Confusa e com mais encargos, norma da Receita Federal pode prejudicar exchanges brasileiras

A Receita Federal deseja conhecer todas as operações feitas com criptomoedas pelas exchanges brasileiras e por isso instituiu a Instrução Normativa 1.888/2019. Ela já começa a ser aplicada nesse mês de agosto, mas ainda há questões que não parecem ter sido bem elucidadas para o setor.

A única certeza que os atores do mercado têm é de que todas as operações feitas por exchanges brasileiras terão de ser informadas mensalmente à Secretaria da Receita Federal, independentemente do valor.

Caso a corretora não cumpra ou apresente alguma inexatidão na declaração pagará multa. A falta de declaração junto à Receita pode custar R$ 500 ou R$ 1.500 por mês, sendo o primeiro valor para as empresas optantes pelo Simples Nacional.

As empresas que
estiverem em início de atividade ou “que na última declaração apresentada tenha
apurado o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) com base no lucro presumido”,
também não terão de pagar R$ 1.500 de multa.

A questão, no entanto, é que nova norma da Receita Federal afirma que serão consideradas exchanges de criptomoedas a pessoa jurídica que oferecer serviços referentes a operações realizadas com criptoativos. Podendo esses serem ainda de intermediação, negociação ou custódia.

Confusão à vista

Para Carlos Lain, criador da PagCripto, isso pode trazer uma confusão aos OTCs, empresas de criptomoedas que intermedeiam as operações entre usuários de criptomoedas.

Um outro problema apontado por Lain é que há muitas peers to peers (P2Ps) que também intermedeiam operações e que a única diferença deles P2Ps para as OTCs (balcões de negociação de criptomoedas) seria o volume transacionado.

P2P pode ser
visto como exchange

Lain afirma que, para essa norma, as OTCs se enquadraram como uma espécie de exchange, mas o maior problema não habita nesse ponto. A questão é que os P2Ps, que não fossem pessoa física poderiam ser tratados também como corretoras.

“Se você é Pessoa Jurídica e opera cripto, é praticamente consenso lá que você é uma exchange. Ou seja, um P2P é na verdade, uma exchange para a lei”.

O problema
do leiaute para OTCs

Segundo Lain, todas as operações feitas em OTC já têm um consenso de como deve ser feito, mas o problema é que o “modelo como as operações de OTC ocorrem não batem com os layouts oferecidos”.

Para ele, a
OTC se enquadra como uma exchange e “com isso, há dúvidas sobre qual modelo de
layout usar”.

Como essas
empresas intermedeiam operações, elas teriam de fazer uma declaração de compra
e outra de venda de criptomoedas.

“A OTC não tem uma venda e uma compra casada normalmente. Muitas vezes compram e vendem no risco. Não tem um único valor porque são duas cotações diferentes”.

Risco de
aumento da carga tributária

Isso, na
visão de Lain, traria um encargo tributário maior para essas empresas.

“A OTC vai
ter que ser reportada como parte compradora e parte vendedora. Isso ao mesmo
tempo, dá margem para cobrança de Imposto de Renda através da DARF, em vez de
faturamento, que é o correto nessa situação”.

Problema da custodia e intermediação

Rocelo Lopes, CEO da Coinbr, afirma que a Instrução Normativa não teria como afetar a sua empresa, uma vez que ela apenas intermedeia as operações entre os investidores e a Stratum, a qual tem sede em Hong Kong.

Rocelo conta
que a Coinbr e a Stratum não estão mais juntas. Apesar de ele ser Ceo das duas
empresas, desde o final de 2017 vem trabalhando na desvinculação das duas companhias.

A Coinbr não
opera mais com criptomoedas desde dezembro de 2017. Ele explica que ela apenas
presta serviço muito similar ao de custódia de valores e o “único envolvimento
da Coinbr é com moeda fiduciária brasileira”.  

De acordo
com Rocelo, a plataforma Stratum é que ficou com toda parte de criptomoeda e
ela está baseada em Hong Kong.  

“A plataforma da Stratum, conforme diz a própria norma da Receita, não tem a obrigação de prestar informações, mas o usuário, sim. A gente vai colocar um aviso para o usuário para que ele possa saber que a obrigação é dele”.

Questão complexa

A Coinbr, segundo
Rocelo, não tem sequer a informação sobre quais criptomoedas seus clientes compraram
na plataforma da Stratum.

“O processo
é o usuário vai na Plataforma da Stratum e diz que quer depositar em Reais. A
plataforma o direciona para a Coinbr. Uma vez que ele depositou em Real e a
Coinbr informou à Stratum, acaba aí a relação da Coinbr com esse cliente”.

Ele argumenta
que a única operação que ocorreu no Brasil foi a de depósito em reais na
Coinbr, mas que o resto sucede com a plataforma em Hong Kong.

