Como a Receita Federal vai beneficiar OTCs e P2Ps de Bitcoin
A Instrução Normativa da Receita Federal obriga, na prática, todas as pessoas e empresas que negociam um volume mensal de R$ 30 mil em criptomoedas a reportarem informações.
Principalmente, os pareceres são: preço de compra/venda, data e hora, endereços de criptomoedas, CPF e nome das partes envolvidas na negociação.
Não nego que disponibilizar todas essas informações talvez gere mais trabalho para quem é envolvido em negociações de grande volume.
Contudo, apesar do número de informações solicitadas, essa instrução acaba oferecendo ao setor OTC (mercado balcão) mais segurança contra fraudes e envolvimento com dinheiro ilícito. Explico abaixo.
Sei que a maior parte da comunidade de criptomoedas detestou essa determinação, porque ela praticamente acaba com a privacidade de quem negocia criptomoedas no Brasil.
Particularmente, acho que ela poderia ter sido melhor editada. Existem diversos pontos negativos nessa instrução como: fim da privacidade nas negociações de cripto e limites muito baixos que precisam ser reportados.
Qualquer trader movimenta mais do que R$ 30 mil principalmente em momentos de volatilidade em que se compra e venda diversas vezes, girando o mesmo capital.
Às vezes também é comum encontrar clientes que operam ‘alavancados’, o que torna esse valor bem comum de ser atingido para um grande número de operadores.
Talvez o reporte de saque em criptomoedas ou reais acima de 30 mil fosse mais adequado no lugar de compra ou venda de 30 mil.
Mais segurança e legitimidade ao mercado OTC
Como negociante de grandes volumes na Nox OTC, particularmente, acredito que, apesar do lado ruim dessa instrução, ainda existem benefícios para o setor: segurança contra envolvimento com dinheiro ilícito, além de um certo grau de redução de burocracia e evidência de boa fé em caso de que se provem operações suspeitas a posteriori.
Atualmente, é preciso gastar uma grande quantidade de tempo com Compliance, verificando se o cliente que quer negociar grandes quantidades está agindo de boa-fé.
Mesmo que os OTCs só aceitem transferências entre bancos, que são rastreáveis, sabe-se que o risco de fraudes bancárias e envolvimento com dinheiro ilícito ainda é inevitável, já que não se pode confiar na efetividade do Compliance e KYC dos bancos.
A identificação e verificação de grandes clientes são procedimentos de praxe em qualquer corretora e mesa de operações OTC.
Além disso, é uma forma de evitar riscos de envolvimento com dinheiro ilícito, o que pode causar problemas futuros, como explicarei adiante.
Ademais, o reporte de informações acaba inibindo o mercado de criptomoedas, ainda mais, o dinheiro criminoso e/ou fraudulento.
Coincidentemente, no dia que a instrução normativa foi apresentada a público, surgiu um investigador querendo comprar cerca de R$ 250 mil em bitcoins.
Ao exigirmos o imposto de renda para que ele pudesse comprar, citando a origem do patrimônio, o mesmo alegou que não se sentia confortável, pois poderia se expor a risco ao apresentar informações sensíveis. Não fizemos negócio e perdi o cliente.
Reporte tira peso dos ombros das mesas de OTC
O receio que temos na nossa OTCx é de que no futuro se prove que uma operação como essa teve origem ilícita, e assim, possamos ser enquadrados como cúmplices.
De certa forma, o reporte obrigatório à Receita tira esse peso das mesas de OTC e joga a responsabilidade para o órgão que pode compartilhar as informações ao COAF.
Essa Instrução oferece ainda mais segurança e legitimidade para as mesas de OTC, que agora podem reportar as grandes transações de criptomoedas, restando ao cliente a escolha de declarar ou não essa transação.
Isso, por si só, acaba sendo uma comprovação de boa-fé por parte da empresa, mesmo que ocorra alguma ilicitude no futuro. Afinal, qual fraudador estaria produzindo provas contra si?
É preciso lembrar que, a identificação dos clientes ainda será necessária. Mas ainda assim, é melhor reportar as negociações para a Receita, do que ficar pedindo páginas e páginas de documentos com informações sensíveis desses clientes.
Mas, se eu não vou precisar gastar tanto tempo realizando um compliance mais rigoroso ou solicitando documentos, não vou precisar perder tempo reportando essas informações?
Isso vai depender do template do documento que será disponibilizado pela Receita, que deverá ser muito parecido com os registros que corretoras e OTCs já possuem.
Em suma, é mais fácil reportar as informações de negociação em um template pronto do que investigar o IR de um cliente para, então, saber se posso negociar ou não com ele.
Ele perde privacidade quando o governo sabe que ele está comprando criptomoedas, mas ao menos não precisa mais disponibilizar informações sensíveis e privadas para terceiros.
Quem trabalha com criptomoedas sabe que era apenas uma questão para que o governo começasse a identificar os participantes desse mercado, partindo, principalmente, do Sistema Brasileiro de Pagamentos e principais instituições do mercado de criptomoedas: corretoras e grandes mesas de negociações.
Se você quiser privacidade, agora será necessário pagar um grande spread para realizar negociações presenciais com dinheiro físico, o que é um grande risco para ambas as partes negociantes, mas ainda factível.
*João Paulo Oliveira dos Santos é ex-sócio da XP Investimentos e Foxbit. É fundador da Nox, uma das maiores mesas de negociação de Bitcoin no Brasil, que fornece operações estruturadas com Bitcoin e negociações de grandes volumes.
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