‘Custo de entrega de informações pode ser prejudicial para exchanges’, afirma advogada tributarista sobre nova instrução da Receita para criptoativos
A partir de agosto deste ano as exchanges, pessoas físicas e jurídicas que realizem transações com criptoativos deverão prestar contas à Receita Federal
A partir de agosto deste ano as exchanges, pessoas físicas e jurídicas que realizem transações com criptoativos deverão prestar contas à Receita Federal. A nova obrigação foi publicada na última terça-feira, 7 de maio, no Diário Oficial da União pela Instrução Normativa 1.888/2019.
O texto prevê que as transações acima de R$ 30 mil com criptos de pessoas físicas devem ser informadas mensalmente, sejam essas operações realizadas com exchanges no Brasil, no exterior ou em negociações peer-to-peer.
A Instrução também inclui novas obrigações para as exchanges. A partir de setembro, quando as novas regras entram em vigor, elas deverão informar mensalmente os saldos dos seus usuários à Receita Federal.
O Leão afirma que, como as transações com criptomoedas podem ser realizadas à margem do sistema financeiro tradicional e com anonimato, os ativos estariam sendo usados na prática de crimes, como lavagem de dinheiro.
A Instrução não é uma surpresa para o mercado. No fim de 2018, por meio de uma consulta pública, a Receita Federal havia publicado uma minuta que criava uma obrigação acessória para informação de operações envolvendo criptoativos.
As mudanças, embora representem um passo na regulamentação da indústria de criptoativos no Brasil, podem onerar as exchanges de criptomoedas.
Segundo Elisa da Costa Henriques, advogada sênior da consultoria tributária do Velloza Advogados, em relação à minuta de 2018, o texto atende a algumas sugestões do mercado de criptos brasileiro.
“O conceito anterior era muito amplo. Qualquer tipo de “moeda virtual”, como programas de milhas ou pontos de cartão de crédito, por exemplo, estavam no conceito anterior de criptoativos apesar de não serem criptomoedas. Agora há a referência expressa sob a necessidade de ter uma transação eletrônica com utilização de criptografia e tecnologia de registro distribuído, o que acabou restringindo o conceito”, explica.
Após a publicação da instrução pela Receita, especialistas e investidores reclamaram que norma contradiz a intenção do governo de desburocratizar pequenos negócios.
Conversamos com a tributarista do escritório Velloza Advogados para entender melhor as principais mudanças e impactos da Instrução para a indústria de criptoativos no Brasil.
O que muda com a Instrução Normativa 1.888/2019?
A Instrução Normativa 1.888/2019 é fruto da consulta pública realizada pela Receita Federal no final de 2018 e estabelece a obrigação acessória de prestar informações sobre operações envolvendo a transferência de criptoativos.
Essa obrigação alcança não apenas investidores, mas também as exchanges. Diferente do texto da minuta, a instrução elenca o que uma transação com criptoativo, como compra e venda, permuta, doação e outras operações que impliquem em transferência de criptoativos. É um escopo bem amplo e toda operação que envolve alguma forma de transferência de criptoativos deve ser reportada para a Receita Federal.
Há uma mudança, que era um pleito do mercado e foi parcialmente acatado. A consulta pública estabelecia como corte as operações que ultrapassassem R$ 10 mil. Esse limite foi elevado para R$ 30 mil, mas só se aplica para investidor pessoa física ou pessoa jurídica residente no Brasil. A corretora tem que informar as operações independente do valor envolvido.
Quem tem que prestar informações para a Receita?
A Receita exige que mensalmente seja informado pelas “exchanges” domiciliadas no Brasil as operações que impliquem transferência de criptoativos acima de R$ 30 mil. No caso de investidores pessoas físicas ou pessoas jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil, em uma operação de compra, venda, doação e etc., se o valor atribuído (individual ou conjuntamente) superar R$ 30 mil há a necessidade de prestar informação. Caso o valor seja menor o usuário pessoa física/pessoa jurídica não precisa informar a Receita.
Essa informação precisa ser realizada até o último dia útil do mês subsequente à operação. Logo, se uma pessoa faz uma operação em agosto, precisa informar até o último dia útil de setembro e assim sucessivamente.
Da mesma forma, se alguém tem um saldo em criptoativos que se valorizou e superou o valor de R$ 30 mil não é necessário informar. A informação é prestada apenas no momento em que há uma operação financeira com esse criptoativos. Não é preciso informar valorizações não realizadas, pois nessa situação ainda não são passíveis de tributação.
Já a informação dos saldos dos usuários é da exchange. Em janeiro de todo ano ela vai informar a posição de cada usuário em 31/12. Diferente da minuta anterior, a Receita não pediu o valor de mercado dos ativos, determinando que é necessário informar apenas o saldo e o custo de aquisição dos mesmo.
O primeiro conjunto de informações precisa ser entregue no último dia útil de setembro deste ano. Então todas as pessoas que no mês de agosto de 2019 (mês de referência) realizaram operações envolvendo transferência de criptoativos acima de R$ 30 mil vão precisar informar a partir de setembro de 2019. No caso das exchanges esse limite mínimo de valor não se aplica.
Quem já tem criptomoedas, mas não realizou operações em agosto acima deste valor terá as informações prestadas pela exchange em janeiro de 2020.
Agora também há penalidades no caso de não informação, atraso, omissão ou equívoco nas informações. As penalidades podem chegar a 3% do valor da operação. Então o investidor precisa informar operações realizadas em mercado privado (transações peer-to-peer) e com exchanges fora do Brasil.
Instrução é positiva ou negativa para a indústria de criptomoedas no Brasil?
Esse foi primeiro passo de uma regulamentação do mercado. É uma tendência que observamos também em outros países. A própria OCDE já sinalizou a importância de se analisar os impactos tributários do mercado de criptoativos, especialmente diante da relevância e proporção que o mercado tem tomado.
Eu tenho uma preocupação que, especialmente quando estamos falando de corretoras, temos em muitos casos startups e empresas que estão começando suas operações. O custo sistêmico de toda essa estrutura de entrega de informações pode ser prejudicial para essas empresas. Ainda temos que aguardar layouts e orientações da Receita sobre como essas informações deverão ser disponibilizadas.
Todos os países têm caminhado para essa regulamentação do mercado. Com o tempo será possível avaliar o que funciona e o que traz onerosidade para o mercado.