‘Digitalização do dinheiro é incerta e não deve ser a única solução da economia’, defende professor alemão de política monetária

Digitalização do dinheiro ainda depende de muitas perguntas sem resposta, segundo Peter Bofinger.

A digitalização completa do dinheiro e dos pagamentos ainda é cercada de incertezas e depende de muitos fatores para tornar a realidade das moedas nacionais totalmente digital, segundo matéria do portal lusitano Business.IT.

O texto cita o professor alemão de economia internacional e política monetária da Universidade de Wuerzburg, na Alemanha, Peter Bofinger, que também forma o Conselho Alemão de Peritos Econômicos.

Segundo ele, a digitalização do dinheiro é “incerta” e ainda tem grandes áreas a serem exploradas:

“A substituição do numerário por dinheiro electrónico; dos depósitos bancários tradicionais e de notas e moedas por criptomoedas; e dos empréstimos bancários por empréstimos peer-to-peer com base em plataformas digitais.”

Em junho de 2020, o economista assinou uma carta conjunta endereçada ao Banco Central Europeu em que criticava a política monetária do banco na pandemia e expressava preocupação com a “base de independência e estabilidade” dos bancos centrais do bloco.

Em outro artigo, publicado em outubro pelo Handelsblatt, ele critica duramente a iniciativa do “euro digital” do BCE:

“A principal preocupação do BCE é garantir que os cidadãos continuem a ter acesso ao dinheiro que emitiu com as transações de pagamento cada vez mais digitalizadas. No entanto, o euro digital não é um bom substituto para o dinheiro. Em todas as principais moedas, a moeda em circulação está aumentando em relação ao produto interno bruto. Isso mostra uma grande necessidade de um meio de pagamento seguro, mas acima de tudo anônimo. O euro digital não pode oferecer esse anonimato.”

Segundo ele, a Europa vai precisar de uma resposta similar ao PayPal, que no segundo semestre adicionou criptomoedas a seus meios de pagamento e causou alvoroço no mercado cripto e nos bancos centrais ao redor do planeta:

“Se o BCE quiser impedir o avanço dos sistemas de pagamentos estrangeiros, dificilmente deverá marcar pontos com o euro digital. Um produto de muito sucesso é o sistema do PayPal. Opera com 25 moedas, conecta uma ampla variedade de sistemas bancários e de cartão de crédito e é gratuito para transferências privadas. Se quiser encontrar uma resposta europeia para esta questão, tem de oferecer mais do que um substituto digital para o dinheiro.”

A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, no passado se manifestou sobre o mercado de criptomoedas e sua capacidade de digitalizar as economias globais, dizendo que “dificilmente nos próximos anos vão substituir as moedas nacionais”. Por outro lado, a presidente do BCE já recomendou aos Bancos Centrais do bloco para “levarem a sério as moedas digitais”.

O diretor corporativo da Insituição Financeira de Crédito (UNICRE) de Portugal, Bruno Barbosa, acredita que a digitalização já é uma realidade, apesar de Portugal ainda ter 70% da economia baseada em dinheiro vivo. Por isso, a vida “cashless” avança lentamente ainda é um sonho distante:

“Há cerca de dez anos, quando dizia a pessoas do meu círculo próximo que raramente tinha dinheiro na carteira, tinham dificuldade em reconhecer a ineficiência das notas e moedas. Hoje em dia, já vejo muita gente referir que é um desconforto ter de ir à máquina levantar dinheiro e que até estão dispostas a alterar hábitos de consumo, se determinado espaço comercial não aceitar pelo menos um meio eletrônico de pagamento. Vemos também que muitas das lojas que evitavam aceitar pagamentos com cartão abaixo de cinco euros são cada vez mais raras, porque o consumidor está mais exigente na conveniência.”

Ele também cita que a inovação nos pagamentos tem a ver com simplificação dos procedimentos, o que também traz desafios de cibersegurança. E complementa:

“Um dos principais desígnios da inovação é a garantia de segurança de toda a jornada da utilização do dinheiro, desde o seu acesso através de uma app de homebanking à realização de uma transação via wallet ou outro meio de pagamento. Temos como um dos principais desafios a resposta de cibersegurança que garanta a total proteção dos clientes, sem comprometer a melhor experiência do cliente.”

Apesar das críticas, as iniciativas de digitalização das moedas nacionais ecoaram em todo o mundo em 2020, para além do BCE. A China lidera o projeto mais avançado, já aplicando testes em diversas regiões do país, mas países com moedas muito desvalorizadas, como Brasil e Turquia, também discutem a digitalização do dinheiro para os próximos anos.

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