CVM revisa entendimento sobre operações da GAS Consultoria e processa “Faraó dos Bitcoins” e sua empresa

“A existência efetiva de investimentos em criptomoedas é o indício que justifica a revisão do entendimento”, afirma o termo de acusação da Comissão de Valores Mobiliários.

Após a avaliação das provas obtidas pela Polícia Federal e o Ministério Público no âmbito da “Operação Kryptos”, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) reviu sua interpretação sobre as operações da GAS Consultoria Bitcoin e abriu um processo administrativo contra a empresa e seu dono, Glaidson dos Santos, sob a acusação de fraude financeira e outras infrações.

De acordo com os termos do processo levantados por reportagem do O Globo publicada na terça-feira, 13, a CVM alterou seu entendimento sobre o caso após as provas confirmarem que a GAS Consultoria Bitcoin utilizava os recursos confiados por seus clientes para realizar investimentos em criptomoedas.

Até então, o caso estava restrito à esfera criminal, na qual Glaidson dos Santos e outros 16 réus são acusados por crimes de gestão de organização financeira sem autorização, gestão fraudulenta e organização criminosa na denúncia formal do caso apresentada pelo Ministério Público Federal em outubro do ano passado. 

De acordo com as investigações, o esquema da GAS Consultoria teria movimentado R$ 38 bilhões e afetado no mínimo 67.000 investidores. No entanto, recentemente, o administrador judicial Sérgio Zveiter, nomeado pela 5ª Vara empresarial do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), estimou que os clientes da empresa podem ultrapassar a marca de 300 mil. Pelo menos 120 mil realizaram cadastro junto à administração judicial para tentar reaver R$ 9,3 bilhões que teriam sido confiados à empresa.

Detalhes do processo

As primeiras denúncias contra GAS Consultoria foram encaminhadas à CVM em 2019. Na época, porém, o órgão concluiu que, embora os indícios apontassem para um esquema pirâmide financeira, as operações comandadas pelo “Faraó dos Bitcoins” não pareciam envolver “valores mobiliários” — expressão que abrange títulos de investimento regulados — nem constituir contrato de investimento coletivo (CIC).

Na avaliação da CVM, os rendimentos fixos mensais de 10% que a empresa prometia aos seus clientes eram um indício de que o esquema da GAS Consultoria não se baseava no mercado de capitais regulado. Assim, a conclusão naquela ocasião foi que a autarquia CVM não tinha bases legais para abrir um processo administrativo contra os administradores da empresa, cabendo apenas encaminhar as denúncias ao Ministério Público Federal para investigação criminal.

Deflagrada em agosto do ano passado, a “Operação Kryptos” resultou na prisão de Glaidson e na maior apreensão de criptomoedas da história do Brasil – aproximadamente R$ 150 milhões na cotação da época. Carros de luxo e R$ 13 milhões em espécie também foram encontrados no local da prisão, um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.

As provas materiais levantadas pela investigação fizeram com que a CVM mudasse o seu entendimento sobre o caso, como revela este trecho do termo de acusação obtido pela reportagem do O Globo:

” A partir de tais informações, foi possível identificar elementos que permitiram a revisão do entendimento acerca da verossimilhança da oferta realizada pela GAS (empresa pela qual Glaidson dos Santos atuava). Tais elementos estão relacionados com a factual aplicação em criptomoedas de parcela dos valores captados. Em alguns trechos da denúncia elaborada pelo MPF fica clara a verificação de que pelo menos parte dos recursos aportados pelos investidores teria sido destinada a criptoativos.”

As provas citadas no processo administrativo aberto pela CVM incluem a existência de contas vinculadas a Glaidson e à sua mulher, a venezuelana Mirelis Zerpa, em exchanges de criptomoedas como Binance, Mercado Bitcoin e Foxbit.

Em última instância, avaliaram os técnicos da CVM, os contratos de investimento firmados com os clientes e as notas promissórias emitidas pela GAS Consultoria configuram-se como valores mobiliários. O processo de captação de clientes através de eventos públicos foi caracterizado como “oferta pública de investimento” pela autarquia.

Além disso, há a comprovação de que Mirelis sacou mais de R$ 1 bilhão das carteiras vinculadas ao casal enquanto encontrava-se foragida da Justiça brasileira, já após a deflagração da operação que prendera seu marido. A venezuelana ainda não foi capturada pelas autoridades e hoje faz parte da lista vermelha de procurados da Interpol. Ela também consta no rol de acusados do processo administrativo da CVM.

As penalidades previstas no âmbito do processo administrativo incluem a proibição de atuação no mercado de capitais por tempo determinado e a aplicação de multas, que podem chegar a R$ 50 milhões ou sanções equivalentes a duas vezes os valores envolvidos na operação irregular, três vezes os valores das vantagens obtidas ou duas vezes o valor do prejuízo causado aos clientes da empresa. A decisão cabe ao colegiado da CVM.

O processo administrativo aberto contra o “Faraó dos Bitcoins” também pode criar novos precedentes para a atuação da CVM em fraudes envolvendo investimentos em criptomoedas.

Resposta da defesa da GAS Consultoria

A data do julgamento do processo administrativo ainda não foi marcada, portanto os acusados ainda não apresentaram sua defesa. O advogado que representa Glaidson não retornou às solicitações de posicionamento da reportagem.

Em nota, o advogado de Mirelis, Ciro Chagas, afirmou que aguarda a formalização da acusação “para apresentar a defesa, que temos segurança que será acatada.” Chagas argumentou ainda que a CVM já havia manifestado-se anteriormente negando que as atividades da GAS Consultoria se configurassem como Contrato de Investimento Coletivo (CIC) ou de oferta de valores mobiliários, ignorando a revisão da autarquia sobre o caso. Por fim, concluiu que a ausência de jurisprudência sobre casos semelhantes pode favorecer sua cliente:

“Os precedentes da CVM sobre ofertas de investimento envolvendo criptoativos ainda são escassos, inexistindo posição definitiva do órgão colegiado sobre casos semelhantes ao do Grupo GAS.”

A abertura do processo administrativo pela CVM não foi a única notícia desfavorável ao “Faraó dos Bitcoins” nos últimos dias. Em outro revés na Justiça, no caso a eleitoral, Glaidson teve o registro de sua candidatura a deputado federal impugnado pelo TRE-RJ, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.

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