Bitcoin, a Monalisa e o banqueiro

Bitcoin é uma obra de arte e os detentores de grandes fortunas já entenderam que a arte é uma excelente forma de preservar valor ao longo de gerações.

André Jakurski é um trader lendário no mercado financeiro brasileiro. Em live promovida pela Spiti, além de excelentes análises do momento no mercado, Jakurski comparou o Bitcoin a uma obra de arte.

“Minha opinião sobre bitcoin é a mesma opinião que eu tenho sobre um quadro do Picasso: pode subir, como pode cair. Na verdade ele não tem valor intrínseco, ele é vendido pela teoria da escassez, pois como dizem que não vai ter emissão a mais de bitcoin, ele vai virar uma obra de arte que você coleciona.”

O ponto de Jakurski é que criptomoedas não teriam valor intrínseco, assim como um quadro seria “tinta em cima de um pedaço de tela”. Apesar de apelar para esse esoterismo chamado “valor intrínseco”, factualmente, André está certo, a Monalisa é tinta num pedaço de tela e Bitcoin é um dinheiro mágico da internet.

Acontece que Monalisa tem um valor estimado de US$ 2.5 bilhões, e o Bitcoin tem um valor de mercado de algumas centenas de bilhões de dólares. Como tinta sobre tela e dinheiro mágico da internet adquirem esse valor, que não seria “intrínseco”?

Primeiro vem a notoriedade, obviamente tanto a Monalisa quanto o Bitcoin apresentam inovações técnicas relevantes, mas também pode-se argumentar que existem obras tecnicamente mais sofisticadas. O que confere valor ao Bitcoin e a Monalisa é, em primeiro lugar, sua notoriedade. Seu valor aumenta à medida que mais pessoas os reconhecem, e dentre esses, quantos estão dispostos a colocar  dinheiro nisso. 

No caso da Monalisa, a virada de popularidade aconteceu no início do século XX, quando o quadro foi roubado do Louvre. O roubo foi seguido de uma investigação bastante midiática, que chegou a prender Pablo Picasso pelo roubo. Anos depois o quadro apareceu na Itália e foi autenticado a partir das rachaduras existentes na tinta seca, processo impossível de replicar e que forma uma espécie de impressão digital da obra. Ser capa dos principais jornais do mundo quando foi roubada e, anos depois, quando foi recuperada ajudou a pintura a se tornar a mais reconhecida do mundo. Resumindo: a Monalisa é aquela ex-bbb que virou estrela de cinema. 

 

Inovação não é nada sem Marketing

A técnica do Sfumato foi a grande inovação na Monalisa, reconhecida por especialistas em arte ao longo dos séculos, mas não necessariamente compreendida pelo gigantesco público que se aglomera para ver o quadro. No caso do Bitcoin, a inovação técnica do timestamping descentralizado causou grande impacto na pequena mas barulhenta comunidade de criptógrafos e cypherpunks, e que igualmente, as pessoas que correm para comprar a criptomoeda não fazem ideia de como funciona em sua maioria.

A primeira grande exposição do Bitcoin foi motivada pelo seu uso no Silk Road, marketplace na deepweb que negociava de tudo, incluindo drogas e matadores de aluguel, e também como alternativa de doação para o Wikileaks, depois que Visa e Mastercard se recusaram a processar pagamentos para a plataforma de jornalismo investigativo. A partir de então, o Bitcoin ganhou a fama de dinheiro do submundo, coisa de criminoso, até que a febre das criptomoedas em 2017 atualizou sua definição para o melhor jeito de ficar rico (ou pobre) rapidamente. . Finalmente em 2020, com a impressão desenfreada de dinheiro pelos governos, ele passou a ser reconhecido pela sua capacidade de funcionar como proteção contra inflação, e entrando no portfólio de investidores mais tradicionais. 

Notoriedade não é nada sem a escassez. Imagine que Leonardo Da Vinci fosse um pintor que vivesse de vender suas obras em feiras de arte pela Itália e visse na Monalisa uma oportunidade de vender muitos quadros exatamente iguais. Nesse caso, apesar da inovação técnica, cada cópia existente diluiria automaticamente o valor das demais. No caso do Bitcoin, a escassez está programada no código que limita a emissão a 21 milhões de tokens, e isso pode ser comprovado por qualquer um com a capacidade técnica necessária para entender o protocolo. 

Ao mesmo tempo que a escassez do Bitcoin, assim como a da Monalisa, é garantida, o dólar e outras moedas fiduciárias são mais ou menos escassas de acordo com as vontades e humores de bancos centrais ao redor do mundo. 

O tempo e o valor das coisas

A Monalisa foi pintada entre 1503 e 1506, e muito pouca coisa além de obras de arte, ouro e terras mantém algum valor depois de mais de 500 anos. O Bitcoin tem apenas 10 anos, mas a forma como a rede é construída e validada torna a criptomoeda extremamente durável, basta que uma rede mínima de computadores continue rodando o software para que o protocolo continue existindo. Isso significa que, salvo um apocalipse zumbi gerado por uma tempestade solar de proporções épicas que frite todos os componentes eletrônicos do planeta e dos satélites que podem ter informações sobre a rede, seu Bitcoin continuará existindo pelos próximos 500 anos. Se ele vai valer alguma coisa é outra discussão.

Há alguns séculos, detentores de grandes fortunas já haviam entendido que a arte, especialmente obras de autores extremamente reconhecidos, são uma excelente forma de preservar valor ao longo de gerações. Mais recentemente, esses investidores passaram a também reconhecer o papel do Bitcoin como um ativo de proteção contra a inflação de longo prazo e as instabilidades políticas de curto e médio. Isso sem contar com a imensa vantagem da liquidez, afinal é muito mais fácil vender Bitcoin do que a Monalisa. O Bitcoin está disponível para qualquer um, não somente aos que podem pagar dezenas de milhões por um quadro, democratizando a proteção. Já existem formas de se investir em propriedade fracionada de obras de arte, como no caso da startup Masterworks, e tokenização de obras de arte é uma aplicação bastante popular de blockchain, mas como qualquer coisa que passa do mundo físico para o digital, ainda depende de confiança no depositário.

O Bitcoin ainda tende a ser muito mais volátil que outros ativos financeiros no curto prazo, à medida que o mercado evolui rumo ao consenso em torno de sua utilização como ativo de proteção. Isso reflete também o risco de que essa narrativa não prospere e que o Bitcoin seja, na verdade, mais um modismo do que um ativo de longo prazo, por outro lado, esse risco é também o que cria a assimetria potencial de retornos percebida pelo mercado e que tem levado a escalada de preços.

Resumindo, o Bitcoin é de fato uma obra de arte, um testemunho do engenho humano e da nossa criatividade como espécie. Assim como uma obra prima, o Bitcoin nos desperta para novas realidades possíveis, e a melhor parte é que todos podemos participar dessa criação coletiva, e colher os benefícios dela na forma de liberdade econômica, e da independência dos humores de provectos senhores que discutem política monetária como se fosse algo além de crendices transformadas em modelos matemáticos completamente irreais. Dizia Ferreira Goulart que “a arte existe porque a vida não basta”,  agora podemos parafrasear o poeta dizendo que o Bitcoin existe porque confiança não basta. 

In Satoshi we verify!
 

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