Interpretação
jurídica de intermediador

Marcio Ávila,
professor de Direito Tributário internacional, nas Pós-graduações da PUC-Rio,
Ibemec e Universidade Federal Fluminense (Uff) afirma que a Instrução Normativa
traz uma “interpretação ampliativa de conceito de intermediário”.   

“Se a pessoa
é um facilitador da transação, é intermediador conforme a norma da Receita”.

Ávila
compara o caso de criptomoedas com o de negociação de carga de petróleo entre o
Brasil e um outro país, no qual o intermediário que é chamado de broker nessa situação
tem o papel apenas de ligar as pessoas envolvidas nessa transação recebendo uma
comissão.  

“Se uma
empresa custodia moeda fiduciária para a finalidade de negociação com
criptomoedas, pode ser interpretada como uma intermediadora, aos olhos do fisco”.

Contudo, ele afirma que “independente da função de intermediário ou de braço de uma corretora estrangeira, a empresa terá de declarar as negociações de criptomoedas ao fisco”.

Novos encargos para corretoras

A instrução normativa cobra das empresas de criptomoedas um compliance maior e isso fatalmente deve acarretar custos. Segundo Marcos Alves, CEO do Mercado Bitcoin, a norma exige uma adaptação para todo o mercado.

“Tivemos de
fazer um esforço médio nos sistemas para incorporar certos dados adicionais. A normativa
exige uma adaptação que gera custo em curto prazo e isso para os envolvidos é
um impacto”.

Alves,
contudo, diz que o Mercado Bitcoin não teve de fazer tantos ajustes.

“A gente tem mais de 100 ou 150 mil clientes com cadastros atualizados mesmo antes da normativa. E as informações requeridas das exchanges não são muito diferentes das emitidas de outros tipos de empresas que acabam tendo transação financeira”.

Custos de adaptação

Rodrigo França, Ceo da Ripio Brasil, aponta que os dados que a Receita quer já são coletados pela empresa “como parte dos procedimentos de KYC (Know your customer), CDD/EDD ( customer due diligence / Enhanced due diligence)”.  

França,
contudo, não esconde que a empresa terá de custear algumas mudanças devido
principalmente ao que é exigido no leiaute da Receita.

 “A equipe de TI e segurança da informação da Ripio, localizada na Argentina, já está trabalhando para adequar nossos dados ao formato pedido pela RFB no Manual de Orientação e Preenchimento”.

De acordo com ele, é consenso no mercado de que “o formato não é simples e o Manual é bastante confuso”.

“A Receita Federal pede muita informação que é inútil/desnecessária para a apuração de ganho de capital no setor de criptomoedas e possíveis casos de sonegação”.

Indício de lavagem de dinheiro comunicado ao MPF

O artigo 11
dessa norma afirma que “poderá ser formalizada comunicação ao Ministério
Público Federal, quando houver indícios da ocorrência dos crimes previstos no
art. 1º da Lei nº 9.613/98”.

Essa questão,
de acordo com França, é algo que tem de ser analisado pois pelo seu ponto de
vista pode representar “contrariedade às disposições de Leis como a 5.172/66
(art. 198), 9.430/96 (art. 83) ou a própria Súmula Vinculante 24 do STF”.

Compliance exigido

Daniela Juliano,
professora convidada de Compliance na pós-graduação de Direito da FGV- Rio,
explica que essa norma seria mais um peso para as empresas em termos de
documentação tributária que deve ser apresentada.

“Em termos
de compliance tributário, se uma empresa já está firme será apenas mais uma
norma que ela vai ter de estar em conformidade

Ela elucida que o compliance é preventivo e a empresa tem de estar monitorando sempre exigência sobre novas normas e o que tem de ser entregue à Receita, além dos prazos.

Amadurecimento do mercado

As corretoras
de criptomoedas disseram que estão acompanhando essas mudanças que podem
representar por fim o amadurecimento desse mercado.

A 3xBit enviou
uma nota, por meio de sua assessoria de comunicação, informando que já se antecipou
sobre essas mudanças.

“A 3xBit se antecipou à determinação da Receita Federal e inovou ao promover a integração do acesso entre as plataformas que fazem parte do hub de soluções. Por meio da solução Blockchain ID, da Original My, é possível fazer uma única verificação de identidade para utilização da exchange e do marketplace de tokens Troca Ninja”.

Alves, do MB, diz que “já esperava que em algum momento eles passassem a monitorar o mercado por causa do crescimento de volume”.

Lain vai além e acredita que isso, apesar de todos os percalços, “provavelmente trará uma boa segurança jurídica das empresas do setor frente aos bancos”.

O post Confusa e com mais encargos, norma da Receita Federal pode prejudicar exchanges brasileiras apareceu primeiro em Portal do Bitcoin.

Você pode gostar...