Polícia do DF e Interpol desarticulam quadrilha sediada em Portugal que aplicava golpes em investidores de criptmoedas do Brasil

Escritório em Lisboa é considerado sede de call center que teria recrutado imigrantes brasileiros que efetuavam ligações diárias para o Brasil para oferecer Day Trade e Forex.

Policiais da 9ª Delegacia de Polícia (Lago Norte) do Distrito Federal (PCDF) com apoio da Interpol, por meio da Difusão Vermelha (Red Notice), cumpriram na manhã desta terça-feira (7) seis mandados de prisão preventiva, em Lisboa, Portugal, bloqueio de contas bancárias, sequestro de criptomoedas e derrubada de websites. A ação, que aconteceu após um ano de investigações, teve o objetivo de colher elementos que comprovaram a existência de uma organização criminosa transnacional, sediada no país europeu, que tinha por finalidade exclusiva aplicar golpes no Brasil.

A suposta atividade ilícita que ocorria havia, pelo menos, quatro anos vitimou milhares de pessoas em território nacional e expatriou milhões de reais por meio de um esquema bem estruturado de criptomoedas.

Segundo informações da PCDF, as investigações apontaram que um homem, de nacionalidade tcheca e residente na capital portuguesa, montou um escritório de fachada para funcionar como suposta empresa de publicidade, porém a verdadeira operação da empresa era vender falsos investimentos na bolsa de valores por meio de empresas fantasmas de corretagem.

No local, o tchecoslovaco montou um call center e contratou centenas de brasileiros. De acordo com a polícia, a maioria era composta por imigrantes ilegais que, sem opção de trabalho, aceitaram participar do esquema que tinha como alvo a contratação de pessoas que falassem fluentemente português, o que validava a escolha de vítimas brasileiras que fariam ligações diárias ao Brasil para oferecer opções de investimentos, como Day Trade e Forex. 

De acordo com os investigadores, os envolvidos usavam todo tipo de argumento para convencer as vítimas a ingressar no mercado de valores e fazer aplicações que gerariam altas rentabilidades com garantia. As vítimas enganadas passavam a investir nas ações indicadas pelos criminosos, mas diferente do prometido, sempre perdiam todo o valor investido. 

“Tomados pelo desespero das perdas, eram incentivados a fazer novos investimentos com esperança de reverter o prejuízo. Ocorre que os novos investimentos também geravam outras perdas, alimentando uma bola de neve. Depois de perderem todas suas economias e se endividarem ainda mais em bancos, quando as vítimas não tinham mais um centavo para aplicar, os criminosos cortavam os contatos telefônicos e elas ficavam sem a quem recorrer”, disse o delegado da 9ª DP, Eric Sallum. 

Sallum acrescentou que, para aparentar legitimidade e convencer as vítimas que se tratava de investimentos reais, os criminosos montaram na internet diversas páginas de empresas fictícias, entre elas Paxton Trade, Ipromarkets, Ventus Inc, Glastrox, Fgmarkets, 555 Markets e ZetaTraders. 

“Esses websites eram muito bem montados, dando a impressão de serem empresas idôneas. As vítimas, então, faziam cadastros nessas páginas e depois usavam um aplicativo para poder fazer os supostos investimentos. Ocorre que os investimentos nunca realmente chegavam ao mercado de valores. Tudo não passava de uma bem elaborada simulação”, explicou. 

Paxton Trade era um dos sites usados pela quadrilha, segundo a PCDF. Fonte: Divulgação/PCDF

O dinheiro depositado nas contas das supostas empresas era diretamente desviado para contas pessoais dos criminosos, levando as vítimas a acreditar que não se tratava de um golpe, mas de uma perda na bolsa de valores, segundo o que apontou a apuração da PCDF. A investigação mapeou pelo menos 945 pessoas envolvidas no esquema fraudulento, porém, os investigadores acreditam que esse número é muito maior. Parte das vítimas chegou a perder R$ 1,5 milhão, muitas delas, perderam economias de uma vida toda ou valores oriundos de heranças, dinheiro que seria gasto, segundo narrativas das vítimas, no tratamento de câncer por familiares. 

