Blockchain e a possibilidade de novos rumos para as eleições no Brasil

Cada vez mais se discute quanto a possibilidade de adiamento das eleições, em virtude do cenário da Covid-19. O Ministro de Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Roberto Barroso, futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já se manifestaram: enquanto o primeiro pede que se prorrogue, o último fixa que ainda é cedo para se mudar o calendário eleitoral. 

Independente ou não da prorrogação, pois existem inúmeros argumentos jurídicos que a permitam e obstaculizam assim como é de fato prematuro ter eleições em outro mês, visto que a nossa só se realiza em outubro – quando possivelmente o surto de coronavírus será controlado -, é certo, contudo, que a Justiça Eleitoral, seja no aspecto organizacional, seja nos atores que a rodeiam, tem avançando quanto ao uso de tecnologia.  

Dentre as aplicações no decorrer dos anos podemos citar o uso da biometria, das urnas eletrônicas, a sistematização eletrônica das candidaturas, das prestações de contas, da filiação partidária, o título eleitoral eletrônico (e-Título). Neste cenário, será que a bola dessa vez é o Blockchain?  

Primeiramente, em apertada síntese, Blockchain é um conceito aplicável em alguma tecnologia, que possibilita ações individuais, sem que haja intermediador e centralização dos dados, criando uma rede peer-to-peer capaz de concretizar inúmeros produtos, dentre eles, a conhecida transação de criptomoedas e o smart contracts, conforme é mencionado no artigo “The Rise of Lex Cryptographia” de Primavera de Fillipi.

A importância da Blockchain

Inclusive, destaca-se, que o Blockchain, em um vocábulo simples, se dá a partir da ideia de livro-razão, onde registros e movimentações são conectados por “blocos” em uma rede distribuída, garantindo anonimato, publicidade, imutabilidade, integralidade e verificação de informação.

Pelo seu fator de “confiança”, a Blockchain inegavelmente se aplica não somente para doações de campanha, registro de candidatos, prestações de contas, filiação, mas, sobretudo nas eleições. O sistema atual de voto eletrônico brasileiro se baseia na gravação de dados digitais, sendo somente verificada através do administrador do sistema e desenvolvedor do software nas urnas eletrônicas. No sistema pensado pelo Blockchain é diferente.  

O cidadão poderia conferir o voto – evidentemente ainda o mantendo anônimo – sem a necessidade de auditoria posterior, visto que, por ser uma rede peer-to-peer e criptografada com uso de hashs, ela mostra “de imediato” a quantidade e direção para onde foram as informações, ou seja, quantos votos foram para cada candidato.

Ademais, frisa-se que ela não somente seria capaz de mostrar os votos, mas quantos votantes, o que, reforçaria que não há fraudes em urnas, ou melhor, no processo político-eleitoral. Esse tema é bem tratado por Henrique Niwa em “Um Sistema de Voto Eletrônico Utilizando a Blockchain”.

Modelo estoniano

Em outras palavras, não se pontua que há insegurança nas urnas ou no processo eleitoral, pois, como amplamente divulgado o Tribunal Superior Eleitoral tem mecanismos de controle e combate a falhas, como códigos-fonte, assinaturas-digitais, auditorias, boletins de urna, biometria, o que pretende é exclusivamente indicar avanços e instrumentos possíveis, que a própria Justiça Eleitoral já encaminha. 

Inspirações não faltam. Na Estônia o voto eletrônico pode ser online através de computador pessoal e celular, uma semana antes do dia de eleições, podendo, inclusive, o eleitor modificá-lo. Com a aprovação da Lei Digital Signature Act em 2002 e do cartão de identificação pessoal de cada cidadão com um PIN, que possibilita a assinatura digital, as eleições se tornaram digitais. Vale dizer, entretanto, que é outro cenário e modelo, distinto em inúmero, sistema e regime. Toda precaução é necessária. 

Obstáculos a serem vencidos

Ainda que seja possível o uso de Blockchain no processo eletrônico do voto, como já ocorreu nos EUA, pelo uso do aplicativo Voatz, há obstáculos a serem vencidos. O primeiro: o uso descentralizado faz com observemos se todos que votam tem acesso a internet e uma cultura política cyber. De acordo com o IBGE, em média, 3 casas não possuem internet, o que sem dúvidas emperra tal aplicação.

Segundo: a proteção de dados. Se utilizarmos nossos celulares e usarmos a biometria deles incluídas para votar, que tipo de parcerias ocorreria entre a Justiça Eleitoral e empresas telefônicas e de aplicativos que pudessem nos proteger? Quais convênios devem ser preparados que se limitem a nova Lei Geral de Proteção de Dados? 

Terceiro, a aplicação de Blockchain exige testes, e eleições anteriores – que não agora de 2020. As urnas eletrônicas passaram a ser usadas em 1996, porém foram definitivamente implementadas nos anos 2000. Quarto ponto: a prática do Coronelismo no Brasil, que, pelo domínio de força, monopólio da administração pública, nepotismo e clientelismo, manipula o processo eleitoral. 

Nesse sentido, embora haja os instrumentos aptos de se votar eletronicamente, o cidadão pode ser ameaçado e induzido a escolher aquele que domina o território. 

Em conclusão: o Blockchain é sim aplicável no Brasil, vez que, como indicamos, é um conceito que passa pelo uso tecnologia. Entretanto é preciso estar atento. Sem experiências, o uso de tecnologias criaria o efeito contrário, sendo incapaz até mesmo de caminhar possíveis soluções em momento de adiamento de eleições. 

Sobre o autor

José Maurício Linhares Barreto Neto –  Advogado, sócio fundador da Cardoso, Siqueira & Linhares e Membro do Grupo de Pesquisa “Direito e Novas Perspectivas Regulatórias”, coordenando a Linha “Democracia, Eleições e Inovação” do LEDH.uff – Laboratório Empresa e Direitos Humanos da Universidade Federal Fluminense.

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