem do país de grande provedor de alimentos para o mundo”, acrescentou Sérgio Mendes, presidente da Anec.
A Moratória da Soja
O cabo de guerra entre produtores rurais e indústrias é antigo e tem como pano de fundo a produção de soja na Amazônia. A Moratória da Soja surgiu em uma época em que o desmatamento no bioma amazônico estava em uma escalada recorde.
Com a pressão de compradores internacionais, em especial os da Europa, em cima do Brasil, as empresas exportadoras decidiram adotar a política de desmatamento zero: não comprar de agricultores que desmataram um milímetro sequer na Amazônia. O monitoramento é feito via satélite e atualizado ano após ano. A medida busca sufocar os sojicultores que desmatam na região tirando seus compradores e o acesso a crédito.
Mas, em maio de 2012, o governo federal atualizou o Código Florestal, a legislação que regula a ocupação de áreas no Brasil. Na lei, ficou determinado que todo agricultor do bioma Amazônia poderá desmatar 20% de sua área para a produção agrícola – em outros biomas, esse percentual é bem maior.
Voltando ao exemplo de hectares e campos de futebol. Se um agricultor possui uma fazenda com 100 campos de futebol na Amazônia, 20 deles poderão ter árvores derrubadas e uma lavoura de soja, ou qualquer outra atividade agropecuária que seja – esse é o chamado desmatamento legal. Mas, como a Moratória da Soja impõe desmatamento zero, não é tolerado nem desmatamento legal e, muito menos, o desmatamento ilegal.
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Esse descasamento entre lei brasileira e acordo comercial azedou a relação dos agricultores com as tradings agrícolas, que são aquelas que compram o grão para vender no mercado internacional.
Do lado dos produtores, há a sensação de serem penalizados mesmo seguindo a lei. Já, do lado dos compradores, a avaliação é que qualquer flexibilização na Moratória poderia passar uma mensagem errada ao mercado, especialmente em um momento em que a União Europeia busca restringir a importação de produtos vindos de áreas desmatadas.
Para tentar achar um meio-temo, a lei que está na mesa do governador de Mato Grosso prevê que as empresas que adotarem “requisitos distintos dos previstos na legislação brasileira” para cumprir exigências internacionais não seriam “consideradas em desacordo com a legislação vigente”.
“Certamente, eles vão chegar a bom termo para não punir produtores que fizeram tudo dentro da legalidade”, completou o ministro Carlos Fávaro.