“Diversas vítimas tiveram rompimento de casamentos e laços familiares e muitas delas apresentaram fortes sintomas de depressão com tendências suicidas”, afirmou Eric Sallum. 

Estrutura da quadrilha

O delegado informou que a operação criminosa foi estruturada em outro país e propositalmente direcionada a atacar vítimas somente no Brasil, uma vez que os criminosos estavam sediados em Portugal e todas as vítimas localizadas apenas no Brasil. 

“Desse modo, as autoridades portuguesas ficavam de mãos atadas, pois sem vítimas para comprovar as alegações, a investigação ficava obstaculizada. A opção por assediar vítimas somente no Brasil também se fundava na expectativa de que a Polícia brasileira jamais conseguiria alcançá-los”, contou o delegado.

Sallum acrescentou que os criminosos sabiam que, caso atuassem contra cidadãos portugueses, de outros países da União Europeia ou dos EUA, a operação teria sido desarticulada com maior facilidade. 

A PCDF informou ainda que conseguiu obter diversas provas do ambiente sociopático existente dentro da empresa investigada ao comparar o grupo à ficção de “O Lobo de Wall Street”, que tinha a figura de Jordan Belfort venerada, no que diz rescpeito à relação dos criminosos com as vítimas, segundo levantamentos e depoimentos colhidos. Os envolvidos disseram à polícia que a empresa promovia festas e premiações aos melhores vendedores e grande ostentação de riqueza. Inclusive, nos grupos de mensagens instantâneas, os gerentes incentivavam os vendedores a ver o filme protagonizado por Leonardo Di Caprio e eram sistematicamente induzidos ao mesmo comportamento. 

“O lema na empresa era: Pensem em vocês e em suas famílias, esqueçam as vítimas”, destacou Eric Sallum. 

De acordo com a autoridade policial, o líder da organização criminosa chegou a ser interrogado durante a investigação, ocasião em que contratou advogados no Brasil e exigiu ser ouvido em sua língua materna. 

“Alertado que seria ouvido em inglês, fingiu não entender nada, fazendo-se de desentendido”, lembrou Sallum acrescentando que a investigação já tinha obtido diversos vídeos do suspeito falando inglês fluente, o que comprovou a má-fé do investigado.

Ele também revelou que, “mesmo após saber que estava sendo investigado, [o acusado] manteve sua operação criminosa e ainda expandiu sua atividade, abrindo outros três escritórios e contando com mais de 150 brasileiros contratados.”

O delegado contou que, com o intuito de enganar as vítimas brasileiras, os criminosos usavam aplicativos que mascaravam os números internacionais. Isto porque sabiam que ligar de números internacionais para assediar brasileiros teria baixa eficácia. 

“Ao simular número com DDD (61), conseguiam que as vítimas atendessem à primeira ligação e, assim, fossem hipnotizadas pelas falsas promessas de rentabilidade”, explicou. 

Ele revelou que, por meio da mesma tática, os policiais da PCDF usaram o mesmo aplicativo para simular números e ligações portugueses. Isso fazia que os funcionários da empresa atendessem às ligações dos policiais brasileiros, oportunidade em que eram intimados a prestar esclarecimentos, via videoconferência. 

“Sem terem como alegar que não sabiam da intimação, eram forçados a comparecer e prestar esclarecimentos, por meio de videoconferência. A partir destas informações, a PCDF montou o quebra-cabeça”, contou Sallum. 

Ele acrescentou que a operação da PCDF desarticulou o braço da organização criminosa, sediada na capital portuguesa e acusada de atuar sobre o território brasileiro, e comprovou que o mesmo grupo criminoso também possui escritórios em outras cidades e continentes (Praga, Tel Aviv, Dubai, Londres e Madrid, a fim de executar o mesmo esquema. De acordo com o delegado Eric Sallum, esses outros escritórios atuam em outros países fazendo vítimas no México, Argentina, Uruguai e Chile. 

 No Brasil, o fim das operações da empresa de investimento em criptomoedas Braiscompany foi marcado, entre outras ações, pelo bloqueio de R$ 15 milhões de investigados, fuga dos proprietários e dispensa de funcionários, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.

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